Sofia Lerche Vieira: Universidade em tempos sombrios?

"Invasões às universidades representam uma violência material e simbólica inaceitável. Todo e qualquer patrulhamento ideológico a professores e estudantes, independentemente de suas posições políticas, deve ser rechaçado. A democracia é valor universal que não pode ser suplantado pelo império do arbítrio”.

Por Sofia Lerche Vieira*

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Uma passagem memorável de Bertold Brecht parece esclarecedora dos tempos que vivemos: "do rio se diz violento quando tudo arrasta. Mas não se dizem violentas das margens que o oprimem". Senão, como entender o atual momento político de ameaças à convivência democrática?

Passadas as eleições, o clima de radicalismo e intolerância persiste. Conforme as circunstâncias e os atores se agravam. A despeito da resistência das instituições, um evidente esgarçamento do tecido social vai se explicitando. Estaremos de volta a tempos sombrios? Embora ainda seja cedo para afirmar, o discurso de alguns dos eleitos não é promissor. Mais que isto, é secundado por outros protagonistas em cena. Como explicar gestos e atos recentes de violência? Como aceitar a agressão e o inconcebível assassinato de cidadãos em nome de meras diferenças de opinião? Como compreender a crítica contundente à imprensa esclarecida?

Em um País de curta memória, não é demais lembrar. A redemocratização na década de 80 do século XX foi marcada pela luta política de gerações de brasileiros, culminando com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Mesmo tendo sofrido inúmeras emendas durante o período que nos separa daquele momento histórico de esperança, a Constituição tem representado a bússola orientadora de princípios e direitos inalienáveis a um estado democrático. Importante observar nesse contexto, que "as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial" (CF, Art. 207). O consagrado princípio da autonomia inclui a livre manifestação de ideias, sem a qual a pluralidade do pensamento, essencial à construção e difusão do saber, corre risco.

Invasões às universidades representam uma violência material e simbólica inaceitável. Todo e qualquer patrulhamento ideológico a professores e estudantes, independentemente de suas posições políticas, deve ser rechaçado. A democracia é valor universal que não pode ser suplantado pelo império do arbítrio.


*Sofia Lerche Vieira é Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Uece e pesquisadora do CNPq

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