Excelsior!

Estava eu sentado na sala de cinema, no meio de uma exibição do filme Capitão América – Guerra Civil quando no final da película veio a já aguardada participação de uma figura reincidente nos filmes de super-heróis.

Por Ronaldo Barata*

Stan Lee - Ilustração: Ronaldo Barata/Quanta Academia de Artes

Neste momento, na fileira atrás de mim, uma garota que não deveria ter mais de 18 anos e certamente não esta familiarizada com os quadrinhos de super-heróis soltou a seguinte frase: “Olha! É o velhinho da Marvel!”.

Não pude não ouvir a frase. Também não tive como deixar de pensar no que aquilo representava. Aquela menina provavelmente não fazia ideia de que aquele senhor grisalho, de óculos engraçados, que sempre aparece rapidamente nos filmes, é responsável pela criação da maioria dos heróis que ela via na tela.

Claro, ela não tinha como saber. Ela não tem a idade e nem o perfil certo para tamanha nerdice. Ela não leu as histórias e ideias mirabolantes desse nova-iorquino descendente de judeus, que foi roteirista, editor e até garoto propaganda de suas próprias criações. Não poderia a garota já ter lido as centenas de HQs escritas por ele e publicadas há quase 80 anos.

Ela é claramente filha do cinema atual, acostumada a ver esses personagens de roupas coloridas que soltam raios e teias apenas na telona. E quem seria este senhor nonagenário pra ela se não o “velhinho da Marvel”, sempre aparecendo em um momento inesperado para soltar uma piadinha?

Mas mesmo assim, ela o reconhecia. Isso é o que importa.

O sucesso das criações desse senhorzinho que já beiram os cem anos tem uma nova vida hoje, ganhando cada vez mais terreno pelo mundo, nas telas do cinema e da TV. Um sucesso estrondoso, incrível, mesmo que seu criador tenha sido resumido a uma ponta em meio a tudo isso.

Já eu, por outro lado, tenho todos os requisitos necessários: Idade e interesse suficientes para ter conhecido a história do homem da Marvel. Sou um nerd legítimo! E assim sendo, o “velhinho da Marvel” é pra mim é mais do que um cameo nos filmes, ele é um ícone.

Mesmo sem desenhar uma única linha, Stanley Martin Liber, o Stan Lee, se tornou um dos maiores nomes dos quadrinhos. Junto com outros grandes nomes da área como Jack Kirby e Steve Ditko, ele foi responsável por toda uma revolução nessa mídia infanto-juvenil.

Entenda: Os primeiros super-heróis (Superman, Batman, Mulher-Maravilha) eram seres mitológicos, com uma aura divina, acima do bem e do mal, intervindo por nós quando as coisas davam errado. Suas histórias os retratavam como seres perfeitos, sem problemas, sem dualidades, dúvidas ou dilemas morais.

É justamente Lee que começa a mudar esse modelo, nos anos 60, trazendo novos personagens que enfrentavam também problemas mundanos, tinham falhas e muitos, muito dilemas morais…

O Homem-Aranha precisa arrumar emprego para ajudar sua tia viúva, enquanto tentava salvar o mundo. O Quarteto Fantástico discutia problemas familiares antes de enfrentar seres celestiais que devoram planetas. O Pantera Negra tinha que proteger sua nação e ao mesmo tempo servir de símbolo para o resto do mundo. Os X-Men só queriam ser aceitos numa sociedade que os odeia, mesmo eles tendo poderes que podem destruir um prédio só com o pensamento.

Isso mudou o jogo. Trouxe uma ótica diferente para este nicho de HQs e o sucesso foi grandioso: o público se identificava com aquilo. Uma nova geração de leitores encontrou na Marvel o seu lugar.

E mais: Lee atuava não só como roteirista. Era também editor, ia a escolas e faculdades falar de suas criações, respondia às cartas dos leitores… Foi aí onde ele cunhou seu famoso bordão: “Excelsior!” (e ele usava essa palavra em todo lugar).

Stan Lee se tornou a peça central da Marvel Comics, participando do processo quase inteiro. E isso refletiu nas vendas, que estavam em franca ascensão. A concorrência não teve escolha e seguiu os passos dele.

Ele mudou o mercado.

E não parou por aí. Na década de 1980, ele mirou no cinema. A ideia não era nova, nem revolucionária – já haviam tentado isso antes –, mas a jornada era difícil. O cinema ainda era lento e analógico, não tinha o ritmo e a tecnologia dos dias atuais e sem isso se mostrou quase impossível realizar os filmes. Mas ele não desistiu da ideia. Tinha visão, sabia que era ali o futuro dos super-heróis. Errou pela diferença de duas décadas… Mas viveu para ver sua visão sendo realizada. No final, mais uma vez, ele tinha razão.

E mais uma vez, agora em uma nova mídia, seus personagens, suas criações e suas ideias mirabolantes mudaram o mercado.

Stan Lee não fazia ideia do impacto que suas ideias viriam a ter no mundo, quando se tornou assistente de edição na Timely Comics, lá pelos idos de 1939. Tanto que o rapaz decidiu “preservar” seu verdadeiro nome para sua sonhada carreira de escritor e passou a assumir a alcunha de Stan Lee naquele trabalho temporário de escrever personagens de quadrinhos.

E de temporário não teve nada. Virou o trabalho de uma vida.

Incrível é uma das traduções possíveis para a palavra Excelsior. Incrível também é um bom adjetivo para expressar como foi sua passagem de Stan Lee pela terra.

No último dia 12 de novembro, sua jornada acabou. No fim, o velhinho da Marvel se tornou quase tão famoso quanto seus personagens…

Excelsior.