Martonio Mont'Alverne Barreto Lima: Brasil num futuro já passado

"Tanto após 1964 – ‘os militares somente restauram a ordem e retiram-se’ – quanto em qualquer outro tempo da história, sempre se acreditou que ‘não é bem assim’. Foi. Em 20 anos, ainda estaremos aqui. Saberemos quem esteve de qual lado. Estes e outros grupos farão como fazem agora: nada de ‘comissão das verdades'".

Por Martonio Mont'Alverne Barreto Lima*

ditadura

Entre os diversos grupos sociais que apoiaram Bolsonaro em sua campanha, dois merecerem destaques. O primeiro deles é formado pela histeria obscurantista pentecostal; presente, tanto em católicos, quanto em evangélicos. Para estes, a superação de nossos problemas é uma tarefa divina e deverá cair dos céus, como resultado de seus delírios em rádio e televisão. Recusam explicações científicas a que chamam de "marxismo cultural", sem nunca terem deitado a vista em qualquer obra de Marx.

O segundo dos grupos constitui-se pela mais significativa parte de nossa elite – não no sentido grego de "melhores", inculta em sua quase totalidade. Joel Silveira já decifrava essa gente desde os anos 1940: passam tardes em livrarias, sem sequer comprar ou ler um livro. Idolatram Miami e compras, mas odeiam as tradições populares brasileiras de folclore, literatura ou música. Admiram a elite americana, mas são incapazes de defender seus interesses ou de doar, por exemplo, milhões de dólares para museus, óperas, teatros, universidades, pesquisa científica.

Quem pensa que esta mistura será inofensiva, pode enganar-se num curto espaço de tempo. As nomeações dos ministros das Relações Exteriores, da Cultura e da Igualdade de Mulheres deixam claro o que pode vir: contrários ao universalismo e à radicalidade da igualdade de gêneros, desconhecem nestes as mesmas aspirações e humanas necessidades. A responsabilidade não será de ninguém, mas destes e de outros grupos.

Tanto após 1964 – "os militares somente restauram a ordem e retiram-se" – quanto em qualquer outro tempo da história, sempre se acreditou que "não é bem assim". Foi.

Em 20 anos, ainda estaremos aqui. Saberemos quem esteve de qual lado. Estes e outros grupos farão como fazem agora: nada de "comissão das verdades".

Querem deixar impunes suas ações e omissões, para que, no esquecimento que julgam lhes favorecer, sintam-se à vontade de noutro futuro, repetir o que sempre fizeram: ser contra o País e seu povo.


*Martonio Mont'Alverne Barreto Lima é Professor doutor da Universidade de Fortaleza (Unifor)

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