Tamara Naiz: Sobre tranças e apropriação cultural
Estava eu navegando na internet e me deparei com a foto de uma famosa ostentando um cabelo crespo artificialmente após colocar tranças.
Publicado 14/01/2019 16:14 | Editado 04/08/2020 12:04

O fato gerou grande polêmica na internet e reacendeu o debate sobre apropriação cultural. Como historiadora, como mulher parda, que as vezes é lida socialmente como branca e as vezes como negra, me senti impelida a contribuir com o debate.
Em África os penteados sempre foram carregados de grande simbologia, essas todas citadas acima e muitas outras, como na religião, como rito de passagem, de transformação, ex: quando o indivíduo ocupa um novo papel na sociedade, passagem chamada de feitura do santo, onde é realizada cerimonia de raspagem dos cabelos, é uma espécie de renascimento, onde a pessoa é “batizada” com um novo nome, inclusive. Então é nítido que o significado social do cabelo era e continua sendo uma riqueza para o/a africano/a e hoje para todos/as os negros/as.Sabemos que após a escravização dos povos africanos o cabelo foi também um instrumento importante de comunicação, com a utilização dos penteados para esconder e disseminar mensagens por todo o mundo, também há estudos que apresentam a utilização das tranças para a alimentação, via a guarda de sementes nos cabelos pelas mulheres escravizadas, que com elas tinham a oportunidade de praticar um pouco de agricultura e suplementar a alimentação das suas famílias. Algumas pessoas têm trazido as redes esse papel das tranças na alimentação. Acho pertinente, mas fiz esse histórico porque me incomoda muito a idéia de buscar a origem de tudo relacionado a cultura negra na escravidão. Acordem, negros não são escravos,foram escravizados e isso é muito diferente. A cultura africana é milenar e está espalhada pelo mundo em grande medida pela escravização dos negros, mas antes disso ela existia,forte e pujante. É é esse passado de beleza, riqueza, resistência cultural e ancestralidade que temos que resgatar…
#ApropriaçãoCultural existe?
Apropriação cultural existe sim! No Brasil as tranças chegaram pelas negras (trazidas a força) e se tornaram famosas, sobretudo as nagôs. Mas pra além da “fama” é preciso saber que a relação da mulher africana com o cabelo é plasmada na memória e ancestralidade. A trança é um penteado fundamental na identidade da menina negra, momento de relação, conversa e ensinamentos entre as gerações de mulheres da família. Que menina negra não lembra dos momentos de tranças e penteados? Alguns divertidos, outros bem doloridos…
Quando a cultura negra e a negritude são negadas aos negros, mas elementos importantes seus são adotados pela cultura dominante (branca) isso é apropriação. Não é que brancos não podem usar tranças ou turbantes (até pq a história mostra que seus usos remontam a tempos milenares em distintos povos),é que, quando um branco usa trança ele deve entender que não é apenas um apetrecho, é a representação do empoderamento e da resistência de uma cultura massacrada por séculos. A branca precisa entender que enquanto ela trança o cabelo e é vista como linda a negra tem que alisar o cabelo pra arrumar emprego. Por fim, mais que brancos usando tranças, me incomoda ver o capital branco ganhando dinheiro com a cultura negra, explorando artistas, vendendo cabelo e roupa com estampa étnica, entre outros, enquanto negros são vitimas genocídio, estão majoritariamente desempregados, enchem cadeias e passam necessidade por falta de oportunidades.Povo negro uni-vos! O sistema capitalista é racista e opressor, mas não pode negar que #BlackIsBeautiful.