A defesa da democracia não se faz só com boas intenções
Decisões corretas nem sempre são as mais cômodas. Tampouco o são as que jogam para a plateia. Congratulações ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB), que mais uma vez não foge à sua responsabilidade com a história, que não pratica meninices políticas e que não se intimida diante da histeria de pretensos corregedores da esquerda.
Por Mario Fonseca *
Publicado 16/01/2019 11:15
A decisão mais correta é a que considera o leito real da luta política, não a mais cômoda, tomada por covardia frente aos ataques que já vinham sendo gestados e agitados por oportunistas da esquerda (aqueles do "façam o que eu mando, não o que eu faço") e que, infelizmente, acabaram arrastando bastante gente boa ao engano. Que mobilizaram, também, muitos "minions" com tintura vermelha que mimetizam a intolerância dos fascistas, só que com sinal trocado.
Resistência não se faz só com boas intenções, disposição de combate e sentimentos nobres. Muito menos pode ser convertida numa grande ciranda. Sem estratégia e tática, nenhuma revolução triunfou, menos ainda se sustentou. São muitos os exemplos de flexões táticas dos comunistas na nossa história, cabíveis tanto em momentos adversos, como em situações favoráveis.
O momento do Brasil, da América Latina e do mundo é seríssimo. Uma viragem ultraliberal, com a emergência de elementos nazifascistas, está em curso. Estamos numa quadra histórica gravíssima e perigosa. Não só a esquerda está sob ameaça, mas a civilização. Inclusive setores da direita tradicional estão no alvo da campanha de cerco e aniquilamento do grande capital financeiro, sobretudo o que tem como sede principal o império estadunidense, e dos setores subservientes das classes dominantes locais. Alguns países resistem, mas Brasil e outros, que há pouco tempo experimentaram em diferentes gradações governos e processos de orientação alternativa ao neoliberalismo, sucumbiram.
Enquanto discutimos filigranas e nos acusamos uns aos outros, Moro, office-boy do império ianque, monta o sistema da Lava Jato no Executivo para aniquilar não só os progressistas, mas a própria mediação da política. Querem, inclusive, colocar o parlamento sob ameaça para tutelá-lo. A burguesia brasileira nunca tolerou qualquer resquício de autonomia no parlamento, mesmo nos tempos da ditadura e do bi-partidarismo.
Hoje, evitar que o parlamento se dobre totalmente ao "presidencialismo de ocupação" de Bolsonaro não é coisa de somenos importância. Para tanto, o isolamento, a recusa ao diálogo com quem tem o mínimo de ponto de contato conosco, significará terra arrasada não apenas para as minorias parlamentares, mas para as liberdades individuais e coletivas duramente conquistadas, os movimentos e as minorias sociais.
Eleição para a mesa de uma casa legislativa não é eleição geral, não é eleição programática. Ela é feita com quem o povo elegeu. E a composição da Câmara dos Deputados eleita em 2018, que logo tomará posse, é a mais conservadora desde a redemocratização, o que é agravado com a novidade da forte ascensão de forças de viés neofascista. Forças que cresceram também na sociedade e chegaram ao centro do poder, o executivo em nível federal. Justamente por isso, lançar candidatura de esquerda pra fazer discurso e demarcar "ideologicamente" rende curtidas e corações na bolha, mas não tem a mínima chance de vitória. E, o pior de tudo, isola e diminui a participação da oposição dentro e fora daquele espaço de decisão.
Salvaguardar a existência (existir para poder resistir e voltar a vencer) da oposição dos pontos de vista institucional e social é algo da maior importância. Já é a terceira vez que o PCdoB apoia Maia, mas só agora alguns detratores passaram a achar que este partido virou "traidor" da esquerda. Há pouco tempo, era um baluarte da resistência, mas, de repente, passou a ser atacado com uma virulência tal por setores da esquerda pequeno-burguesa que deixou os fascistas morrendo de inveja.
A não criminalização da UNE, do MST, da CUT, ameaçadas por CPIs, bem como a passagem pela cláusula de barreira eleitoral por forças como o PSOL e também o respeito ao regimento da Casa, em muito se deve ao apoio do "oportunista", "traidor" e agora "aliado do bolsonarismo" (haja desonestidade!) PCdoB a Rodrigo Maia. Este foi duramente bombardeado pelos fascistas por ter segurado a barra e cumprido esses compromissos democráticos aqui mencionados.
O PCdoB nunca pensou só em si, em cargos e mamatas, como os histéricos e deliberadamente interessados em desgastá-lo ora bradam por aí. Estranho que muita gente de um partido de esquerda que passou pela barreira eleitoral porque Rodrigo Maia garantiu reduções de danos às minorias partidárias nas mudanças operadas no sistema político-eleitoral, conforme prometera ao PCdoB e outros, agora desfira ataques abaixo da linha de cintura contra os comunistas. Mais estranho ainda são os ataques oportunistas de quadros de outro respeitável partido de esquerda que formou bloco com PMDB, PP, PR, PTB e outros em 2007 para derrotar o PCdoB, seu aliado mais leal, na eleição para a presidência da Câmara dos Deputados, chegando ao cúmulo de fazer um acordo de revezamento com o PMDB no comando da Casa, o que deu em Cunha, em centrão, em golpe, em Temer, em Lula preso e em Bolsonaro. Os comunistas, que defendiam coalizão ampla para governar, mas com núcleo político, social e programático de esquerda, alertaram sobre os riscos daquela opção.
Explorar contradições no campo adversário (Maia é adversário da direita tradicional, não é cachorro louco fascista) é reserva de força para a nossa luta. É muito mais revolucionário do que ficar gritando contra parceiros de luta nas redes e falando ao léu que ninguém solta a mão de ninguém, mas não hesitando em chutar a canela de quem sempre esteve e está ao seu lado diante da primeira contradição que aparece.
Assim como a esquerda não é monolítica, a direita também não o é. Apoio pontual e temporário não é apoio estratégico e duradouro. Nos dois apoios anteriores a Maia, e neste não será diferente, não aderimos à agenda programática que ele defende, nem ele à nossa. Pelo contrário, combatemos com vigor no parlamento e nas ruas o que ele apoia quanto à agenda econômica e social. Aliás, se o candidato do Cunha tivesse vencido Maia (lembram do modo Cunha de presidir, quando perdia uma votação hoje e a recolocava amanhã, atropelando regras regimentais e legais?), a reforma da previdência do Temer já estaria vigente.
Recomendo menos bílis aí e mais sinapse aos que criticam o PCdoB. Críticas fraternas são bem-vindas, mas toda leviandade será respondida com energia. Unidade não é unicidade ideológica. Unidade se faz com diferentes, com muito exercício político, mesmo quando se trata de unir a esquerda. E a conjuntura que vivemos exige muito mais que só a unidade da esquerda. Exige Frente Ampla Democrática, ideia-força que precisa se materializar em cada batalha e em conformidade com as diferentes características desses embates, sejam locais ou nacionais, menores ou maiores, pontuais ou estratégicos.
João Amazonas, saudoso ideólogo e ex-presidente do PCdoB, o Homem do Araguaia, foi um dos articuladores da Aliança Democrática que pôs fim à ditadura militar através da união vitoriosa entre Tancredo (PMDB) e Sarney, então presidente do PDS, ex-Arena, partido que sustentou a ditadura militar. Aproveitando uma contradição oriunda da derrota da ala de Sarney, Marco Maciel, ACM e outros na indicação ao Colégio Eleitoral de Mario Andreazza como candidato a presidente, vencida pela ala que indicou Maluf, ajudou a costurar uma unidade que redemocratizou o país, convocou a Assembleia Nacional Constituinte e legalizou as organizações proscritas pela ditadura militar, inclusive o PCdoB, o PCB e a UNE. Esta fração formou a Frente Liberal, depois PFL, hoje DEM, com exceção de Sarney, que depois ingressou no PMDB como gesto de lealdade aos compromissos assumidos por Tancredo, morto antes da posse. Tal participação do velho Amazonas nessa construção jamais levou o PCdoB a se confundir ideológica e programaticamente com o partido formado por um setor que sustentou o regime das sombras.
João Amazonas dizia que precisamos radicalizar ampliando e ampliar radicalizando. Disse, ainda, que a "unidade é a bandeira da esperança". Tom Jobim afirmou, com razão, que o Brasil não é para principiantes. Precisamos compreender a complexa sociedade forjada aqui neste grande pedaço do planeta e construirmos, dialeticamente, na realidade atual e apreendendo as lições da história, a unidade na diversidade. Nas ruas, nas ideias e em todos os espaços de decisão.