Juliana Diniz: Quando a paixão do eleitor passa

“Bolsonaro foi eleito, mas o voto vencedor não aderiu a um projeto de sociedade claro, porque ele só existia na forma de polêmicas eleitoralmente eficazes, mas imprecisas e inexequíveis. O presidente, ao contrário do que se pensa, nunca teve carta branca, sua visão conservadora de sociedade é estatisticamente impopular. No cotidiano do governo ele precisa fazer o que não fez nas eleições: justificar e convencer”.

Por Juliana Diniz*

Bolsonaro negativo

A assinatura do decreto presidencial que flexibiliza a posse de armas expôs o descompasso entre a agenda do governo e a opinião pública sobre temas como desarmamento, educação sexual, proteção do meio ambiente e privatização. Segundo o Datafolha, boa parte das propostas que o presidente almeja implementar não sairiam do papel se dependessem do referendo da maioria para sua aprovação. A dessintonia entre o desejo popular e a intenção do Executivo pode indicar uma fragilidade a ser explorada pela oposição: índices de aprovação derrapantes são um teste duro à governabilidade.

Esse descompasso não se justifica no arrependimento precoce do eleitor do Bolsonaro, ele se deve à psicologia do comportamento das massas. Há diferenças sensíveis entre o engajamento emocional provocado pelas eleições e a forma como a opinião pública se relaciona com o cotidiano de um governo. Episódicas, as eleições são um momento de potência porque o eleitor experimenta de forma concreta um poder de escolha, por isso o processo eleitoral se alimenta do impulsionamento das paixões pela propaganda. Bons slogans aliados ao apelo de um carisma bem construído conquistam votos, muitas vezes à revelia da razão.

Ancorado na rejeição ao governo de centro-esquerda, Bolsonaro foi eleito, mas o voto vencedor não aderiu a um projeto de sociedade claro, porque ele só existia na forma de polêmicas eleitoralmente eficazes, mas imprecisas e inexequíveis. O presidente, ao contrário do que se pensa, nunca teve carta branca, sua visão conservadora de sociedade é estatisticamente impopular. No cotidiano do governo ele precisa fazer o que não fez nas eleições: justificar e convencer.

Tanto os EUA como a Inglaterra têm mostrado que o potencial de convencimento de uma agenda conservadora é menor do que se projetava. Trump sofreu um revés ao perder a maioria na Câmara. O parlamento inglês impôs nesta semana mais uma derrota ao Brexit, a saída do Reino Unido da União Europeia, principal plataforma de Theresa May. O triunfo da direita nas urnas já se manifesta há alguns anos pelo globo, mas as eleições, assim como as paixões, passam. A má performance de alguns governos conservadores junto à opinião pública deveria indicar mais senso de prudência a Bolsonaro, um presidente ocupado em alimentar perpetuamente a propaganda de uma campanha insustentável.

*Juliana Diniz é Doutora em Direito e professora da UFC.

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