A Arábia Saudita, protetorado dos EUA no Mundo Árabe

A Arábia Saudita é a maior compradora de armas dos Estados Unidos. Tem um dos maiores exércitos e aviação de todos os países árabes. Pode-se dizer que esse país praticamente não tem autonomia alguma na tomada das suas decisões, pois quem determina suas ações são os Estados Unidos.

por Lejeune Mirhan*

mapa usa arabia

O país que conhecemos hoje como Arábia Saudita é na verdade quase toda a península arábica histórica e é o berço da civilização árabe. Existem registros que atestam a vida continuada de povos árabes nessa região há mais de cinco mil anos. O território estimado da Arábia Saudita é da ordem de 2,1 milhões de quilômetros quadrados. E é considerado o décimo terceiro maior país do mundo em termos territoriais.

Sua população atual estimada em 28 milhões de habitantes dos quais apenas 16 milhões são nascidos no país. Seu PIB é também um dos maiores do mundo, da ordem de U$777 bilhões de dólares no ano de 2014. Esse é o 19º PIB do planeta, o que significa uma renda per capita nominal de vinte e cinco mil dólares, entre as três maiores do mundo (não confundir com poder de paridade de compra).

A sua independência formal foi reconhecida pelas potências vencedoras da I Guerra Mundial apenas em 25 de maio de 1927. No entanto a unificação do país só iria ocorrer no dia 23 de setembro de 1932 a partir de um decreto real assinado pelo monarca Abd Al Aziz Al Saud, mais conhecido como rei Ibn Saud.

O país vive sob um regime de monarquia absoluta teocrática, ou seja, não possui nenhuma constituição e tem um caráter religioso e teológico. Na verdade é hoje o único país no mundo entre os membros das Nações Unidas a não possuírem uma constituição. Não existe ainda nenhum partido político funcionando e jamais houve eleições para um parlamento neste país. O poder judiciário não é o poder público do estado mas sim o poder religioso decorrente da aplicação da Sharia, que é a lei islâmica.

Mais de 95% da população da Arábia saudita é adepta da religião islâmica. Esse país é membro da OCI, que é a Organização da Conferência Islâmica, bem como é também membro fundador da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). É membro do G-20, bem como da Liga dos Estados Árabes. Especificamente com relação ao Golfo Pérsico-arábico, a Arábia saudita integra o CCG, que é o Conselho de Cooperação do Golfo de seis países (veremos a seguir). Praticamente todos são também monarquias absolutistas com pouca ou quase nenhuma liberdade de organização política partidária e de imprensa.

Para termos uma ideia do significado da política interna deste país árabe de monarquia absolutista, mesmo sendo membro das Nações Unidas, até os dias atuais eles não reconhecem a carta dos direitos humanos da ONU.

A importância do país saudita não está somente pelo seu imenso PIB, ou pela produção de petróleo que é hoje a maior do mundo. Sua importância guarda também uma relação direta com o fato de em seu território estarem as duas principais mesquitas sagradas para os seguidores do islamismo no mundo, que são as cidades de Meca – onde Maomé nasceu – e de Medina onde ele passou 10 anos de sua vida quando tería recebido as chamadas surratas que teriam sido ditadas pelo anjo Gabriel em nome de Deus, que posteriormente veio a se transformar no livro chamado Corão que é sagrado para os mais de 1,6 bilhão de muçulmanos no mundo.

Com relação especificamente ao petróleo a Arábia saudita é detentora da segunda maior reserva petrolífera provada do planeta (a primeira é a Venezuela). No entanto é a maior produtora de petróleo. As suas reservas atingem em torno de um quinto de todo o petróleo descoberto no mundo.

Origem histórica da família Saud

O que conhecemos hoje como o reino saudita surgiu na parte central da península arábica no ano de 1.744 quando Mohamad bin Saud fez uma aliança com Mohamed Ibn Abdal Wahab. Esta pessoa viria a ser muito influente dentro do islamismo mundial da corrente chamado sunismo. Wahab vai criar uma corrente que leva o seu nome chamado “wahabista”, que é considerado fundamentalista do Islã. Eles defendem a restauração do culto monoteísta puro, como se fosse uma espécie de islã de raiz, com apego literal ao seu livro.

Com a descoberta do petróleo em 1938, vai ocorrer uma alteração profunda nesse país Árabe. Esse fato atraiu empresas petrolíferas estadunidenses, que lá instalaram para explorarem o seu petróleo.

Choques do petróleo e petrodólares

Em termos históricos nós conhecemos dois grandes choques do petróleo. Eles são assim chamados pelo fato de terem ocorrido grandes aumentos no preço do barril do petróleo em poucos meses afetando a economia mundial. O primeiro grande choque do petróleo ocorreu em 1973. Foi o período em que houve mais um dos conflitos entre Israel e os países árabes. O barril do petróleo era vendido nessa época a US$2.90 e passou em apenas três meses a custar US$11.65, ou seja, um aumento de mais de 300%.

O segundo grande choque do petróleo vai ocorrer a partir do mês de fevereiro de 1979 que foi quando ocorreu a revolução islâmica no irã. Esse era um país Governado por um monarca absoluto, que era o Xá Reza Pahlevi, aliado incondicional do imperialismo estadunidense e do imperialismo inglês. Essa revolução significou para os iranianos que eles passaríam a ser donos do seu petróleo e do destino do seu país.

Com isso, houve de fato, uma procura maior por barris de petróleo nos países aliados dos Estados Unidos, em especial da Arábia saudita. O barril do petróleo nesse período custava em torno de US$13.00 e passou a custar em poucos meses o valor de US$34.00. Descontado a inflação do período, podemos dizer em números redondos em valores atuais que o barril passou na época de 50 para 120 dólares. O que significou um aumento em torno de 160%.

Esse foi um período em que os árabes ainda usavam a força das suas reservas petrolíferas para ajudar a atingir alguns dos seus objetivos históricos, em especial o chamado consenso árabe, que é a criação do Estado da Palestina. O Brasil viveu nessa época uma experiência interessante. Ainda que estivéssemos sob uma ditadura militar desde 1964, no ano de 1979, quando chefiava o país o general ditador João Batista Figueiredo, a Liga dos Estados Árabes em Brasília exigiu a instalação de um escritório seu, mas que funcionaria como se fosse a representação palestina da sua Organização para a Libertação da Palestina, conhecida mundialmente pela sigla OLP.

Quando o presidente Nixon em 1971 decidiu pelo fim da paridade entre o dólar e o ouro, que fora estabelecidos na Conferência de Breton Woods em 1944, no Estado de New Hampshire nos Estados Unidos, a Arábia Saudita procurou garantir que todo o comércio internacional de petróleo feito no mundo só pudesse então ser negociado em dólar mesmo que esta moeda não tivesse lastro. Por isso a origem do nome “petrodólares”.

Sabemos que mesmo antes do término da II Guerra Mundial – e foi assim também com relação à I Guerra Mundial – muitas coisas e acordos foram estabelecidos, pois já se sabia que o eixo nazifascista na Europa perderia a guerra. Em 1943, à bordo do famoso navio cruzador USS Quincy, em fevereiro de 1945, o rei da Arábia Saudita, Ibn Saud conversa com o então presidente dos Estados Unidos, Franklin Delano Roosevelt e estabelecem um acordo de que a Arábia Saudita concordaria em abrir todo o seu petróleo aos Estados Unidos, ao passo eu Roosevelt lhe prometeu a proteção integral à Casa de Saud. Por isso sempre nos referimos a este país como um protetorado dos Estados Unidos.

Aqui é preciso registrar que existe um forte movimento internacional para a substituição do dólar como moeda de troca tanto no comércio internacional quanto no compras específicas do petróleo. Países como a China já vem negociando o seu petróleo na sua própria moeda, que é o yuan. A Rússia também tem feito estas mesmas operações com a sua moeda o rublo ou estão estudando a criação de uma nova criptomoeda. Na mesma linha a Venezuela e o Irã procuram comercializar o petróleo em suas próprias moedas locais.

A Arábia Saudita atual

Esse mais rico país árabe na atualidade usa praticamente toda a sua riqueza advinda da comercialização do petróleo para o financiamento de sua corrente dentro do islamismo, chamada wahabismo. O que eles mais fazem no mundo atualmente é construir mesquitas pagando integralmente as suas obras, bem como sustentando todos os sheiks que fazem as orações às sextas-feiras. Para termos uma ideia disso, mais recentemente nos últimos anos quando da grande imigração de muçulmanos para a Europa e Alemanha de refugiados do conflito da Síria que professam o islamismo, o reino saudita ofereceu-se para construir nada mais nada menos que 200 mesquitas no território alemão.

Além disso, grandes investimentos foram feitos pelos governantes sauditas no financiamento do terrorismo internacional. O maior exemplo disso é o financiamento do grupo chamado Al Qaeda do Afeganistão, cujo chefe era Osama bin Laden. O mais trágico de todos os atentados cometidos pelos terroristas desse grupo de bin Laden foram os ataques às torres gêmeas de nova York No dia 11 de setembro de 2001.

Outros exemplos mais recentes do financiamento do terrorismo internacional pelos sauditas é o caso da agressão à Síria que vem sendo atacada externamente desde março de 2011 por terroristas vindos de mais de 80 países diferentes. Todos eles possuem orientação sunita wahabita. Eles defendem a volta do califado islâmico.

O maior exemplo desse tipo de terrorismo é o agrupamento chamado estado islâmico, cujo nome decorre do grupo que se autodenominava Estado Islâmico do Iraque e do levante, cuja sigla em português é ISIL e na sigla em inglês é ISIS, pois a palavra levante em árabe é decorrente da palavra El Shams, que era a chamada Grande Síria, composta pelos atuais países Síria, Líbano, Jordânia e da Palestina, bem como o Sul da Turquia.

A Arábia Saudita é a maior compradora de armas dos Estados Unidos. Tem um dos maiores exércitos e aviação de todos os países árabes. Pode-se dizer que esse país praticamente não tem autonomia alguma na tomada das suas decisões, pois quem determina suas ações são os Estados Unidos. A maior base militar estadunidense no Oriente Médio fica exatamente na Arábia Saudita (nem se compara com a base estacionada no Bahrein).

A Casa de Saud

Publicamos a seguir um quadro resumido de todos os sete monarcas sauditas desde o começo do século XX. E o fazemos na forma de uma pequena tabela ilustrativa onde registramos o período em que o monarca viveu, bem como o período exato em que ele exerceu a monarquia saudita.

No atual momento, o monarca Salman al Saud encontra-se com a doença de Alzheimer. Ele já indicou o príncipe herdeiro chamado Mohamad bin Salman, que é o atual ministro da defesa do Reino, nascido no dia 31 de agosto de 1985, tendo portanto apenas 33 anos. Se ele de fato vier a ser o oitavo monarca saudita desde o início do século 20 e terá sido dos mais jovens.

Sobre ele neste momento pesa a acusação de ter sido o mandante do brutal assassinato do jornalista de Jamal Kashogui dentro da embaixada da própria Arábia Saudita na cidade de Istambul. O caso foi um dos mais rumorosos no jornalismo e na política internacional e só não tem maior repercussão exatamente pelo apoio dos Estados Unidos aos sauditas, bem como da sua influência nessa mídia internacional.

Perspectivas na Arábia Saudita

Como já disse muitas vezes, quando fazemos análise em política internacional, jamais podemos fazer afirmações taxativas, peremptórias. As observações que faço a seguir são como vejo neste momento, podendo ser modificadas em qualquer tempo. Aponto algumas perspectivas tanto no país saudita, quanto no mundo árabe de um modo geral.

1. Não vejo com muito entusiasmo a possibilidade de a monarquia saudita vir a ser constitucional ou seja que venhamos a ter partidos políticos legalizados e eleições em médio prazo. Isso vale também para as normas e os costumes internos da monarquia, sejam valores morais, sejam valores relacionados às liberdades de imprensa, de organização e de manifestação do povo;

2. Existem no país em torno de 10% que são muçulmanos de orientação xiita. Se somarmos com os chamados reformistas, mais outros ditos seculares, mais os liberais, intelectuais, ainda assim não vejo como este bloco de pessoas na Arábia Saudita possa influenciar para que ocorram mudanças profundas nesse país;

3. Agora, em todo o caso, existe o debate sobre a possibilidade – que entendo como remota da – Arábia Saudita se distanciar da órbita dos Estados Unidos. No entanto, isso não está descartado, ainda que a possibilidade seja bem pequena. Com a perda da guerra na Síria e a imposição da retirada das tropas estadunidenses e com a saída dos terroristas da Síria, estamos detectando mudanças no panorama do mundo árabe. Muitos países árabes que haviam rompido com a Síria, fechando suas embaixadas em Damascos, as estão reabrindo novamente. Acho que a Arábia Saudita não ficará fora desse processo. Até porque tem interesse em realizar investimentos na reconstrução de um país que eles mesmos ajudaram a destruir com essa guerra que já dura desde março de 2011 e matou mais de meio milhão de sírios e deslocou de suas casas 10 milhões de pessoas;

4. Existe uma crescente presença da Rússia no mundo árabe. Nas décadas de 1940, 1950 e 1960, a presença da União Soviética era bastante grande. Com o fim dá URSS em 1991, essa presença praticamente desapareceu. No entanto, nos períodos mais recentes dos governos de Vladimir Putin voltamos a perceber uma maior presença russa no mundo árabe especialmente na Síria onde a Rússia tem uma base militar e uma frota naval ancorada no porto de Tartus. Nesse sentido não é de todo remota a possibilidade de apontarmos – em perspectiva – que voltem a ocorrer boas relações do mundo árabe, e mesmo da Arábia Saudita, com a Rússia.

*Lejeune Mirhan: Sociólogo, professor universitário (aposentado), pesquisador, analista internacional e autor de dez livros na área de política internacional e Sociologia. É colaborador das páginas de Internet Brasil 247, Fundação Grabois, Vermelho, Resistência e Duplo Expresso.