Publicado 28/02/2019 21:04
A Petrobras divulgou nesta quarta-feira (27) seus resultados consolidados de 2018. Em tom triunfante, a mídia vassala dos interesses do Império celebrou que pela primeira vez em quatro anos a petroleira obteve lucro líquido no encerramento do exercício. O volume impressiona: 25,8 bilhões de reais. Em Ebtida – conceito contábil para os lucros antes de impostos, amortizações, juros e etc – a cifra é ainda mais impressionante, montando a quase R$ 115 bilhões. Estes números cabalísticos poderiam ser ainda maiores caso fossem excluídos itens excepcionais como o impairment de certos ativos (perda do valor contábil) e perdas com contingências.
Na tradicional Mensagem do Presidente que inaugura a divulgação dos resultados, Roberto Castello Branco afirma que os acordos com a US Securities and Exchange Comission (SEC) e o US Department of Justice (DoJ) a respeito da refinaria de Pasadena “marcam o fim de um ciclo doloroso para a Petrobras”, no qual a companhia teria sido “vítima de prolongado saque perpetrado por uma organização criminosa”. Também anuncia como objetivo estratégico da empresa obter investment grade rating, isto é, o selo de agências de classificação de risco, conhecidas como rating, como a famosa Standard & Poor’s ou a Fitch.
O mesmo documento atribuiu o resultado positivo do último exercício ao considerável aumento nos preços médios do petróleo, conhecido como “Brent”. A depreciação de 31% do real frente ao dólar também colaborou bastante com o lucro elevado. Outro fator relevante foi a redução dos juros pagos obtida graças à redução do endividamento da estatal.
A Petrobras sadia é estratégica para o Brasil. Não podemos nos deixar levar pelo discurso de uma “esquerda cirandeira” que crê que num passo de mágica possa se eliminar as condicionantes de uma economia soberana em um mundo capitalista. De fato, a redução do pesado passivo carregado pela petroleira é importante para o país. No entanto, os números azuis da divulgação dos resultados ocultam a rapina dos inimigos do Brasil.
O Brasil vem se consolidando como o maior produtor de petróleo da América Latina, ultrapassando até mesmo a Venezuela e o México, tradicionais campeões da commodity na região.
sangue negro petroleo lucro da petrobras gráfico
Como é sabido, este protagonismo vêm da extração do petróleo do famoso pré-sal. A exploração destes campos profundos é feita mediante tecnologia nacional de ponta, desenvolvida no Brasil e de competitividade mundial. A maturação destes campos ultra profundos impressiona os especialistas. Enquanto no Mar do Norte levou-se até 50 anos para que os campos atingissem a produção de 1,5 milhão de barris equivalentes por dia (b/d), os poços nacionais chegaram a esse nível em menos de uma década. Uma impressionante vitória da engenharia nacional.
Não se pode separar os eventos da história recente do Brasil da exploração do pré-sal. O petróleo é a commodity central do capitalismo contemporâneo. O processo produtivo é determinado de maneira irreversível pela maquinaria, que exige uma quantidade crescente de energia. A luta pela soberania energética deixou marcas profundas na história brasileira. A Petrobras, a Eletrobras e Itaipu são os maiores signos da luta do Brasil por sua autodeterminação. A cobiça norte-americana pelo ouro negro é conhecida e nem mesmo disfarçada, constando em inúmeros documentos oficiais do Império. O protagonismo energético brasileiro foi um fator determinante para o golpe de 2016.
Em 2018, o Brasil tornou-se pela primeira vez exportador líquido de petróleo, vendendo cerca de 650 mil barris equivalentes no exterior. O dado é aparentemente positivo. No entanto, considerando o baixo consumo de energia per capita no país, trata-se na verdade de um fato alarmante. Segundo cálculos da AEPET, o Brasil precisava atingir um patamar de 10 milhões de barris equivalentes dia de consumo de óleo para alcançar o nível de desenvolvimento dos países centrais. Essa soberania energética é central para o Projeto Nacional de Desenvolvimento.
Mas o oposto é anunciado nos planos estratégicos da petroleira. A Petrobras já vem adotando medidas para sair de áreas essenciais para a soberania energética do país, como o transporte de combustíveis fósseis ou seu refino. Segundo o próprio Roberto Castello Branco, o plano é cada vez mais focar somente na extração do óleo cru. Desde o golpe de 2016, as importações de gasolina e diesel refinado vêm subindo consideravelmente, no mesmo ritmo em que cresce as exportações de petróleo cru.
É sintomático que Roberto Castello Branco comece sua mensagem aos acionistas comemorando os acordos com órgãos reguladores norte-americanos e anunciando como norte estratégico da empresa nacional o selo das agências de rating. Mais uma vez, mostra como o país é sacrificado no altar da suposta “neutralidade técnica”, que na verdade não passa da reprodução cristalizada da divisão internacional do trabalho que nos mantém em estado colonial. Se o golpe de 2016 foi a faca que cortou nossa carne, o petróleo cru exportado sem refino é nosso sangue negro que escorre para saciar a rapina do Império. Como escreveu Eduardo Galeano há quase 50 anos:
“Há dois lados na divisão internacional do trabalho: um em que alguns países especializam-se em ganhar, e outro em que se especializaram em perder. Nossa comarca do mundo, que hoje chamamos de América Latina, foi precoce: especializou-se em perder desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se abalançaram pelo mar e fincaram os dentes em sua garganta. Passaram os séculos, e a América Latina aperfeiçoou suas funções. Este já não é o reino das maravilhas, onde a realidade derrotava a fábula e a imaginação era humilhada pelos troféus das conquistas, as jazidas de ouro e as montanhas de prata. Mas a região continua trabalhando como um serviçal. Continua existindo a serviço de necessidades alheias, como fonte e reserva de petróleo e ferro, cobre e carne, frutas e café, matérias-primas e alimentos, destinados aos países ricos que ganham, consumindo-os, muito mais do que a América Latina ganha produzindo-os.”