Daniel Almeida prevê revés de Bolsonaro por causa da desarticulação
Líder do PCdoB na Câmara pela terceira vez, o deputado Daniel Almeida (BA) considera que a desarticulação do governo Jair Bolsonaro pode levar à derrota da Reforma da Previdência no Congresso Nacional. Para o parlamentar, é mentira que a proposta distribui sacrifícios a todos e acaba com supostos privilégios. Na verdade, as mudanças sugeridas maltratam pobres, sendo danosa aos trabalhadores.
Por Marciele Brum, do PCdoB na Câmara
Publicado 26/03/2019 16:42
“Há um conflito muito grande no funcionamento da base de sustentação no Congresso. Eles estão batendo cabeça. Muitas estrelas querendo aparecer, mostrar serviço, mas sem nenhuma visão clara dos problemas do Brasil, sem qualquer capacidade de articulação”, destaca Daniel.
Em entrevista ao PCdoB na Câmara, o deputado analisa os desafios da atuação da Bancada em 2019 e o desastre das políticas bolsonaristas. A seguir, leia os principais trechos:
PCdoB na Câmara – Como será sua atuação à frente da Bancada do PCdoB na Câmara dos Deputados em 2019?
Daniel Almeida – Ser líder é buscar manter nossa bancada unificada em torno dos temas que serão debatidos na Casa. É representar a bancada junto aos movimentos sociais, potencializar a ação da bancada no debate, na confrontação de temas que serão trazidos, especialmente, pelo atual governo de Jair Bolsonaro. Este é um governo que propõe uma agenda do desmonte dos direitos sociais e dos trabalhadores, que agride a nossa democracia, que compromete a soberania do nosso país. A liderança, portanto, tem esse papel de coesionar a bancada, interpretar a política do partido, que vamos encaminhar na Casa, de ser ativo na tribuna, nos debates e na articulação política para produzir consequências a favor do Brasil. Impedir o retrocesso e garantir que o debate aconteça, fazendo que as deliberações das matérias sejam favoráveis aos brasileiros.
PCdoB na Câmara – Quais matérias serão prioritárias na Casa?
Daniel – É tradição que o Executivo acaba impondo um ritmo de funcionamento no Legislativo. O debate da ordem do dia é a Reforma da Previdência, que já chegou à Casa. Ela é integralmente danosa aos interesses dos trabalhadores, do Brasil. É um desmonte da Previdência Pública que sempre foi tradicional em nosso país, da garantia da solidariedade entre as gerações para o direito à aposentadoria, à Previdência e à Seguridade. Vamos fazer debate intenso em relação esse tema. Essa reforma é para maltratar os pobres. É mentira essa ideia de que é uma reforma progressiva, que vai penalizar e distribuir sacrifícios a todos. Não é verdade. É para prejudicar o pobre e manter privilégios, se é que existem em alguns setores da nossa sociedade.
PCdoB na Câmara – Como será feito o enfrentamento da pauta das privatizações?
Daniel – Há uma discussão a ser feita na Casa a respeito das privatizações. Existe a informação de que virá um pacote para privatizar tudo. O ministro da Economia, Paulo Guedes, diz que nada está isento do processo de privatização: Petrobras, Eletrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Correios. Tudo seria privatizável. Vamos lutar contra isso. Entregar tudo é contra o interesse nacional e a tradição do nosso país.
PCdoB na Câmara – Como o senhor avalia a relação do governo brasileiro com os Estados Unidos?
Daniel – É uma política de submissão aos americanos. É isso que eles estão fazendo. Estão de joelhos para os americanos. É uma coisa vexatória, vergonhosa, que agride a história do nosso país. Temos de fazer esse debate aqui no Congresso Nacional. O Brasil sempre abriu os braços para receber turistas. Mas não concordamos com o jeito que foi feito. Os americanos podem vir ao nosso país sem precisar de visto, mas os brasileiros que se dirigem aos Estados Unidos têm de ficar numa fila para pegar um visto. Não podemos aceitar esta falta de reciprocidade. Não concordamos com o desprezo ao Mercosul, que está sendo esvaziado. O governo também está virando as costas para a China, principal parceiro comercial. Essa política externa está completamente errada. A perspectiva de conflito bélico com a Venezuela é contra toda a tradição do nosso país, do Itamaraty, da diplomacia brasileira, da concepção de garantir a autodeterminação dos povos e da não-intervenção. Tudo isso fará parte de temas que estão na ordem do dia, e iremos debater.
PCdoB na Câmara – Diante da desarticulação da base do governo, é possível barrar a pauta de Bolsonaro?
Daniel – O governo Bolsonaro não tem uma forma clara, definida. São vários grupos que compõem o governo. Tem o grupo ligado a Guedes, do entreguismo deslavado. Existe o grupo ligado ao ministro da Justiça, Sérgio Moro, a turma da toga. Tem os militares, a turma evangélica, os neopentecostais. Esse Olavo de Carvalho vem como o grande condutor de ações dentro do governo. Esse conjunto de coisas leva a um conflito muito grande no funcionamento da base de sustentação no Congresso. Eles estão batendo cabeça. Muitas estrelas querendo aparecer, mostrar serviço, mas sem nenhuma visão clara dos problemas do Brasil, sem qualquer capacidade de articulação. Isso é algo que pode jogar a favor dos interesses nacionais. Enquanto eles batem cabeça, nós da Oposição vamos ter de nos coesionar para fazer o enfrentamento necessário, preservar a Constituição, os interesses dos trabalhadores, os direitos sociais, a nossa democracia que está ameaçada. Temos de estar juntos com os movimentos sociais em torno desta agenda de resistência.
PCdoB na Câmara – Como será a agenda propositiva da Oposição?
Daniel – O Brasil precisa de mais ação do Estado, de mais governo, de mais saúde, mais educação, mais políticas públicas nas universidades e mais políticas de geração de empregos para os nossos trabalhadores. Vamos lutar por isso no Congresso. O governo tem demonstrado pouca capacidade de se articular, porque eles não têm clareza de projeto. O governo tem mais vaidades pessoais do que compromisso com o Brasil.
PCdoB na Câmara – Estamos nos aproximando dos 100 dias de governo Bolsonaro. Na sua opinião, qual é a principal marca da gestão?
Daniel – Neste período, foi possível as pessoas verem quem é o Bolsonaro. Toda vez que ele fala algo assusta muita gente. As pessoas ficam perplexas. Mas este cara é isso mesmo? Fala essas coisas? Ele é um trapalhão, uma pessoa incapaz de ter discernimento sobre o papel que ocupa, sobre liturgia do próprio cargo. Do ponto de vista prático, não há quase nenhum resultado. As coisas que foram feitas são um desfavor ao Brasil e aos brasileiros contra o nosso povo. Não há convicção nas coisas, quando diz que irá fazer. Há muita confusão na base e muita dificuldade dessas coisas serem encaminhadas. Ele é o governo mais impopular entre todos os que foram eleitos após o processo de redemocratização. Essa é a percepção da população, que esse governo não irá adiante. Nós respeitamos a democracia e o voto popular. Não aceitaremos, entretanto, que qualquer governo possa agir contra o Brasil. Vamos resistir para que isso não prospere.
PCdoB na Câmara – Diante desse cenário todo, é possível prever que Bolsonaro não conseguirá encerrar o mandato?
Daniel – Eu defendo sempre o voto popular. O eleitor tem de ter muito cuidado na hora de dar o voto. Quando ele coloca na urna, tem de ter peso. Quem coloca e tira governante é o voto popular. A gente sempre respeitará isso. O povo fez a sua opção. Temos de lutar para impedir esse desmonte do Brasil, mas não é o momento de levantar a bandeira do “Fora Bolsonaro”. É preciso que respeitemos o voto. Não dá para a cada dois anos ter a necessidade do impeachment, de tirar um presidente eleito. Se for assim, o voto passa a valer muito pouco. Isso não quer dizer que não estaremos contra as políticas do governo. Tentaremos derrotar políticas equivocadas e vamos propor caminhos novos, inclusive trazendo para o Congresso o papel de relevância que ele deve ter. O Congresso tem de ser mediador e um local propositivo para construir um pacto que retome o desenvolvimento do Brasil e os direitos dos trabalhadores.
PCdoB na Câmara – Quais propostas legislativas são prioritárias para a Bancada Comunista?
Daniel – Temos de debater uma reforma tributária, esse é um debate fundamental. Ela tem de ser progressiva onde quem pode pagar muito, paga muito. Quem não pode pagar, não paga nada. Uma saída, por exemplo, é taxar as grandes fortunas. Por que as grandes fortunas não pagam tributo no país? Por que os dividendos que as multinacionais realizam, o grande lucro, saem do Brasil sem que fiquem recursos para os brasileiros? Temos de continuar discutindo uma reforma política democratizante na ordem do dia. É preciso retomar o caminho de ampliação de políticas públicas, que favoreçam a indústria nacional. Estamos nos desindustrializando. A participação da indústria na economia brasileira é cada dia menor. Não há país que cresça e se desenvolva com distribuição de riqueza, se não há tecnologia, inovação e indústria. Precisamos retomar os investimentos na educação. Queremos trazer temas para a discussão que estão na contramão da pauta de Bolsonaro.