Como censura a obras acadêmicas ameaça a imagem do Itamaraty 

Uma reportagem publicada pela Folha revela que o Itamaraty se recusou a publicar um livro do embaixador Synesio Sampaio Goes Filho por conta do prefácio da obra, escrito por Rubens Ricupero, ex-embaixador em Washington e também historiador da diplomacia –e visto como desafeto pelo atual ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo.

Por Daniel Buarque

Bolsonaro e Ernesto Araújo (Foto: Reprodução)

O caso não é isolado, entretanto, e o clima de revisão e censura também atinge outras obras que passam pelo MRE. Esta tendência cria uma ameaça à imagem de profissionalismo, olhar crítico e independência do Itamaraty no resto do mundo. Em seu livro mais recente, que não foi publicado pela Funag, o diplomata Paulo Roberto de Almeida cita pelo menos um outro caso em que a censura ocorreu neste ano.

"Uma tese de doutorado defendida no King's College, da Universidade de Londres, por Mathilde Chatin – Brazil: a new powerhouse without military strength? – A conceptual and empirical quest about an emerging economic power –, já aprovada para publicação pelo Conselho Editorial da Funag em 2018 foi congelada definitivamente por incluir um prefácio do ex-ministro Celso Amorim, no cargo durante o período coberto pelo trabalho acadêmico", diz Almeida em Miséria da Diplomacia: A Destruição da Inteligência no Itamaraty (Boa Vista: Editora da UFRR, 2019).

Os dois casos se juntam à exoneração do próprio Almeida, em março, do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (Ipri), órgão vinculado ao MRE. A mesma Folha relatou à época que a demissão ocorreu após Almeida republicar, em seu blog pessoal três textos recentes sobre a crise na Venezuela, um assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, outro pelo embaixador e ex-ministro Rubens Ricupero e o terceiro pelo atual ministro das Relações Exteriores.

Na época, o clima de perseguição dentro do ministério levou à preocupação com o uso mais frequente da censura. A imposição de censura no Itamaraty, especialmente quando direcionada a obras acadêmicas e de história, aumenta o risco pelo qual vem passando um dos principais ativos da diplomacia brasileira.

Por anos, o Itamaraty foi reconhecido internacionalmente como um dos serviços de política externa mais ativos e competentes do mundo. O profissionalismo e senso crítico dos diplomatas brasileiros são mencionados com frequência por estrangeiros que trabalham com política externa, que elogiam o preparo e conhecimento dos representantes do Brasil. Com a imposição de censura, é possível que o serviço de política externa do Brasil perca parte da sua capacidade crítica, que ajuda a promover esta imagem de competência da presença brasileira no exterior.