Publicado 08/08/2019 21:50
A começar pela confirmação de que as eleições de 2018 mandaram para o parlamento uma composição majoritária identificada com a pauta ultraliberal e neocolonial do dito superministro da Economia, Paulo Guedes. Os resultados das votações da “reforma”, com ampla maioria favorável à proposta do governo, revelaram essa fotografia com nitidez.
Essa composição, óbvio, tem a ver com o clima político que se instalou no país. A agenda neoliberal avançou no leito da ofensiva “moralista” da Operação Lava Jato, formando as condições para a mudança de paradigma no Estado que teve como epicentro o golpe do impeachment de 2016. Ao se apresentar para as eleições de 2018, a chapa de Jair Bolsonaro mostrou abertamente seu programa de governo pautado por essas duas vertentes – o “moralismo” arbitrário da Lava Jato comandado por Sérgio Moro e o ultraliberalismo neocolonial de Paulo Guedes.
A hegemonia dessas ideias, imposta por uma avassaladora campanha midiática, enviou para o Congresso Nacional essa maioria. Claro que essa condição não é imutável. O parlamento é um espaço com grande suscetibilidade a pressão popular. O Poder Legislativo, mesmo em situação de predominância dos representantes eleitos por uma conjuntura desfavorável à defesa da pauta progressista e democrático, é o ponto em que o povo tem maior possibilidade de exercer a sua soberania.
É preciso que se sublinhe, também, que essa mesma maioria que vota e impõe a pauta econômica neoliberal se comporta de modo diferente quando o foco é a escalada autoritária e a criminalização generalizada da política. Neste importante tema — a defesa do Estado Democrático de Direito —, a extrema direita tende a perder aliados e o campo progressista tende a ser reforçado com o centro político.
Não sem motivo, a extrema direita tem exercido forte pressão para que o seu método de governar dependa cada vez menos das regras legislativas. O presidente Bolsonaro tem abusado de decretos e medidas provisórias porque sabe que no parlamento suas propostas seriam duramente contestadas. Além de fugir do debate democrático, o presidente e o seu círculo no poder trabalham sistematicamente para desmoralizar o Legislativo, com pregações que aviltam o exercício democrático da política.
Nas votações da “reforma” da Previdência na Câmara dos Deputados, como o governo não pode fugir do debate democrático a oposição conseguiu reduzir danos e impor à proposta original alguns revezes, mesmo que ainda na primeira fase de votações da proposta — agora ela vai ao Senado — em pontos importantes, a exemplo dos casos da capitalização, da aposentadoria rural, do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e da desconstitucionalização da seguridade social. Contou também para essas vitórias as grandes mobilizações populares catalisadas, além da visível perversidade da “reforma”, pelos ataques ao orçamento da Educação.
Essa é outra importante sinalização. Ao contrário do processo eleitoral, quando houve certa divisão na esquerda — em grande medida devido a posturas exclusivistas —, nesse grande enfrentamento político as forças progressistas se coesionaram e protagonizaram embates memoráveis. À medida que o governo avança com a sua agenda, essa tendência tende a se ampliar e a se consolidar. A experiência na Câmara dos Deputados mostrou que a unidade, a flexibilidade, a sagacidade e a coragem política devem reger o enfrentamento ao rolo compressor governista.
A oposição, apoiada na mobilização e na pressão popular, certamente tende a avançar. Diante dessa perspectiva, a grande questão que está posta é saber associar a luta em defesa dos direitos e da soberania nacional com a questão que emergencialmente assume centralidade — a garantia da democracia, uma luta que exige atenção especial por ser a base de todas as demais na defesa dos interesses do povo e do país.
É, sem dúvida, uma engenharia de grande envergadura, que exige flexibilidade tática para encadear os objetivos sempre na perspectiva das soluções preconizadas, acompanhando as nuances de cada realidade.