Chico Lopes chega aos 80 anos celebrando a luta por uma nova sociedade

Ex-deputado federal por três mandatos pelo Ceará, destacando-se na defesa dos trabalhadores e entrando para a história com seu irônico voto contra o golpe dado pelos "bons pais, bons maridos" contra a ex-presidente Dilma, Chico Lopes completa nesta terça-feira (13) 80 anos. Uma vida dedicada à luta pela construção de uma outra sociedade, com menos desigualdades, mais justiça social. A comemoração em Fortaleza acontece no Cantinho Acadêmico Bar, no Benfica, a partir das 19h.

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Francisco Lopes da Silva, Chico Lopes, teresinense de nascimento mas cearense desde a primeira infância, é o filho de Francisca Lopes da Silva, a "Dona Chiquinha", moradora da famosa rua Braga Torres (atual bairro Pirambu, ao mesmo tempo "periferia" e beira-mar de Fortaleza), lavadeira de roupas em "casa de família". Com ela, conta, aprendeu uma das três coisas mais importantes na vida: a honestidade – de ações e princípios.

"Se aparecesse um dia com uma coisa nova, ela logo perguntava como é que consegui. Acompanhava todo dia assim. Mesmo com a maior dificuldade na vida, tinha o maior gosto em criar um menino correto, do qual ninguém tivesse nada que reclamar. Gostava de me arrumar dia de domingo, com uma roupa boa. Era o maior orgulho dela", conta Chico Lopes, que desde a infância trabalhou em inúmeros afazeres. Menino de recado, ajudante nas mesmas casas de gente abastada em que a mãe trabalhou, entregador de jornal, jornaleiro, vendedor do açúcar Pimentel – "mais doce do que mel".

O professor de "meia Fortaleza"

Acostumado desde cedo ao batente (e mesmo assim radicalmente contra o trabalho infantil), Chico Lopes se tornou servidor da Prefeitura de Fortaleza, ainda adolescente. Mesmo em um contexto de tantos desafios, descobriu o segundo elemento que marcaria sua trajetória: o amor pela educação. Foi nesse caminho que conseguiu estudar e, vejam só, que conquista para o filho de Dona Chiquinha, se tornar professor. O professor Chico Lopes, conhecido por todos, que deu aula a "meia Fortaleza".

Muito mais tarde, nas caminhadas nos bairros de Fortaleza nas campanhas eleitorais, as décadas de trabalho seguiriam ecoando: "O senhor foi meu professor". "Meu pai foi aluno do senhor". "Uma tia minha foi aluna sua". Quem diria que o menino que tanto teve de lutar para poder estudar se tornaria o deputado federal autor da emenda que garantiu aos professores e professoras de todo o Brasil o direito a 1/3 da jornada de trabalho extrassala? Uma conquista histórica da qualidade na educação, viabilizada por meio de emenda de Chico Lopes à lei do piso salarial do magistério – outro objetivo pelo qual ele lutou durante toda a vida e que se tornou realidade nos anos de governo Lula/Dilma.

A coragem de se indignar

Mas foi ainda antes da carreira no magistério, como servidor do Município de Fortaleza, que Chico Lopes percebeu o terceiro elemento que marcaria toda a sua trajetória, agora de 80 anos. A capacidade de se indignar com as injustiças do mundo e a necessidade de lutar para combatê-las. Com essa consciência política, engajou-se nas lutas dos servidores municipais. A coragem e a atuação lhe valeram a primeira grande represália: respondeu a processo e foi chamado para "esclarecimentos".

Em pleno 1968, ano do Ato Institucional No. 5 que aprofundou o golpe de quatro anos anteriores e abriu caminho para institucionalizar tortura e assassinatos como política de Estado no Brasil, Chico Lopes entra para o PCdoB. O partido, já na clandestinidade , é a grande escola de formação do jovem militante cearense, que enfrentou ameaças, prisão e tortura – na "casa do terror", na Região Metropolitana de Fortaleza. Sobreviveu, viu, lutou e venceu. Engajou-se na campanha pela Anistia, nas Diretas Já, no alvorecer da redemocratização do País em 1985, na luta contra a carestia, na campanha para vereador de Fortaleza que lhe renderia seu primeiro mandato, em 1982, pelo PMDB – legenda que acolheu os candidatos do ainda clandestino PCdoB.

Como vereador de Fortaleza, foi pioneiro ao pautar o tema dos direitos consumeristas, criando o Balcão do Consumidor. Lutou contra as taxas do lixo e de iluminação pública e em favor da meia passagem estudantil, bem como por mais atenção da Prefeitura ao povo dos bairros que mais dela necessitavam. Compartilhou inúmeras batalhas na Câmara Municipal, falando a língua do povo, nem aí para as eventuais críticas de quem usava a forma de falar como instrumento para tentar descredenciar a presença de um professor, operário e comunista, no Legislativo Municipal.

Meia passagem macrorregional

Após três mandatos como vereador, foi eleito deputado estadual, tendo papel decisivo nas denúncias que geraram a CPI do BEC e, se não redundaram em prisão de grandes empresários cearenses que se beneficiaram com dinheiro do Banco do Estado do Ceará em condições extremamente vantajosas, expuseram a preferência então dada pelo governador tucano Tasso Jereissati a esses amigos e amigos de amigos. Nada mais capitalista que um (grande) capitalista no poder. Lopes também fez a resistência ao desmonte do Estado brasileiro, promovido nos anos FHC, com a venda da Vale e das telefônicas a preço de banana e as malsucedidas tentativas de entregar a Petrobras e o Banco do Brasil.

Como deputado estadual, Chico Lopes seguiu defendendo os consumidores, colaborando com a criação do Procon Assembleia. Também foi pioneiro em outro importante tema, ao aprovar a lei que criou a Semana Estadual de Combate à Violência contra a Mulher. E foi aclamado por milhares de estudantes ao conseguir, ao fim de uma longa batalha, aprovar a lei da meia passagem estudantil macrorregional, possibilitando que estudantes passassem a se deslocar de um município para outro pagando meia passagem. Caminho para a continuidade dos estudos, de importância tão conhecida pelo próprio Lopes.

O federal do povo: 150 mil votos

Vieram o ano de 2006 e o desafio de se alçar voos mais altos, em um mandato de deputado federal. Concorrendo em condições extremamente adversas, Chico Lopes só seria eleito se conseguisse conquistar, sozinho, o número de votos do coeficiente eleitoral. Fez então um apelo, nos programas do horário eleitoral em rádio e TV: "Preciso de 150 mil votos". Pediu e conquistou. O povo cearense o elegeu o segundo deputado federal mais votado, com mais de 162 mil votos. Emoção sem medida!

Falando a língua do povo na Câmara Federal, Chico Lopes ajudou nas conquistas dos governos Lula e Dilma, para áreas como a educação, a moradia, a política de aumento real do salário mínimo, a ascensão social de mais de 40 milhões de brasileiros, na grande luta contra a fome e a miséria, por um País menos desigual.

Conseguiu a regulamentação e a padronização das tarifas bancárias (facilitando a vida do consumidor ao escolher entre diferentes bancos), lutou contra a cobrança de "roaming" na telefonia celular e pelo ressarcimento dos consumidores de energia elétrica, diante de uma bilionária cobrança indevida. Foi autor da emenda à lei do FIES que garantiu direito a financiar 100% de curso universitário, ampliando o acesso do jovem à universidade pública.

Denunciando e lutando contra o golpe parlamentar que retiraria do poder uma presidenta democraticamente eleita e lançaria o Brasil nas águas que desembocariam na atual extrema direita, Chico Lopes entrou para a história com seu voto na sessão daquele domingo, abril de 2016: "Eu pensei que vinha para uma reunião política. Mas vim foi pra reunião dos bons pais, bons maridos", declarou, denunciando a hipocrisia dos que votavam para derrubar Dilma, mesmo sabendo que ela não cometera crime de responsabilidade. "Eu digo NÃO, senhor presidente! Não ao golpe! Não à ditadura desses cabras".

80 anos: luta que se renova, no momento mais necessário

Concluído seu terceiro mandato de deputado federal, Chico Lopes chega aos 80 anos como todo brasileiro consciente da imensa gravidade do atual momento: lutando em defesa da democracia, dos princípios básicos de dignidade e civilização, contra o fascismo, o terror, o medo, a barbárie veiculadas em novas "declarações" do ocupante do Palácio do Planalto. Absurdos e disparates veiculados propositadamente várias vezes ao dia, todos os dias, para chocar e ocupar o noticiário e as redes sociais, desviando a atenção do verdadeiro propósito desse "desgoverno": retirar mais e mais direitos das pessoas.

Chico Lopes segue na luta contra a "deforma" da Previdência e pelo retorno do Brasil à lista dos países democráticos. Pela resistência à mentira, ao cinismo, ao terror e à desfaçatez. Pela construção de um novo projeto popular e progressista para o País, em que os brasileiros possam reconquistar os direitos ora retirados, melhorar de vida, olhar para o hoje e o amanhã com mais esperança e menos desencanto. Se é este o pior momento da história do Brasil desde os duros tempos da ditadura civil-militar, é justamente agora que precisamos lutar com mais força, afinco, coragem, consciência e determinação. Chico Lopes, 80 anos, está nessa luta. Como o mesmo destemor da juventude. Com a mesma atitude solidária com quem mais precisa. Como se fosse no primeiro dia.