Desenvolvimento e recolonização da África

O livro “Guiné-Bissau: da independência colonial à dependência da cooperação internacional para o desenvolvimento” (Editora Gramma) de Maria do Carmo Rebouças é uma grande novidade na discussão sobre desenvolvimento e colonialidade no Brasil.

Por Gabriel Nascimento*

Maria do Carmo Santos

Embora o livro não trate do Brasil, e muito menos dos nossos modelos de desenvolvimento, é justamente daí que surge a grande novidade nele presente. Sendo concebido a partir da pesquisa de doutorado da autora, o livro apresenta ao Brasil uma Guiné-Bissau, que passou por um processo de independência política, mas se recolonizou pós-políticas neoliberais do Banco Mundial e dos Estados Unidos, e o pensamento do líder e teórico negro Amílcar Cabral.

Mais do que isso, o livro faz uma arqueologia do conceito de desenvolvimento no mundo, diversas interpretações que fizeram esse conceito chegar ao atual estágio global. Parte, inicialmente, da premissa de que esse conceito não vem dos países que foram colonizados enquanto tal, mas dos países centrais. De Bretton Woods e Westfália ao Consenso de Washington, o livro mostra que a visão de cooperação internacional sempre teve consigo amarras de um conceito de desenvolvimento calcado no espelho dos países ricos. Apresenta de maneira contundente tanto a visão do grupo de estudiosos ligados à A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL) quanto as críticas dos chamados teóricos dependentistas. A grande novidade é a inserção do pensamento deconial de Aníbal Quijano e Immanuel Wallerstein como crítica aos modelos econômicos de desenvolvimento da América Latina e possibilidade de analisar mais criticamente a própria ideia de modernidade.

O material analisado por Maria do Carmo Rebouças remonta a busca pelo modelo de cooperação Sul-Sul, que se apresenta fundamental e no Brasil teve provas de sua prática no governo do ex-presidente Lula. No caso da Guiné-Bissau, como também foi no Brasil, a visão racializante do Norte global fez preponderar a ideia de Estado fraco ou narcoestado, como ela vem demonstrando em trabalhos recentes publicados em revistas especializadas.

A visão de cooperação Sul-Sul é fundamental como crítica tanto aos modelos de desenvolvimentos praticados até aqui como fundamentalismo das teorias revolucionárias sem calçamento prático revolucionários. O livro, ao mostrar como a visão de fora impacta a visão de dentro, permite também a identificação de uma cultura de dependência da cooperação internacional como imposta pelo Norte, cujos repertórios são endividamento dos países não-centrais e imposição de uma lógica de recolonização.

O termo “recolonização”, aliás, parece mais adequado do que “neocolonialismo”. A visão central da autora destaca o conteúdo de colonialidade das políticas neoliberais do Banco Mundial e propõe uma cooperação forjada nos ensinamentos de soberania nacional de Amílcar Cabral. Líder negro, Amílcar Cabral dizia que a deficiência ideológica e a ignorância sobre a realidade histórica eram os maiores defeitos dos movimentos independentistas em África. Sendo um intelectual particularmente negro, as visões de Cabral devem ser vistas e lembradas também aqui por decoloniais e anticoloniais. A visão revolucionária não pode ser em nenhum momento pretensiosa. A diversidade na cooperação internacional precisa lidar com uma visão de Sul também não romântica ou pretensiosa. A visão do negro pelo negro, do sul pelo sul ou do revolucionário anticolonial pelo revolucionário anticolonial não pode cair nas mesmas amarras coloniais que construíram a visão de sul, de negro ou do revolucionário anticolonial. Por isso, seguindo a mesma linha de Anthony Appiah ou Achille Mbembe, Maria do Carmo Rebouças, pesquisadora negra, prova que a discussão de desenvolvimento é uma marca do pensamento negro, e permite apontar para uma visão de colaboração e cooperação como construída pela decolonialidade crítica.