Editor do Intercept: Há material suficiente para que instituições ajam
Há três meses, uma série de reportagens publicadas pelo site The Intercept Brasil e seus parceiros vem revelando a forma como procuradores da República e o então juiz Sergio Moro utilizaram politicamente a Operação Lava Jato. No entanto, apesar das revelações publicadas pela imprensa brasileira, até o momento não houve sanções aos envolvidos.
Por Christiane Peres, do PCdoB na Câmara
Publicado 10/09/2019 17:30
Em audiência pública na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP) da Câmara, o editor executivo do site, Leandro Demori, e parlamentares da Oposição criticaram a falta resposta das instituições.
“O que nós temos na Vaza Jato são procuradores que se aproveitaram da fama. Já existe material suficiente para que as instituições ajam. Mas infelizmente, isso não está acontecendo”, afirmou Demori.
Para o jornalista, três meses talvez não seja tempo suficiente para mobilizar ações das instituições brasileiras, mas é tempo suficiente para escandaliza-las.
“Acho uma vergonha o Conselho Nacional do Ministério Público, por exemplo, não ter agido. É escandaloso. Espero que daqui para a frente, as instituições e pessoas que estão escandalizadas tenham coragem para se movimentar. O jornalismo tem um limite. O poder que temos é o da escrita, da divulgação, de trazer à tona fatos que estavam escondidos. A partir disso, as instituições precisam se movimentar”, pontuou.
Líder da Minoria na Câmara, a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), corroborou com a afirmação do jornalista. Para ela, “o que já está na rua é muito grave e suficiente para respostas”.
A parlamentar afirmou que desde o início das divulgações das reportagens, a Minoria tem tentado buscar apoio para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o caso. São necessárias 171 assinaturas de deputados (1/3 do total de 513 parlamentares) para a criação de uma CPI. Pelo Regimento da Casa, só podem funcionar cinco CPIs simultaneamente. No momento, apenas duas – práticas ilícitas no âmbito do BNDES e rompimento da barragem de Brumadinho – estão em funcionamento. A expectativa é que ainda esta semana, a coleta de assinaturas seja concluída para que o colegiado seja instalado.
“Esse governo tenta se blindar da imagem da anticorrupção com esse ministro, que tem no DNA da sua atuação a corrupção. O direito penal com esses senhores está a serviço de uma agenda, como vimos no caso do impeachment. Nós precisamos enfrentar e reagir a isso. Moro fez parte da acusação, comandou o processo. Ele não foi juiz. O Parlamento pode dar uma resposta institucional. Senão onde isso vai parar? A CPI é um instrumento que tem poder de polícia, de prender, ela tem a possibilidade real de agir com contundência, aprofundando as investigações do que está sendo mostrado nas reportagens. Precisamos agir em nome da democracia”, defendeu Jandira Feghali.
A vice-líder da Minoria, deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), também cobrou ações. Para ela, “Dallagnol é um procurador seletivo, que agiu a mando de um juiz parcial, político”. “Cadê as instituições? Nem o ponto de Deltan foi cortado quando foi fazer palestra fora. Estamos com uma quebra explícita do Estado democrático de direito. Apelo ao CNMP, estão aí as conversas. Senhores, tomem uma atitude com Deltan”, cobrou.
Para ela, Moro também não tem condições de dirigir a Polícia Federal e deve sair do Ministério da Justiça.
Presidente da CTASP, a deputada Professora Marcivânia (PCdoB-AP) fez uma analogia à criação dos filhos para cobrar uma ação das instituições competentes. Segundo ela, “quando um filho erra, a gente corrige. Mas não se vê nenhuma ação de correção em relação aos procuradores”.
O deputado Bohn Gass (PT-RS) criticou a ausência de Dallagnol no debate. “A justificativa é falsa. Ele disse que trabalha questões técnicas e que aqui se tratam de temas políticos. Ele fugiu do debate pois não tem argumentos pra colocar”, disse.
O deputado Henrique Fontana (PT-RS), questionou o motivo pelo qual o procurador evita responder as denúncias apresentadas por dezenas de jornais, como The Intercept Brasil e Folha de S.Paulo, na série de reportagens que ficou conhecida como Vaza Jato.
“Deltan foi convidado mas decidiu não comparecer para falar sobre as mensagens da Vaza Jato que escancararam a sua conduta partidarizada à frente da força-tarefa da Lava Jato. O que tem a esconder?”, interrogou o petista.
O deputado Leonardo Monteiro (PT-MG) também questionou o que Dallagnol está escondendo. “Ele foge de explicar o jogo de cartas marcadas que se tornou a Lava Jato. Segue o estilo fujão de Bolsonaro e prefere ficar nas sombras das redes sociais e Telegram para pautar o caos no Brasil”, protestou.
Rogério Correia (PT-MG) troca placa de identificação de Deltan Dallagnol para "Dallagnol fujão"
Organização criminosa
O ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão também participou da audiência. Para ele, os conteúdos divulgados pela Vaza Jato trazem um “verdadeiro universo criminógeno”. Ele afirmou que os crimes cometidos por Moro e os procuradores, que vão desde fraude jurídica a quebra de sigilo funcional, passando até mesmo pela lavagem de dinheiro – em função da tentativa de criação da fundação bilionária, configurariam uma organização criminosa, já que agiam de maneira estruturada, com divisão de tarefas.
“Está na hora de agirmos de forma mais contundente. Se utilizarmos todo esse arcabouço jurídico que eles se serviram, de forma abusiva, na Lava Jato, podemos dizer que eles são uma organização criminosa”, disse o ex-ministro, defendendo inclusive a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico dos envolvidos.
Aragão também afirmou que a obtenção das mensagens dos procuradores é “absolutamente legal”, pois são oriundas de um telefone celular funcional, instrumento de trabalho pago com o dinheiro do contribuinte. “Não há nesses dispositivos nada a ser falado que não possa se submeter aos princípios que regem a administração pública, como, por exemplo, a publicidade. Ninguém pode alegar privacidade”, pontuou. “Celular funcional é devassável, sim. É direito do público saber o que agentes da administração estão fazendo. Até porque é o contribuinte que está pagando por esse celular.”
Ele disse, ainda, que o conjunto de mensagens tem validade jurídica. “Mesmo que tivessem sido obtidas de foram ilegal, a legislação diz que podem ser utilizadas, não como prova incriminadora, mas como prova desincriminadora. Essas mensagens tem validade jurídica para tratar da defesa de pessoas que foram alvo dessa operação, de forma interesseira, conspiratória e ilegal.”