Naomi Klein: “Estamos como sonâmbulos rumo ao Apocalipse”

A jornalista e ativista canadense Naomi Klein está lançando o livro On Fire – The (Burning) Case for a Green New Deal (Em Chamas – A [Ardente] Defesa de um New Deal Verde, em tradução livre). Nesta entrevista, concedida a Hope Reese, do JStor Daily, Klein defende que “estamos caminhando como sonâmbulos rumo ao Apocalipse”, definindo a atual era como um tempo de barbárie em relação às condições climáticas da Terra.

Naomi Klein

Confira abaixo os principais trechos:

JStor Daily: Para compreendermos como as mudanças climáticas devem ser combatidas, você propõe em seu novo livro que olhemos para os nossos precedentes históricos, especificamente o período entre 1930 e 1950, como meio de nos guiar. O que podemos aprender a respeito desse período?
Naomi Klein: Quando pensamos se as sociedades podem ou não se reconstruir rapidamente, por meio de um grande número de políticas capazes de gerar grandes transformações em um curto período, em geral recorremos a três precedentes históricos: o New Deal no governo Roosevelt; a mobilização nos Estados Unidos e no Reino Unido para a Segunda Guerra; e o Plano Marshall, logo após o conflito. Nenhum deles é um exemplo perfeito para a analogia que precisamos, mas eles são muito úteis para pensarmos nesse tema, em grande parte porque uma das maiores barreiras para fazer o que é necessário perante o colapso climático é a noção de um apocalipse inevitável.

Essa é uma mensagem que nós não estamos conseguindo divulgar na rapidez necessária. E assim estamos ouvindo cada vez mais não apenas a negação das mudanças climáticas – mas um derrotismo em relação a esse tema. Recentemente, o escritor Jonathan Franzen escreveu algo como “parem de tentar impedir o apocalipse climático”. Eu, por minha vez, ainda acho que seja necessário aprender com esses exemplos que dei, pois em cada um deles, a seu modo, temos exemplos de como sociedades podem se mobilizar muito rapidamente diante de fortes crises.

JStor Daily: Você diz que estamos muito além do ponto de argumentar contra a ciência das mudanças climáticas. Como deve ser feita a resistência?
NK: Ainda há pessoas que negam a ciência, mas o que as mais recentes pesquisas mostram é que esse contingente está diminuindo. E, particularmente entre os Republicanos, vemos que os jovens que apoiam o partido não têm mais negado as mudanças climáticas assim como seus pais o fazem. Não se trata de negar que isso ainda é um fato – claro que é. O que tento mostrar no novo livro é a incrivelmente tênue correlação entre ciência política e ideologia (ou visão de mundo) e as opiniões das pessoas a respeito da crença ou não das mudanças climáticas.

As pesquisas mostram que pessoas confortáveis com os níveis de desigualdade, que dizem coisas como “temos aquilo que merecemos”, tendem a negar a realidade das mudanças climáticas. Isso não é uma discordância científica. Essas pessoas negam a realidade da ciência porque entendem que se trata de algo real, algo que se traduz como um profundo ataque a seu modo de enxergar o mundo.

É por isso que cito os três precedentes históricos acima para mostrar que certas mudanças só ocorrem quanto o governo se envolve diretamente em planejar e conduzir a economia, em direcionar as corporações a respeito do que elas podem ou não fazer. Isso ocorreu na Segunda Guerra, quando as fábricas foram redirecionadas a produzir artefatos militares, sob o risco de todo o mercado entrar em colapso. É preciso deixar claro que o cerne do debate não deve ser o argumento científico, mas, sim, as implicações que as ideologias e a política têm sobre a ciência.

JStor Daily: Por que não devemos atribuir esse fracasso especificamente à natureza humana?
NK: Se for algo da natureza humana, estamos condenados. Houve projetos e ideologias criados por uma porcentagem relativamente muito pequena de seres humanos, que foram defendidos por muitas pessoas por todo o planeta. Muitas vezes, isso nos foi imposto por meio de muita violência e por ações antidemocráticas – algo de que já tratei em um dos meus livros anteriores, A Doutrina do Choque. Seres humanos são muito diferentes em vários sentidos.

No neoliberalismo, em geral as pessoas procuram buscar suas necessidades no período mais imediato, para atender nossas individualidades. Somos gananciosos e individualistas, mas também podemos ter amor e empatia por aqueles que nos cercam. Se olharmos para os tempos do New Deal e para os esforços de guerra que fizemos, vimos diversas políticas que preencheram o que temos de mais coletivo entre nós.

JStor Daily: Você também já escreveu, em A Doutrina do Choque, que nos momentos mais críticos podemos ficar mais vulneráveis aos interesses das grandes corporações. Como isso se dá diante dessa ideia de um “New Deal Verde”?
NK: Certamente há muitas formas de lucrar a curto e médio prazo por meio das mudanças climáticas — privatizando a responsabilidade por desastres, por exemplo. Temos visto isso, mas também temos visto que, se não confrontarmos os perigos dessa ideologia, eles vão usar as mudanças climáticas como desculpa para suas ações em diferentes áreas. No Reino Unido, por exemplo, há relatos posteriores a enchentes nos quais tabloides de extrema-direita exigem o fim da ajuda a países pobres para que a política doméstica receba maior atenção.

É por isso que precisamos entender que o cerne do problema é a visão de mundo, a ideologia. E não acredito que podermos gerar as transformações necessárias sem que discutamos alguns desses valores.