Na mira do STF, julgamentos da Lava Jato mudarão rumo de investigações

O Supremo Tribunal Federal (STF) prepara uma série de julgamentos relacionados à Lava Jato com potencial para contrariar os controversos interesses dos procuradores de Curitiba e mudar o rumo de investigações em curso no País. Mais do que impor eventuais derrotas para a operação, trata-se de garantir “a vitória da Constituição”, afirmou um ministro da Corte ao jornal O Estado de S.Paulo.

STF

Até novembro, o STF deve analisar o mérito de ações que discutem a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância, um dos pilares da Lava Jato mais defendidos pelo ministro da Justiça, Sérgio Moro. O plenário do tribunal também deve firmar o entendimento sobre o compartilhamento de dados fiscais e bancários de órgãos como a Receita e o antigo Coaf sem autorização judicial, além de definir critérios sobre a anulação de condenações nos casos em que réus delatados não tiveram assegurado o direito de falar depois de réus delatores.

“Todo mundo é a favor do combate à corrupção, mas observados os meios contidos na ordem jurídica. Em Direito, o meio justifica o fim, não o fim ao meio. Não dá é para levar essa persecução penal de cambulhada. Não avançamos culturalmente a qualquer custo”, disse o ministro Marco Aurélio Mello ao Estado, em referência à agenda de fim de ano do STF. “Não posso atropelar as normas de regência que revelam franquias e garantias do cidadão.”

Na Segunda Turma – composta por cinco dos 11 ministros da Corte –, é aguardada a conclusão do julgamento em que a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acusa Moro de agir com parcialidade quando era juiz federal em Curitiba, por condená-lo no caso do tríplex do Guarujá e, depois, assumir o cargo de ministro no governo Bolsonaro.

A pauta de fim de ano virá à tona depois de o site The Intercept Brasil publicar o teor de supostas mensagens trocadas pelo então juiz Sérgio Moro e procuradores durante o curso da Lava Jato. Alvo de tiroteio político, Moro enfrenta desgaste e dificuldades no Congresso para a aprovação do pacote anticrime.

O presidente Jair Bolsonaro também tem receio de que o ministro não seja aprovado pelo Senado, para uma cadeira no Supremo, por causa da retaliação de políticos investigados em operações autorizadas por ele quando juiz. A partir de novembro de 2020 haverá duas vagas na Corte.

Na opinião de Davi Tangerino, professor de Direito Penal na FGV, as futuras decisões do Supremo envolvendo a Lava Jato reforçarão o ambiente polarizado no País. “Temos vivido tempos binários. Vai ter uma turma grande tomando isso como sinônimo de impunidade e uma outra dizendo que o Supremo fez justiça ao Lula. Quem vai falar mais alto, fazer mais barulho? O tempo vai dizer”, afirmou.

Segundo Tangerino, “a Lava Jato é uma força-tarefa que teve resultados importantes, mas que há muito tempo vem cometendo excessos. O mais correto é entender que, finalmente, o Supremo percebeu que houve abusos. Agora, pelos indicativos que a gente está recebendo, vai retomar o trilho constitucional.”

Relator de três ações que discutem a execução antecipada de pena, Marco Aurélio já cobrou tanto o atual presidente do STF, Dias Toffoli, quanto sua antecessora, Cármen Lúcia, pedindo a inclusão do tema na pauta do plenário. Em dezembro de 2018, véspera do recesso de fim do ano, ele deu liminar derrubando a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. A decisão foi cassada por Toffoli no mesmo dia.

Agora, a expectativa de ministros tanto da ala alinhada à Lava Jato quanto da corrente mais crítica à atuação do Ministério Público é a de que a atual posição do STF sobre o tema seja revista. A dúvida é se o Supremo vai permitir a prisão apenas após se esgotarem todos os recursos, o chamado “trânsito em julgado”. Também pode optar por uma solução intermediária, fixando como marco uma definição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – posição que já foi defendida por Toffoli e Gilmar.

É da ministra Rosa Weber o voto considerado decisivo para definir o placar, que tende novamente a ser apertado. Em abril do ano passado, Rosa votou contra um pedido de liberdade de Lula, ainda que também já tivesse se posicionado contra a execução antecipada de pena. Argumentou que seguiu a jurisprudência do tribunal.