Líder comunista acredita que “falcões” podem tentar autogolpe no Chile

Centenas de milhares de manifestantes no Chile desobedeceram mais uma vez, nesta sexta-feira (25), o toque de recolher decretado pelo presidente Sebastian Piñera, se reunindo na praça central de Santiago no oitavo dia de mobilizações no País.

Por Pedro Marin*



Chile - Foto: Cortesia / PC(AP)

Pedindo a renúncia do presidente, o fim do sistema de pensões chileno (privatizado e administrado pelas Administradoras de Fondos de Pensión – AFP), e a realização de uma Assembleia Constituinte, a gigantesca mobilização hoje foi convocada pela Unidad Social, uma organização que reúne mais de 70 movimentos sociais e sindicatos no país.

Para tratar das manifestações do Chile e das duras respostas que o governo Piñera tem dado, que já deixam o saldo de ao menos 19 mortos, 2840 detidos e 528 feridos, a Revista Opera conversou com Eduardo Artés Brichetti, primeiro secretário geral do Partido Comunista Chileno (Ação Proletária) – PC(AP) – e Presidente da União Patriótica (UPA):

1 – O presidente Sebastián Piñera disse que as manifestações que enfrenta são tocadas por um “inimigo implacável que não respeita ninguém nem nada”. Quem realmente é aquele que o presidente chama de inimigo? E por que ele se move?

O governo Piñera é um governo oligárquico composto por indivíduos do setor “civil”, incluindo Piñera, que fizeram parte da ditadura de Pinochet. Quando falam de um inimigo se referem aos trabalhadores e povos do país, é a validade, em sua cabeça, do conceito de “inimigo interno”; é a ideologia e o pensamento das Forças Armadas chilenas atualmente. No início das manifestações e para tentar ignorar seu profundo caráter patriótico e popular de superação do sistema neoliberal falido, Piñera tentou recorrer ao fantasma da “esquerda internacional” e particularmente das mãos do [presidente venezuelano] Nicolás Maduro. De qualquer forma, isso não foi levado em consideração nem pela mídia oficial.

2 – Temos a impressão aqui no Brasil de que não tem havido direção nas manifestações. Quão verdadeiro é isso? É possível que essas mobilizações acabem seguindo um caminho estranho à luta popular?

É relativo, as exigências e demandas levantadas são aquelas que têm sido levantadas e trabalhadas e com as quais temos mobilizado, e estas variam desde o “No+AFP” (não mais Administradoras de Fundos de Pensão), contra aumentos de preços em transporte, luz e água, educação gratuita, a questão saúde, casas etc, etc. Mesmo contra a corrupção e a fraude em todo o aparato estatal, governo, parlamento, Forças Armadas e polícia, judiciário, municípios etc., bem como pelos direitos das nações originais, particularmente do povo Mapuche, em todas essas lutas se vai construindo a direção. A falha é que não há uma direção coletiva que encabeça e engloba todas as demandas; em todo caso, há um elemento político central que deve nos levar a construir a direção concreta e esse é a exigência da Assembleia Constituinte, de uma nova Constituição.

3 – Qual é o principal saldo positivo da mobilização até agora? E o que se deve temer?
O que é grande e positivo é que a mobilização abrange a grande maioria, é o fim do engano e da ilusão do capitalismo em sua expressão neoliberal, que foi apresentada como um exemplo a seguir para outros países, principalmente na América Latina. No caso de vocês no Brasil, é um golpe no queixo do Bolsonaro, que colocou o modelo “chileno” como referência. Há claramente dois perigos: um é que os neoliberais representados pelos grupos da antiga “nova maioria” que governou o Chile por muitos anos e o setor que lidera a “frente ampla” apropriem-se da liderança do levante popular e que “correndo atrás do próprio rabo”, defraudem e bloqueiem a passagem para as demandas sustentadas e levantadas pelas massas mobilizadas, e o outro perigo é que os “falcões” dentro do governo ganhem espaço e imponham um auto-golpe, para isso eles têm Forças Armadas, que seguem tendo Pinochet como referência e o povo mobilizado como inimigo interno.

4 – Sabemos que o Chile foi um grande laboratório para as medidas neoliberais dos Chicago Boys de Pinochet. Qual é a situação econômica dos trabalhadores chilenos hoje? Como isso se manifesta nas ruas agora?
Hoje o Chile é um dos países com a maior desigualdade social do mundo; medidas e políticas neoliberais levaram os trabalhadores e as massas a se encontrarem na situação mais miserável, em total abandono social com salários e pensões miseráveis, tudo, desde benefícios à saúde, educação, transporte, moradia, medicamentos, e muito mais, está nas mãos de grupos de monopólios sem controle que fazem e desfazem enchendo seus cofres com mineração e exploração excessiva das massas populares.
As ruas queimam, estão cheias de indignação de centenas de milhares, milhões que dizem “basta!”, que reivindicam seus direitos e, principalmente, anunciam o futuro; a rebelião, a revolução. Que destroem as afirmações reacionárias e ultrapassadas da “superioridade do capitalismo”. A rua, o gigante da rua, coloca os reacionários do Chile do mundo em estado histeria, pânico, e os levam aos piores pesadelos.

5 – Como os comunistas participaram das manifestações? Há relatos de que os manifestantes às vezes os proibiram de levantar bandeiras. Isso é verdade?
Aqui se deve fazer uma diferenciação. É verdade que a direção do Partido Comunista do Chile e sua política de acompanhamento dos governos neoliberais, do acordo, primeiro, e da “nova maioria” depois, desprestigiou o termo comunista e eles. Suas bandeiras foram rechaçadas e inclusive foram obrigados a baixá-las em muitas manifestações, mas aos comunistas do Partido Comunista Chileno (Ação Proletária) – PC(AP) – acontece o contrário; não só nossas bandeiras estão na maioria das manifestações em todo o país, como também é aplaudida e levantada com orgulho não somente pelos militantes do PC(AP), como também por companheiros trabalhadores e das massas que se juntam ao nossos blocos, que marcham com elas.

6 – Uma coisa que chama a atenção de muitas pessoas é que Piñera logo chamou o Exército e os “carabineros” para conter as manifestações. Isso também aconteceu no Equador. Isso deve ser especialmente preocupante em um país que tem a memória do governo Pinochet tão viva. Que leitura você faz hoje da posição das Forças Armadas? Você acha que os militares podem tomar a frente no processo político, apoiados pela “necessidade de resposta” ao povo nas ruas?
As Forças Armadas no Chile são claramente um baluarte da reação e inclusive do fascismo, é normal que os reacionários recorram a elas, mas estão brincando com fogo. Aqui derrubamos em luta aberta a ditadura de Pinochet, ao menos o tiramos do poder, e isso nos ensinou, como povo, a não confiar nas Forças Armadas e tampouco temê-las. Por experiência, nós, os trabalhadores e massas populares, sabemos da natureza das Forças Armadas e polícias, e hoje não é o mesmo que antes do golpe militar de 1973; naquele tempo não havia uma consciência clara de até onde poderiam chegar os militares em defesa da oligarquia – hoje sim.
Te disse antes, mas gostaria de agregar uma coisa: nestes dias têm ocorrido alguns eventos esporádicos de confraternização de alguns militares com o povo. Nós, no PC(AP), fazemos um chamado para que os soldados filhos de trabalhadores, camponeses, povos originários, para que não disparem contra o povo, e que sejam assim parte das novas Forças Armadas que a sociedade quer; democráticas, patrióticas, populares e comprometidas com o povo e sua soberania.

7 – Se você quiser dizer mais alguma coisa, ou talvez enviar uma mensagem para o Brasil, fique à vontade.
Um abraço gigante ao povo brasileiro, um pedido que ative a solidariedade com nós, com o povo do Chile, com a luta antifascista, pela refundação do Chile, por uma Assembleia Constituinte. Isso os dizemos, companheiros, porque está tudo intimamente ligado ao combate democrático de vocês contra o governo neofascista de Bolsonaro. Nossa luta no Chile é parte importante, como a são a de todos os povos, do grande Brasil popular que precisamos na América Latina e no mundo.