Considerações de Renato Janine Ribeiro sobre o fascismo

Segundo ele, esse fenômeno às vezes não é percebido, mas ele tem enorme gravidade.

Fascismo

Em artigo no jornal Folha de S. Paulo, Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação (2015, governo Dilma), professor titular de ética e filosofia política da USP e professor visitante da Unifesp, escreve que há subestimação sobre o que representa o bolsonarismo. Segundo ele, vários de seus amigos, embora tenham horror ao atual governo, não se preocupam muito: pensam que em quatro anos as eleições o substituirão.

E complementa que alguns acrescentam que o Brasil assim aprenderá melhor o valor da democracia. “De minha parte, entendo que eles subestimam a destruição do tecido social e político, a liquidação da vida inteligente e da vida mesma, que está sendo efetuada prioritariamente nas áreas da educação e do meio ambiente”, afirma. “Debate-se muito o que é fascismo. Porém alguns pontos são fundamentais nesse regime, talvez o mais antidemocrático de todos, que não é apenas um exemplo de autoritarismo”, explica.

Apoio popular

Renato Janine Ribeiro detalha que, primeiro, o fascismo conta com ativo apoio popular. “Tivemos uma longa ditadura militar, mas com sustentação popular provavelmente minoritária e seguramente passiva. Mesmo no auge de sua popularidade — o período do ‘milagre’, somando general Médici, tortura e censura, tricampeonato de futebol e crescimento econômico — não houve movimentos paramilitares ou massas populares saindo às ruas para atacar fisicamente os adversários do regime”, lembra. “Hoje, há”, adverte.

Segundo, diz ele, existe a banalização da violência. “Elas deixam de ser, na frase de Max Weber, monopólio do Estado, por meio da polícia e das Forças Armadas: os próprios cidadãos, desde que favoráveis ao governo, sentem-se autorizados a partir para a porrada. O ataque à barca em que estava Glenn Greenwald em Paraty é exemplo vivo disso”, opina.

Para Renato Janine Ribeiro, o que distingue o fascismo das outras formas de direita é ter uma militância radicalizada, ou seja, massas que banalizam o recurso à violência. “O fascismo já estava no ar uns anos atrás quando um pai, andando abraçado com o filho adolescente, foi agredido na rua por canalhas que pensavam tratar-se de um casal homossexual.”

Terceiro, prossegue ele: essa violência é usada não só contra adversários do regime — a oposição política — mas também contra quem o regime odeia. “Não foca apenas quem não gosta do governo. Mira aqueles de quem o governo não gosta. No nazismo, eram judeus, homossexuais, ciganos, eslavos, autistas. No Brasil, hoje, são sobretudo os LGBTs e a esquerda, porém é fácil juntar, a eles, outros grupos que despertem o ódio dos que se gabam de sua ignorância (“fritar hambúrguer” é um bom exemplo, até porque hambúrguer não se frita, se faz na chapa).”

Quarto, afirma: o ódio a tudo o que seja inteligência, ciência, cultura, arte. Em suma, o ódio à criação. “Não é fortuito que Hitler, que quis ser pintor, tivesse um gosto estético tosco, e que o nazismo perseguisse, como “degenerada”, a melhor arte da época. É verdade que os semifascistas Ezra Pound e Céline brilham no firmamento da cultura do século 20 — mas são agulha no palheiro.”

Irracionalidade

Renato Janine Ribeiro lembra que Antonio Candido uma vez escreveu um manifesto dos docentes da USP criticando a “mediocridade irrequieta” que comandava a universidade. Um colega discordou: a mediocridade nunca é irrequieta! Mas Candido tinha razão. A mediocridade procede hoje, sem pudor, ao desmonte de nossas conquistas não só políticas e sociais, mas culturais e ambientais.

“A irracionalidade vai a ponto de algumas dezenas de paratienses tentarem sabotar a Flip, que dá projeção e dinheiro para a cidade. Essa é uma metáfora de um país que namora o suicídio. Salvemos a vida, salvemos a vida inteligente! Construamos alternativas e alianças para enfrentar essas ameaças. Não temos tempo de sobra”, conclui.