Morre Henry Sobel, o rabino que desafiou a ditadura no caso Herzog

O rabino Henry Sobel morreu na manhã nesta sexta-feira (22), aos 75 anos, em Miami (EUA), vítima de complicações associadas a um câncer no pulmão. Rabino emérito da Congregação Israelita Paulista (CIP) e uma das principais lideranças judaicas no Brasil, Sobel sobressaiu como uma “voz firme em defesa dos direitos humanos”, conforme nota divulgada pela família. Sob o regime militar (1964-1985), ele ousou desafiar a ditadura para denunciar o caso do jornalista Vladimir Herzog.

Dom Paulo e Sobel

O episódio foi um dos mais marcantes de sua trajetória. Quando Herzog foi assassinado, em 25 de outubro de 1975, nos porões do DOI-Codi, em São Paulo, o jovem rabino Sobel não engoliu a versão oficial – e fraudulenta – da ditadura, segundo a qual o jornalista teria se suicidado. Mesmo enfrentando pressões, ele permitiu o sepultamento de Herzog – que tinha origem judia – no centro do Cemitério Israelita do Butantan, seguindo os ritos judaicos. Se a CIP avalizasse a versão dos militares, o sepultamento de Herzog só poderia ser feito nas margens do lugar.

Em 31 de outubro de 1975 – uma semana após o covarde assassinato –, Sobel voltou a enfrentar o regime. Ao lado de dom Paulo Evaristo Arns (então arcebispo de São Paulo) e do reverendo Jaime Wright (pastor presbiteriano), o rabino liderou o célebre ato ecumênico em homenagem a Herzog. A Catedral da Sé ficou lotada e uma multidão tomou conta da praça, num silencioso e contundente protesto contra a ditadura.

Na autobiografia Um Homem. Um Rabino (2008), Sobel dedica considerável espaço ao seu envolvimento “na luta contra a ditadura militar”, com certo tom heroico. No capítulo “Vladimir Herzog”, o rabino relata o diálogo que teve com “um funcionário” da CIP: quando o rapaz citou sinais de tortura no corpo de Herzog, Sobel disse: “Então não vamos enterrá-lo como suicida”. E o “funcionário”: “O sr. tem certeza rabino?” E Sobel: “Total. Se alguém perguntar, diga que é um pedido do rabino Sobel”.

Mais adiante, ao escrever sobre “a mídia e o poder”, ele afirma: “A verdade é que, a partir do caso Vladimir Herzog, ganhei uma projeção na mídia que jamais imaginara ao desembarcar no Brasil. O que, é claro, nunca havia sido meu objetivo: o engajamento obedeceu a um dever de consciência, a convicções religiosas e humanistas. Porém, o fato é que eu me tornara um judeu conhecido nacionalmente”.

Nascido em Portugal, Sobel se estabeleceu em Nova York, nos EUA. No continente americano, tornou-se rabino. Veio para o Brasil na década de 1970, onde se radicou, tornando-se uma das principais lideranças religiosas no país. Sua atuação aguerrida desagradou a setores conservadores do judaísmo, sempre insatisfeitos com as desavenças públicas entre Sobel e os militares no poder.

Esses setores “deram o troco” no rabino em 2007, no lamentável “episódio das gravatas”. Num período em que sofria de depressão e tinha constantes transtornos devido ao uso de medicamentos tarja preta, Sobel foi detido por causa do furto de gravatas numa loja nos EUA. “Trinta e sete anos e puf! Fiz o impensável”, desabafou ele, trêmulo, em um filme sobre sua trajetória lançado em 2014.

Seus opositores na comunidade judaica aproveitaram a ocasião para tirá-lo de cena. Afastado da direção da Congregação Israelita Paulista, Sobel passou a ser execrado e ridicularizado. Na autobiografia, ao falar das gravatas, ele cita “a solidariedade e o calor humano” que recebeu de personalidades como o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-arcebispo de São Paulo, Cláudio Hummes. “Não falo com essas pessoas pela influência. São amigos de verdade”, escreveu.

Em 2013, depois de ter passado quase quatro décadas no Brasil, o rabino trocou São Paulo por Miami. “Volto [para os EUA] porque completei 70 anos. Depois de 43 anos de rabinato, é tempo de ler mais, ouvir mais, contemplar mais a natureza”, afirmou. “Estou saindo do Brasil sem mágoas. Pelo contrário, com saudade.”

De acordo com nota divulgada pela família, Sobel será enterrado no domingo (24), no Cemitério Woodbridge Memorial Gardens, em Nova Jersey, nos EUA. Ele deixa a esposa, Amanda, e uma filha, Alisha, nascida em 1983.