Por que os franceses lutam?

Uma ampla frente intersindical chamou a greve geral na sexta-feira, dia 29/11 e encontrou eco popular massivo nunca visto nos últimos dez anos.

Por Henri Blotnik*, de Paris

Isso aconteceu:

Após vários meses de greve nos serviços de urgência dos hospitais públicos, abarcando todo pessoal, seja auxiliares, paramédicos, enfermeiras, médicos, até chefes de serviço, recebendo tanto menor consideração da parte do governo quanto maior apoio na opinião pública;

Após movimento reivindicativo dos bombeiros (funcionários públicos na França) superpopulares, especialmente após intervenção na salvação da catedral Notre-Dame de Paris, violentamente espancados pelas forças policiais para maior indignação popular já furiosa pelos abusos policiais causando lesões irreversíveis (olhos atingidos por balas de borracha e demais feridas traumáticas) na repressão de diversas manifestações (até a morte de um rapaz afogado num rio em Nantes, fugindo de uma carga policial durante um festival de música);

Após um grande movimento de greve de parte dos ferroviários depois de um acidente de trem onde o maquinista ferido teve que socorrer passageiros feridos dentro dos vagões estando ele sozinho na cabine (motivo de um movimento semelhante dos ferroviários britânicos);

Após as tentativas do governo de instrumentalizar o movimento dos “coletes amarelos”, erguendo aquele como símbolo de uma suposta negação da representatividade dos sindicatos, implementando um clima de insegurança durante as manifestações com uso de provocadores, autorizando demonstrações de violências e arbitrariedades policiais em escala inédita. Estendendo este trato a todo tipo de manifestação pública, seja de “desorganizados” coletes amarelos, de sindicatos representativos, de trabalhadores em luta, de pacifistas ou de ativistas pelo meio ambiente (assim com uma manifestação pela Paz e pela defesa do Clima). Os próprios desfiles tradicionais do 1° de maio foram alvo de provocações e intentos de intimidação.

Após reivindicações para melhorar o poder aquisitivo dos trabalhadores que foi se afirmando e se ampliando, abarcando os próprios aposentados em várias manifestações;

Após uma derrota depois de um ano de lutas de grandes manifestações e ampla reprovação contra o projeto de desmonte dos direitos trabalhistas, finalmente adotado em 2016 como Lei “El-Komri”, sob a presidência de François Hollande.

Hoje, não tem um setor da economia nacional onde os trabalhadores não estejam prontos a lutar para defender um direito adquirido a grande custo.

Seguridade Social na França

A ‘Sécurité Sociale’ (Seguridade Social) nasceu na França após a segunda guerra mundial como aplicação do programa do CNR (Conselho Nacional da Resistência), muito progressista já que a Resistência era formada pelas vitoriosas frações mais progressistas da sociedade, os conservadores e fascistas estando gravemente comprometidos na colaboração com o invasor nazi.

A ‘Sécurité Sociale’ foi notavelmente implementada em 1945 graças aos comunistas François Billoux e Ambroise Croizat, ambos ministros dos primeiros governos de Charles de Gaulle, e cobria desde início os três ramos “Saúde, Família, Aposentadoria”.

Na sua concepção inicial, a gestão era paritária, a cargo dos contribuintes assalariados, representados pelos seus sindicatos, e patrões.

Os diferentes setores sociais e industriais foram se agregando.

Aliás, gradativamente a gestão paritária e independente foi alvo de cobiça com o fim de tirar o poder das mãos dos representantes dos trabalhadores, seja de sindicatos (mesmo amarelos), a gestão foi cada vez mais controlada pelo Estado. Assim, nossos dedicados defensores do neoliberalismo se encontram ligados à uma estatização difícil de defender publicamente!

Hoje, o governo gostaria de convencer que fundar um sistema “universal” seria mais equânime, enquanto a população já sabe que significará retirar os avanços conquistados, baixar as pensões, alargar o tempo de contribuições, deixando a gestão dos fundos em mãos “especialistas”!

Ninguém crê nisto, não tem um exemplo no mundo para confirmar, sejam os fundos ingleses falidos, o sistema sueco afundando, etc., enquanto nosso sistema está em equilíbrio.

Os professores fizeram simulações mostrando que eles perderiam de 300 a 1800 euros mensais e a classe está erguida contra o projeto do governo.

Nos transportes – trabalhadores da companhia nacional ferroviária (SNCF, Société Nationale des Chemins de Fer) o das companhias de transportes públicos como do Metrô parisiense (RATP em Paris) o dos metrôs e ônibus das demais cidades – a greve começou superforte também, arrastando, pressionado pela sua base, o sindicato “reformista” (CFDT) com qual o governo pensava compactuar publicamente.

Os hospitais permanecem em greve (com peculiaridade de seguir atendendo pacientes) e o governo apresentou uma proposta ridícula de 1,5 bilhões de euros fracionado em vários anos. Para efeito de comparação, esta semana o primeiro grupo francês do Luxo (LVMH) comprou a joalheria Tiffany por 15 bilhões de euros!

No dia 5/12, em Paris, as portas do metrô eram fechadas, quase não circulavam trens, as crianças não tinham liceu, colégio, escola nem creches, as universidades andavam paralisadas; servidores públicos e trabalhadores de várias industrias pararam para juntar-se às manifestações e os aposentados também saíram às ruas.

Em Paris, pese as miseráveis tentativas policiais provocadoras já mencionadas (manipulação de “blackblocks”, uso de gases…), e as dificuldades de transportes geradas pelo próprio movimento, a manifestação foi grande.

No dia seguinte, espontaneamente, a mobilização permanecia forte, poucos metrôs, poucos ônibus, sem escola, creche etc.

Nesta terça-feira (10) repetimos uma bela jornada de greve, com grandes manifestações de rua.

Assim, parece produzir-se a convergência de lutas tão esperada, com coletes amarelos incorporados, sindicatos mobilizados, ampla bandeira intersindical.

Agora também devemos ver as perspectivas políticas que vão surgir na preparação das próximas eleições municipais em março de 2020. Será que a unidade das forças de esquerda conseguirá emergir? Os comunistas chamam a uma ampla frente de esquerda para sair da chantagem macronistas ou neofascistas, tipo de alternativa incentivada pela socialdemocracia em toda Europa, que se revelou um fracasso. Assim, em Paris, por exemplo, trata-se de reconduzir uma frente antifascista e incompatível com a política presidencial atual. Demostrando assim que uma alternativa ao perigo fascista e aos desmandos neoliberais pode ser vitoriosa.

* Membro do Partido Comunista Francês