O erro das candidaturas avulsas!

Como a ideia de candidaturas avulsas pode prejudicar a democracia.

Li por aí que a conversa de candidaturas avulsas está, de novo, em pauta no país. Desta vez tem alguma simpatia do STF e é defendida por setores da esquerda. Mas qual o perigo real deste tipo de iniciativa? A proposta, que alguns chamam de candidatura cidadã, é um completo movimento de desestruturação dos partidos políticos.

Quero começar com alguns pontos cruciais para este debate, ao passo que explicarei em seguida qual dificuldade maior em efetivar tal modelo. Hoje no Brasil os partidos políticos, como rege a constituição de 1988, são elementos indispensáveis para a disputa eleitoral e isto não é sem razão: a necessidade de cooperação entre os atores é o que proporcionou – no meio de toda a volatilidade que temos – a operação do nosso presidencialismo. É óbvio que os partidos não funcionam a contento, e parece bastante óbvio que suas regras de atuação geram enormes distorções no processo democrático. As lideranças partidárias que temos hoje na política são ecos de um século recheado de laços de parentesco, patrimonialismo, conchavos e todo o combo que os acompanha. Mas todo mundo já sabe disso.

A questão para mim parece ser: quais as bases do associativismo brasileiro? Em que termos construímos a atuação política para além do processo eleitoral. Se o ministro do supremo avalia que o abismo entre sociedade civil e sociedade política é enorme, não vai ser, nem com reza brava, que ele será diminuído via candidaturas avulsas.

Basta olhar para as figuras públicas “não-políticas” que o brasileiro cultivou e cultiva ao longo do tempo. Figuras midiáticas, apresentadores de televisão, jogadores de futebol, empresários, digitais influencers, sobreviventes de tragédia, sobreviventes de reality shows, escritores de autoajuda, mais empresários e por aí vai. A definição de indivíduo confiável, “cidadão de bem”, ou de reputação ilibada passa ao largo de atributos subjetivos que não tem qualquer relação com projeto político ou interesse público.

São adjetivos pessoais que remetem a ser bem-sucedido na esfera privada, e que se supõe ser eficiente na engrenagem representativa. Um erro colossal quando colocado em perspectiva sobre o que realmente precisamos para aprimorar o sistema político nacional.

Não desconfio que as pessoas que acreditem nesse projeto estejam mal-intencionadas, inclusive muita gente qualificada e com mandatos sérios, mas investir em aventuras como essas enfraquecem ainda mais o caminho tortuoso que temos pela frente. A eleição da extrema-direita, aliada ao problema gravíssimo de representação são combustíveis para o autoritarismo dos dias atuais. Mas não se resolve isto com iniciativas financiadas pelo setor empresarial (a exemplo de RenovaBR, Acredito, RAPS, e outros).

Este tipo de costura, à revelia dos partidos, só cria ressonância para crises políticas e falta de identificação da sociedade com o que a política realmente é. Para além disto, contribui muito pouco para o grau de institucionalidade que precisamos para ter estabilidade democrática.

Um tanto dessa crítica respinga sim no PSOL, como disse o professor Luis Felipe Miguel, de não conseguir, enquanto partido político, fortalecer-se enquanto partido, apostando fichas no personalismo de suas lideranças internas em vez de construir uma agenda clara para o eleitorado mais à esquerda. Essa é a missão dos partidos políticos nesse primeiro quarto de novo século: se colocar como baluartes (sempre quis usar essa palavra num texto) em tempos difíceis. O problema não é ter muitos ou poucos partidos, mas partidos que se diferenciem entre si. O termo “facção” caiu em desuso para se referir aos partidos políticos – e hoje ganhou um tom pejorativo e criminoso – mas é, na etimologia e na qualidade semântica, o que representa bem o sentido de “ser parte”, ou de “tomar partido”. Significa ter lado. E ninguém tem lado sozinho.

Hesaú Rômulo é cientista político e professor.

Fonte: O Imparcial

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