Ministros e OAB repudiam fala nazista de ex-secretário de Bolsonaro

O meio jurídico repudiou as declarações do ex-secretário Roberto Alvim. Dias Toffoli, presidente do STF, foi um dos que divulgaram nota sobre o caso.

(Foto Nelson Jr./STF)

O vídeo que ocasionou a queda do secretário de Cultura do governo, Roberto Alvim, causou revolta na comunidade jurídica. Ao som de Wagner, o compositor preferido de Hitler, o secretário proferiu um discurso muito semelhante a um pronunciamento do ministro da propaganda nazista, Joseph Goebbels, sobre arte e nacionalismo.

O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, divulgou uma nota condenando as referências. “Há de se repudiar com toda a veemência a inaceitável agressão que representa a postagem feita pelo secretário de Cultura. É uma ofensa ao povo brasileiro, em especial à comunidade judaica”, sinalizou.

Gilmar Mendes, por sua vez, afirmou que “a riqueza da manifestação cultural repele o dirigismo autoritário nacionalista. A arte é, na sua essência, transformadora e transgressora. O que faz do Brasil um país grandioso é a força da sua cultura, fruto de um povo profundamente miscigenado e diversificado”.

Otávio Luiz Rodrigues, conselheiro do CNMP e colunista da ConJur, apontou ainda um outro elemento do vídeo que torna a ofensa mais surreal. “A estética e o discurso evocam o nazismo e o regime colaboracionista de Vichy. Esse tipo de manifestação deve ser repudiada por todos, independentemente de coloração ideológica. Ele usou a Cruz de Lorena, que foi o símbolo da França Livre de Charles de Gaulle, alguém que combateu corajosamente esse tipo de discurso e de ação. O Brasil lutou contra isso em 1944-1945 e deve continuar a fazê-lo hoje.”

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil divulgou uma nota pública em que lembra que “o nazismo – que resultou no Holocausto, com o assassinato de milhões de judeus – foi uma das piores passagens da história da humanidade e jamais pode ser utilizado como forma de pensamento, referência ou argumento de qualquer governante em nosso país, o que inclusive constitui crime previsto na Lei 7.716/1989″.

No texto, a OAB ainda afirma que “a cultura brasileira, uma das mais ricas e plurais do planeta, que tem suas diretrizes insculpidas no Art. 215 da Constituição Federal, não pode conviver com quem tem pensamento vinculado ao passado sombrio da história da humanidade, razão pela qual se mostra inadmissível e insustentável a permanência do referido secretário no cargo de tamanho relevo para a nossa sociedade”.

Juristas pela Democracia

A ABJD (Associação Brasileira de Juristas pela Democracia), entidade vocacionada à defesa dos direitos fundamentais, vem a público repudiar veementemente as declarações do atual Secretário Especial de Cultura, Roberto Alvim, feitas em vídeo para o lançamento do Prêmio Nacional das Artes, publicado na página oficial do Ministério da Cidadania e amplamente difundido pelas redes sociais.

A campanha recém lançada, de abrangência nacional, anuncia o investimento de R$ 20 milhões e prevê premiações com critério discriminatório a priori, evocando como balizas de seleção valores como pátria, família, fé, auto sacrifício, luta contra o mal e Deus, consideradas pelo Secretário como única arte a ser valorizada, constitutiva de “uma nova arte nacional” e de “uma nova civilização brasileira”.

Em trechos do pronunciamento, encenado com o fundo musical de ópera de Richard Wagner, compositor sabidamente admirado por Adolf Hitler, Roberto Alvim plagia frase de Joseph Goebbels, ministro da propaganda da Alemanha nazista: “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada”

Para além da caricatura sombria e do trato perverso de Roberto Alvim para com a memória histórica dos que padeceram dos mais graves crimes contra a humanidade – o que deverá lhe render responsabilização à altura – o Prêmio Nacional é completamente inconstitucional, confrontando a ideia de Estado laico/secular garantido pela Constituição, o que impõe, como consequência, atuação de máxima neutralidade possível por parte dos poderes públicos para que sejam garantidas a liberdade e igualdade entre crenças e costumes do povo brasileiro.

Infelizmente, não têm sido raras as manifestações de agentes públicos a desrespeitar o princípio da laicidade do Estado e ofender direitos humanos de modo generalizado, mas a manifestação oficial de um Secretário de Cultura e a elaboração de programa de Estado, de abrangência nacional, difere dos arroubos autoritários disseminados por tweets de governantes, atingindo os critérios de legalidade na destinação do orçamento público.

Trata-se de política de estado flagrantemente inconstitucional. E, pela forma grotesca e intimidatória do anúncio, faz recordar que a legislação brasileira, no artigo 20 da Lei 7.716, de 1989, proíbe “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”. A pena é de dois a cinco anos de prisão e multa.

Ainda que o Secretário não tenha feito uso da cruz suástica, o discurso plagiando o pensamento da propaganda nazista não deixa de ser equivalentemente criminoso.

A ABJD alerta e conclama as instâncias democráticas, tanto no campo político como jurídico, a reagirem contra o delirante e perigoso caminho da discriminação e do sectarismo cultural propagado pelo atual governo, saudoso dos piores tempos vividos pela humanidade. Conclama também a defender a indomável criatividade artística do povo brasileiro que sempre soube combinar o sacro e o laico como formas de manifestação de sua própria liberdade.

Publicado no site Conjur