De Olho no Mundo,por Ana Prestes

A cientista política Ana Prestes analisa os principais fatos da conjuntura internacional com destaque para a advertência da ONU ao Brasil em razão da manutenção da austeridade fiscal no período de pandemia.

O governo brasileiro foi acusado por relatores da ONU de estar promovendo uma política irresponsável durante a pandemia do novo coronavírus. Em um comunicado que saiu ontem (29), foi apontado que o Brasil deveria abandonar as políticas de austeridade mal orientadas e que estão colocando vidas em risco. Deveria também aumentar os gastos para combater a desigualdade e a pobreza acentuada ainda mais pela pandemia. No texto do relatório está: “as políticas econômicas e sociais irresponsáveis do Brasil colocam milhões de vidas em risco”. O texto também valoriza medidas que considera boas, como “a renda básica emergencial, bem como a implementação das diretrizes de distanciamento social das autoridades subnacionais, são medidas de salvamento de vidas que são bem vindas. No entanto, é preciso fazer mais”, diz o texto. Afinal, “quem será responsabilizado quando as pessoas morrerem por decisões políticas que vão contra a ciência e o aconselhamento médico especializado?”, questionam.

Ontem (29), o governo brasileiro, através do Itamaraty, oficializou a expulsão dos diplomatas venezuelanos em serviço no país. A medida ocorre algumas semanas após a retirada dos diplomatas brasileiros que estavam na Venezuela. A condução do processo de rompimento das relações diplomáticas na prática desrespeita a Convenção de Viena e não tem amparo no direito internacional, além de ser uma medida de agressão humanitária em plena pandemia por coronavírus. Quando a ação do Estado brasileiro deveria ser de cooperação e solidariedade.

A OCDE divulgou na terça-feira(28) que a Colômbia se tornou oficialmente o 37º país membro da organização. É o terceiro país da América Latina a participar integralmente do grupo. Até aqui, somente México e Chile tinham assento. O Brasil também pleiteia a entrada na organização e o governo Bolsonaro vem pedindo sistematicamente ajuda dos EUA para o ingresso, mas o processo burocrático nem foi iniciado ainda. Dos latino-americanos, Argentina e Costa Rica estão na frente do Brasil na fila. O desejo de entrada na OCDE é visto mais como um desejo por um título – fazer parte de um seleto grupo de países prestigiados que tem uma sede em Paris. Pois, em termos práticos, há poucas vantagens para o Brasil figurar no grupo. É óbvio que há pontos positivos em estar em mais um mecanismo de cooperação com outros países, mas o Brasil ganharia mais se dedicando apropriadamente aos organismos dos quais já faz parte e que tem abandonado, inclusive financeiramente. A contribuição financeira à OCDE não é pequena. Lembremos que o Brasil, em troca de ter o apoio dos EUA para entrar na OCDE, renunciou ao tratamento especial e diferenciado nas negociações da OMC. Tratamento este reservado a países em desenvolvimento. Neste momento de pandemia, por exemplo, ter tratamento diferenciado na OMC seria vital para o Brasil. Com o mecanismo, o Brasil tinha, por exemplo, mais prazo para cumprir certas determinações e maior margem para proteger produtos nacionais. O Brasil, inclusive já teve retaliações dentro da OMC por conta de sua negociação estranha com os EUA, em que só o Brasil entrega e não ganha nada de volta. A Índia vetou a nomeação de um embaixador brasileiro para negociar questões de pesca, por exemplo. No fundo, os parceiros do BRICS não gostaram nada dessa atitude de Bolsonaro, pois enfraquece o bloco na OMC.

A União Europeia parece não conseguir se mexer muito para fornecer ajuda financeira aos países mais fortemente atingidos pelo coronavírus. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse na semana passada que a UE estava pronta para financiar um fundo significativo de resgate financeiro. “Não estamos falando de bilhões, mas de trilhões”, afirmou ela. Desde então, muitos analistas têm questionado estes números e dizem que não parece algo realista. Onde estaria esse dinheiro? Ele existe? Ou trata-se de mecanismos já existentes no bloco e investimento do setor privado? O formato de materialização dos recursos também é objeto de disputa. Seguindo a divisão que amplamente já comentei aqui nas notas, Alemanha e Holanda são favoráveis a empréstimos aos países mais necessitados, já estes países, como Itália, Espanha e até França, mais atingidos pela covid19, defendem subsídios e transferências financeiras. Na Itália a dívida já era bastante grande antes da pandemia, por exemplo.

A FAO – organização das Nações Unidas para agricultura e alimentação – divulgou um relatório esta semana sobre a situação latino-americana. Segundo o relatório, “a região viu sua segurança alimentar piorar nos últimos anos e essa nova crise pode ter um impacto particularmente severo em certos países e territórios”. O relatório foi encomendado pelo México enquanto presidente pró-tempore da CELAC (comunidade de estados latino-americanos). Segundo a FAO, os países mais atingidos pela insegurança alimentar hoje são El Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, Nicarágua e Venezuela. A agência sugere que os governos declarem alimentos e agricultura como atividades estratégicas e de interesse público nacional. Segundo Julio Berdegue, representante regional da FAO, “é essencial manter o sistema alimentar vivo para que a crise da saúde não se transforme em crise alimentar”.

Com o anúncio da Argentina de se retirar das mesas de negociação do Mercosul, um alerta foi aceso lá do outro lado do Atlântico, na União Europeia. Na verdade, o bloco europeu comemorou quando a Argentina anunciou que continua integrada no processo do acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a UE. O país, hoje dirigido por Alberto Fernández, decidiu se afastar das negociações ainda não concluídas. O porta-voz da diplomacia europeia, Josep Borrell disse: “a União Europeia congratula-se com o contínuo compromisso da Argentina com o Acordo de Associação UE-Mercosul e mantém seu firme compromisso de que o Acordo entre em vigor o mais rápido possível”. A Argentina informou que está fora das negociações de livre comércio do Mercosul com Coreia do Sul, Cingapura, Canadá, Líbano, Índia e outros. Ainda não há consenso jurídico sobre a validade destas negociações sem um membro do bloco.

Por falar em Argentina e Mercosul, os presidentes dos dois países, Alberto Fernández e Louis Lacalle Pou realizaram esta semana (28) uma videoconferência para conversar sobre a decisão argentina de deixar a mesa de negociações de novos acordos de livre comercio do Mercosul. Fernández reforçou que a incerteza internacional fruto da pandemia do novo coronavírus impossibilita o prosseguimento das negociações, já Pou disse que seu governo tem a intenção de fortalecer o Mercosul e precisa manter o avanço das negociações. Ambos concordaram que existem assimetrias importantes intra-bloco. Por fim, Fernández disse que sua intenção “não é deixar o Mercosul, mas antes fazê-lo maior, com mais membros”. O Mercosul atua na base do consenso e todos os membros precisam concordar com qualquer mudança.

O governo uruguaio de Pou encaminhou para o Congresso Nacional com um pacote de projetos de leis, contendo 502 artigos, que contém uma série de medidas polêmicas. O governo pede urgência na aprovação, apesar das leis não terem nada a ver com a atual emergência sanitária por conta do coronavírus. A leitura é de que ele quer aproveitar a dificuldade de mobilização popular de amplos setores da sociedade para aprovar medidas nada populares. Se aprovadas as leis, o resultado será a diminuição do Estado, endurecimento do código penal, redução de programas sociais, privatização de empresas estatais, mudanças profundas na Educação, abertura de uma reforma da previdência. Seria uma reforma neoliberal profunda em forma de pacotes de leis e com a revogação de inúmeras leis aprovadas pelo governo da Frente Ampla nos últimos 15 anos no país.

Falei aqui nas notas de ontem (29) que Trump pode impedir chegada de voos brasileiros por conta do avanço da pandemia no Brasil, mas não coloquei o comentário de Bolsonaro sobre o fato. O presidente brasileiro disse: “eu não concordo com nada nem discordo. O que ele (Trump) achar que tem que fazer no país dele, ele faz”.

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