O fracasso do programa bolsonarista para preservar salários e empregos
Devido ao repasse de apenas R$ 1,6 bilhão para as empresas em um mês e meio – de um total programado de R$ 40 bilhões –, o Congresso já discute com a equipe econômica mudanças no programa para tentar fazê-lo deslanchar
Publicado 21/05/2020 11:14 | Editado 21/05/2020 11:41
No início de abril, a gestão Jair Bolsonaro anunciou o Programa Emergencial de Suporte a Empregos (Pese) com pompa. O governo se gabava da agilidade na elaboração da iniciativa, do alcance em termos financeiros e, sobretudo, da proposta: caberia ao Pese financiar a folha de pagamentos das empresas com recursos do Tesouro Nacional e dos bancos, a fim de conter demissões. Porém, a avaliação é unânime: o Programa Emergencial não decolou – seu desempenho é considerado um “fiasco” dentro do próprio governo.
Devido ao repasse de apenas R$ 1,6 bilhão para as empresas em um mês e meio – de um total programado de R$ 40 bilhões –, o Congresso já discute com a equipe econômica mudanças no programa para tentar fazê-lo deslanchar. Uma das ideias em debate é elevar a garantia do Tesouro de 85% para 100%. Ou seja, o governo assumiria todo o risco de calote das empresas para tirar as amarras dos bancos na concessão do empréstimo.
Uma das poucas medidas do governo para combater os impactos econômicos da pandemia, a linha de financiamento para a folha salarial foi lançada para empresas com faturamento entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões. Uma das inovações alardeadas na ocasião era que o socorro teria contribuição também do setor financeiro, que participou de sua construção.
Dos R$ 40 bilhões programados, o governo aportaria R$ 34 bilhões e as grandes instituições bancárias, R$ 6 bilhões. Esse montante seria usado para bancar dois meses de folhas de pagamentos, com depósitos diretamente nas contas dos funcionários, a uma taxa de juros de 3,75% ao ano, equivalente ao juro básico da economia na época.
Diante do fraco resultado, o Tesouro enviou apenas a primeira metade prometida – de R$ 17 bilhões. A segunda tranche dependerá do comportamento da linha de crédito e das eventuais alterações que o Congresso pretende fazer. E só será repassada se o BNDES, responsável pela operação do programa, demandar o dinheiro.
Os dados do BC mostram que a medida só financiou o salário de 1,1 milhão de trabalhadores. A estimativa inicial era que 1,4 milhão de empresas e 12,2 milhões de pessoas seriam beneficiadas. Para efeito de comparação, a outra medida do governo para proteger o emprego – a redução de jornada e de salários – já atinge 8 milhões de pessoas.
Fontes do governo apontam que a iniciativa não decola por problemas como o engessamento dos bancos e o desenho da medida. As instituições que repassam os recursos estariam, de acordo com um interlocutor, fazendo exigências adicionais às colocadas no programa, em termos de garantias das empresas, liquidez, faturamento e histórico de crédito.
Outro problema seria decorrente da própria concepção do programa, que proíbe a empresa de realizar demissões por dois meses além do período financiado e exige a bancarização, dado que o dinheiro é diretamente depositado na conta dos funcionários, sem transitar pela empresa.
Relator da MP 944, que instituiu a linha para folha, o deputado Zé Vitor (PL-MG) afirmou que deve apresentar, na próxima semana, um parecer para ser votado no plenário sobre ajustes que está promovendo, mas “não tem um texto que obrigue o banco a emprestar”. “Isso não é possível. Talvez caiba aos bancos públicos assumirem o papel de democratizar os empréstimos”, disse.
Ele admitiu a discussão sobre elevação da garantia do governo, que foi defendida ontem pelo presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). Mas disse que é uma questão complexa. Maia, por sua vez, avalia que só assim a medida vai deslanchar, por conta do medo de perda por parte dos bancos.
Um dos pontos que o relator pretende mudar é a vedação a demissões. Assim, a medida criada para proteger empregos continuaria beneficiando as empresas, mas prejudicando os trabalhadores. O deputado também pretende permitir o empréstimo para pagar apenas parte da folha de salários – os demais empregados, que não tiverem os rendimentos bancados pelo programa, não teriam estabilidade e poderiam ser demitidos.
Segundo Zé Vitor, parte dos entraves iniciais já foi corrigida pelo próprio governo, como a exigência de que todos os funcionários recebessem o salário por uma única instituição financeira. A orientação do governo agora é de que a análise do crédito pode ocorrer mesmo que a folha da empresa não esteja na instituição ofertante e, caso o empréstimo receba o aval, os empregados abririam a conta no banco. “Hoje não é mais eliminatório, então não é mais um problema”, disse.
Vitor também destacou que está eliminando “praticamente toda a documentação possível” para facilitar os empréstimos, mas que os bancos continuarão a analisar o histórico da empresa e as condições atuais para decidir se emprestam ou não. O que está em negociação com o governo, segundo o relator, é ampliar o faturamento das empresas que poderão se utilizar do programa. Hoje o teto é de R$ 10 milhões e a ideia é aumentar para R$ 50 milhões. O valor exato ainda está em estudo, disse, para não elevar muito o impacto fiscal da medida – avaliada pelo governo em R$ 34 bilhões.
Também está em debate reduzir o faturamento mínimo para entrada no programa, estabelecido pelo governo em R$ 360 mil, assim como permitir que produtores rurais pessoas físicas e profissionais liberais (autônomos) possam pegar o empréstimo subsidiado para bancarem os próprios salários ou de seus funcionários. Esses pontos também dependem da avaliação sobre o custo orçamentário. Em outras palavras, é como se o governo precisasse de outro programa, muito mais amplo.
Da Redação, com informações do Valor Econômico