Financial Times diz que populismo de Bolsonaro levará Brasil ao caos
Em editorial assinado pelo principal comentarista do FT, jornal diz que a unidade nacional não surgirá enquanto Bolsonaro for presidente
Publicado 25/05/2020 22:47 | Editado 25/05/2020 23:20
Em editorial publicado nesta segunda-feira (25), o jornal Financial Times afirmou que o populismo de Jair Bolsonaro está levando o Brasil ao desastre.
Assinado pelo jornalista Gideon Rachman, principal comentarista de assuntos externos do FT, ele diz ter recordado de uma conversa com um financiador sobre as semelhanças entre Donald Trump e Jair Bolsonaro, ocorrida ainda em 2019 e a descreve.
Trump x Bolsonaro
“Eles são muito parecidos”, disse, antes de acrescentar: “Mas Bolsonaro é muito mais estúpido.” Essa resposta me surpreendeu, disse Rachman, pois o presidente dos EUA geralmente nunca foi conhecido pelo grande intelecto. “Mas meu amigo banqueiro insistiu. ‘Olha’, disse ele. ‘Trump administrou um grande negócio. Bolsonaro nunca passou de um capitão do exército’, recordou.
Gideon Rachman afirma que ter se lembrado do diálogo diante da pandemia. “O presidente do Brasil adotou uma abordagem surpreendentemente semelhante à de Trump – mas ainda mais irresponsável e perigosa. Ambos os líderes ficaram obcecados com as propriedades supostamente curativas da droga antimalárica hidroxicloroquina. Mas enquanto Trump está apenas tomando o produto, Bolsonaro forçou o Ministério da Saúde brasileiro a emitir novas diretrizes, recomendando o medicamento para pacientes com coronavírus”.
“O presidente dos EUA brigou com seus consultores científicos. Mas Bolsonaro demitiu um ministro da saúde e provocou a saída de outro. Trump manifestou simpatia pelos manifestantes anti-isolamento; Bolsonaro participou de manifestações”, aponta a seguir.
Colapso na saúde
Para o comentarista britânico, “infelizmente, o Brasil já está pagando um preço alto pelas palhaçadas de seu presidente – e as coisas estão piorando rapidamente. O coronavírus atingiu o Brasil relativamente tarde. Mas o país tem a segunda maior taxa de infecção do mundo e a sexta maior taxa de mortes pela covid-19. O número de mortes no Brasil, responsável por aproximadamente metade da população da América Latina, agora está dobrando a cada duas semanas, em comparação com o Reino Unido, cuja taxa crescia a cada duas semanas”, diz adiante.
O comentarista também recorda que, no contexto econômico e social do Brasil, essa decisão fará com que o país seja “severamente atingido à medida que a pandemia se acelera”. “O sistema hospitalar de São Paulo, a maior cidade do Brasil, já está perto do colapso. Com grande parte da população vivendo em condições de lotação e sem poupança, o desemprego em massa pode levar a fome e desespero nos próximos meses”, continua.
A culpa é de Bolsonaro?
“Mas é justo culpar Bolsonaro?”, Rachman questiona. “O presidente, que assumiu o cargo em janeiro, obviamente não é responsável pelo vírus – nem pela pobreza e superlotação que a Covid provocam –, uma ameaça ao país. Ele também não foi capaz de impedir que muitos governadores e prefeitos do Brasil imponham bloqueios em seus estados. Mas incentivando seus seguidores a desrespeitar o isolamento e minando seus próprios ministros, Bolsonaro é responsável pela resposta caótica que permitiu que a pandemia saísse do controle”, analisa.
“Como resultado, os danos à saúde e à economia sofridos pelo Brasil provavelmente serão mais severos e mais profundos do que deveriam ter sido. Outros países que enfrentam condições sociais ainda mais difíceis, como a África do Sul, tiveram uma resposta muito mais disciplinada e eficaz”, acrescenta.
E menciona que se a vida fosse um conto de moralidade, as travessuras de Bolsonaro diante do coronavírus levariam o Brasil a se voltar contra seu presidente populista. Mas a realidade pode não ser tão simples”, diz.
Popularidade
“Não há dúvida de que Bolsonaro está com problemas políticos. Seus índices de popularidade caíram e agora estão abaixo de 30%; cerca de 50% da população desaprova sua gestão diante da crise”.
O articulista também afirma que o apoio que Bolsonaro desfrutou dos conservadores tradicionais – que estavam desesperados para ver cair o Partido dos Trabalhadores de esquerda – agora está desmoronando.
Sérgio Moro
Diz ainda que Sergio Moro, seu popular ministro da Justiça que luta contra a corrupção, renunciou no mês passado. As alegações de Moro sobre os esforços do presidente para interferir nas investigações policiais foram suficientemente explosivas para provocar a abertura de uma investigação que poderia levar ao impeachment na Suprema Corte.
Dilma Rousseff
E comenta que, apesar disso, o impeachment no Brasil é tanto um processo político quanto um processo legal. Os delitos que levaram à destituição de Dilma Rousseff como presidente em 2016 foram bastante técnicos. No caso de Dilma, o mais significativo foi o fato dela ter atingido um índice de aprovação de 10% nas pesquisas e a economia ter sofrido uma profunda recessão profunda. Rachman diz que, por ora, Bolsonaro ainda conta com aprovação superior à de Dilma.
“E, embora a economia esteja indubitavelmente caminhando para uma profunda recessão e um aumento no desemprego, sua retórica anti-lockdown pode lhe dar alguma proteção política”, aponta.
Oliver Stuenkel, professor da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo, diz: “O que Bolsonaro quer fazer é se desassociar da crise econômica que se aproxima.”
Polarização
“As medidas de isolamento social que Bolsonaro desmente, podem realmente ajudá-lo politicamente. Eles poderiam impedir as manifestações em massa que deram o impulso ao impeachment de Dilma Rousseff. E tornarão mais difícil para os políticos tramarem e negociarem nas proverbiais ‘salas cheias de fumaça’ – um processo necessário para uni-los para um impeachment bem-sucedido. Conspirar pelo telefone não é a mesma coisa”.
E o colunista afirma: “a unidade nacional não surgirá enquanto Bolsonaro for presidente. No estilo populista clássico, ele vive da política da divisão. O Brasil já é um país profundamente polarizado, onde as teorias da conspiração são abundantes. As mortes e o desemprego causados pela covid-19 são exacerbados pela liderança de Bolsonaro. Mas, perversamente, um desastre econômico e de saúde poderia criar um ambiente ainda mais hospitaleiro para a política do medo e da irracionalidade”, conclui.