Pacientes são abandonados à própria sorte por falta de anestésicos
Inércia do governo federal agrava quadro em hospitais, que sofrem com a falta de medicamentos e equipamentos de proteção individual
Publicado 27/06/2020 10:59 | Editado 27/06/2020 13:39
Com os constantes atrasos do governo brasileiro no repasse de recursos para emergência em saúde pública, o quadro agrava-se em hospitais de todo o país, que sofrem com a falta de leitos de UTI. Leitos que estão vagos, por sua vez, não possuem sedativos e anestésicos para intubar pacientes graves e outros equipamentos de proteção individual. Segundo o Conselho Nacional de Saúde (CNS), no mês passado, o governo repassou apenas 30% dos R$ 39, 7 bilhões destinados a estados e municípios para combate ao coronavírus. Sem o anestésico para a intubação, por exemplo, muitos pacientes acabam morrendo antes de receber o tratamento. Os recursos do Ministério da Saúde transferidos foram reduzidos em quase R$ 2 bilhões entre abril e maio. De um total de R$ 4,2 bi pagos em abril, o valor liberado pelo governo federal despencou para R$ 2,0 bi em junho.
A irresponsabilidade do presidente Jair Bolsonaro e a inércia do Ministério da Saúde prejudicam diretamente o trabalho dos profissionais na linha de frente do combate à pandemia. Se nada for feito, em breve, médicos serão obrigados a escolher quais pacientes receberão o tratamento adequado e quais serão deixados à própria sorte. Estados como Minas Gerais têm baixíssimo estoque de suprimentos e medicamentos. O município de Araxá, por exemplo, teve a retomada das atividades comerciais adiada porque a prefeitura teme uma superlotação nos centros de atendimento. Enquanto isso, casos e óbitos não param de crescer no país. Nesta sexta-feira (26) , o Brasil registrou 55.304 óbitos e já tem 1.244.419 casos da doença, segundo levantamento do consórcio de veículos de imprensa.
A interiorização da pandemia preocupa especialistas de saúde. Mais de 90% do total de municípios brasileiros não possuem leitos de UTI, segundo dados da Fundação Oswaldo Cruz. Ou seja, com o aumento do número de casos no interior – 60% das novas infecções registradas no Brasil na semana passada ocorreram em pequenos municípios – o temor é de uma espécie de efeito ação e reação.
“Existe um efeito bumerangue, o vírus vai para o interior, semeia pelas rodovias, você começa a ter transmissão comunitária, as pessoas ficam doentes, ficam graves, e voltam para a capital para serem atendidas”, alerta o coordenador do Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste, o neurocientista Miguel Nicolelis, em entrevista à agência ‘Reuters’.
Catástrofe
Para o cientista, o quadro que se desenha para as próximas semanas é catastrófico. “Os óbitos numa pandemia como essa têm um atraso em relação ao aumento de casos. A pessoa tem que ficar doente, tem que ficar [em estado] grave e infelizmente, com a gravidade, uma fração falece. Isso leva duas semanas, 20 dias. Esse tsunami de casos… nós vamos ver esses óbitos ocorrer nas capitais e também no interior”, disse.
Para o cientista, ainda possível evitar o pior dos cenários, mas tudo depende de uma mudança na condução do enfrentamento à pandemia.“Dá tempo, mas nós ainda não usamos a estratégia correta, que não é esperar no hospital os casos inundarem o seu hospital, é ir para o ataque, atacar o vírus onde ele nos ataca, na casa das pessoas, nos bairros, nos municípios do interior, nas periferias das grandes cidades, diagnosticando precocemente os casos, isolando as pessoas em equipamentos públicos mesmo antes de desenvolverem sintomas graves, testando as pessoas”, recomendou.
Projeções
De acordo com a última atualização da Universidade de Washington, cujos modelos de projeções do avanço da doença são utilizados pela Casa Branca, o Brasil terá mais de 166 mil mortos até o final de setembro. Em um cenário mais pessimista, com o total abandono das medidas de isolamento e uso e equipamentos de proteção, as famílias brasileiras poderão enterrar até 340.476 entes queridos. Para os EUA, as previsões também são sombrias: segundo cálculos do instituto, o país pode ter hoje mais de 20 milhões de infectados, de acordo com o instituto.
Com maior rigor em relação às medidas de contenção do vírus, o país perderia 135.538 vidas humanas. Ainda de acordo com os cálculos da universidade, a América Latina e o Caribe podem totalizar 438.698 mil vidas perdidas, aponta o Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME, na sigla em inglês).
“Vários países latino-americanos estão enfrentando trajetórias explosivas, enquanto outros estão conseguindo conter [as disseminações]“, disse o diretor do IHME, Christopher Murray. “Nunca é demais enfatizar a importância de medidas das mitigação, como o uso de máscaras e o distanciamento social, especialmente porque os países da América do Sul estão enfrentando infecções crescentes devido à sazonalidade do COVID-19, um fator importante que contribui para a transmissão do vírus”, explicou o cientista ao portal do instituto.
Medidas
Murray observou que o número de mortes irá aumentar em países onde medidas sobre o uso de máscaras e o distanciamento social forem relaxados. O cientista lembrou que a transmissão pode ser reduzida em até 50% nas cidades onde o uso de máscara seja constante.
O pesquisador falou especificamente sobre o caso brasileiro, depois da divulgação da última projeção para o país. “O Brasil está em um momento difícil”, constatou. “A menos o governo adote medidas sustentadas e aplicadas para diminuir a transmissão, o país continuará sua trágica trajetória ascendente de infecções e mortes”, lamentou.
Fonte: PT Nacional