O limite populista de Bolsonaro

O presidente parece ter compreendido o seu limite populista com a ameaça de impeachment soando cada vez mais alto, derrota de sua agenda legislativa na Câmara e as seguidas perdas oriundas do STF.

Foto: Marcos Corrêa/PR

A literatura em ciência política já vem se debruçando há algum tempo sobre o populismo, que não é um fenômeno político novo. Estudos sobre o tema ganharam novo fôlego principalmente a partir da eleição do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, do partido Republicano, em 2016. No Brasil temos um case para chamar de nosso tão logo Jair Bolsonaro foi empossado presidente da República em 1 de janeiro de 2019.

De lá para cá o acumulado de decisões administrativas, declarações públicas, articulações políticas e investigações policiais dão o tom de quais são as principais linhas de governança que o gabinete do executivo de extrema-direita tem se utilizado para conduzir o país.

De maneira geral, a ciência política costuma enquadrar os líderes populistas sob três aspectos básicos: 1) governo do povo, para o povo; 2) o povo é soberano – ou seja, o povo se opõe às elites políticas tidas como corruptas, aqui há um elemento forte do “anti-establishment“; e por fim, 3) possui um caráter antagônico – do “nós contra eles”, fazendo uma distinção moral entre pessoas boas, versus uma elite corrupta ou má.

Não fica tão difícil visualizar em quais desses aspectos Jair Bolsonaro se encaixa, uma vez que o estilo de retórica populista está centrado na representação do povo como um grupo puro, homogêneo. Onde a vontade do povo deve ser o referencial para os políticos, haja vista que os partidos estabelecidos falharam em representar a voz das pessoas comuns. Adotando a estratégia comunicacional do populismo, Bolsonaro definiu o tom conservador como um elo entre os seus eleitores. Com mais de 15 milhões de seguidores nas redes sociais, o presidente vai do golden shower aos ataques a mídia brasileira sem que muito esforço seja preciso.

Governadores, prefeitos, parlamentares e até mesmo o STF, não escapam da retórica populista beligerante do “Messias” que,  insatisfeito com a condução dos governadores na resposta à crise provocada pela Covid-19, fez provocações em tom de ameaça às instituições e à ordem democrática.

Mas diante de um país com dimensões continentais, culturalmente diverso e dotado de um modelo federativo com 26 estados, mais o Distrito Federal, o presidente pode clamar ser o único e verdadeiro representante do povo? Eis aí o erro de Bolsonaro.

Com o mundo atento aos avanços da Covid-19, o chefe do executivo centrou esforços ao seu modelo de política. Rompeu com o ex-ministro Sérgio Moro, símbolo de sua principal bandeira eleitoral contra a corrupção, expôs que gostaria de informações sobre a atuação da Polícia Federal, participou de atos públicos contra as instituições brasileiras e entregou o 23º ministério ao “centrão”.

Ou seja, o principal aspecto identificado até aqui na gestão bolsonarista é o da narrativa antissistema, de um governante criado pelo establishment que age para e pela destruição desse establishment. O que se analisa da prática do governo é justamente o limite explícito da narrativa populista de Bolsonaro, que vocifera digitalmente contra o sistema político, mas que se usufrui dele para diminuir a tensão justaposta e causada pelo próprio mandatário. No twitter existe um governo que criminaliza os partidos políticos, mas nos corredores do congresso negocia com eles.

Além disso, os movimentos antidemocráticos e autoritários observados levam a crer que, aos entusiastas populistas de dentro e de fora do governo, não falta interesse em romper o pacto democrático institucional, falta fôlego para fazê-lo.

Esta ausência de fôlego autoritário se deve a quê? Talvez esse seja o debate contemporâneo mais acirrado dentro da ciência política internacional. Entre os que acreditam que o prejuízo institucional promovido por Bolsonaro já está feito e colheremos, muito em breve, frutos amargos dessas investidas. E aqueles que acreditam que o freio institucional promovido pelo estado democrático tem conseguido conter, à medida do possível, o projeto populista de Bolsonaro.

Steven Levitsky, autor de “Como as Democracias Morrem” aponta que embora Bolsonaro seja uma ameaça à democracia, às instituições brasileiras são fortes para o manter sob controle. Assim temos observado desde o início do seu governo. O Congresso Nacional aprovou o orçamento impositivo; O Supremo Tribunal Federal descentralizou as ações de enfrentamento ao covid-19; Os nove governadores nordestinos, diante das críticas e sanções bolsonaristas, formaram o Consórcio Nordeste para articular os interesses comuns. Restou ao Bolsonaro deslocar o seu tom populista para um tom conciliador e reafirmar que é favorável à democracia, mais por cerco fechado do que por qualquer crença na engrenagem democrática.

Bolsonaro também tem acenado para o eleitorado do Nordeste. Embora tenha perdido nessa região, ele foi vitorioso na maioria das capitais nordestinas. De tom jocoso no passado, Bolsonaro, hoje, prefere enaltecer a cultura nordestina em suas lives. O presidente parece ter compreendido o seu limite populista com a ameaça de impeachment soando cada vez mais alto, derrota de sua agenda legislativa na Câmara e as seguidas perdas oriundas do STF.

Não nos parece, neste momento, que o enquadramento institucional que o governo federal sofre seja um indício de processo de impeachment, analisadas as movimentações do STF, dos presidentes da Câmara e do Senado e de setores populares. A pressão exercida sobre o projeto autoritário do bolsonarismo tenta recolocar Bolsonaro ao eixo democrático, em vez de removê-lo. Da mesma forma, o embate cotidiano com a imprensa denota uma gestão beligerante, que mesmo depois de 18 meses de mandato não consegue encontrar um ponto estável de governabilidade.

Enquanto Bolsonaro parece tentar se adequar as instituições, elas seguem  formalmente com os seus freios e contrapesos, ao passo que os cientistas políticos analisam se estão ou não funcionando, em que pese o limite institucional que foi imposto ao  presidente. Este, por sua vez, corre para fazer parte do establishment político como candidato viável em 2022, acirrando sua narrativa, consolidando uma parcela do eleitorado brasileiro mais conservador e se habilitando como liderança política capaz de sustentar o movimento antipetista no Brasil.

Publicado originalmente n’O Estado de São Paulo

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