Proposta de reforma do governo não resolve regressividade tributária
O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem a intenção de criar um imposto sobre pagamentos eletrônicos.
Publicado 15/07/2020 16:57 | Editado 15/07/2020 18:17
O Ministério da Economia fechou sua proposta de reforma tributária e nela estariam inclusas a unificação de tributos federais, como PIS/Cofins, em uma Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e a criação de um imposto sobre serviços digitais – que incidiria sobre pagamentos eletrônicos – para compensar a desoneração da folha de pagamentos.
Nesta quarta-feira (15), o blog do jornalista Valdo Cruz, comentarista da GloboNews, publicou que o texto será enviado à Casa Civil até sexta-feira (17). Com isso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, busca evitar que o Congresso derrube o veto de Jair Bolsonaro à prorrogação da desoneração da folha até o fim de 2021, já que avalia que haverá impacto fiscal sem compensação.
A pedido do Portal Vermelho, a assessora da Rede de Justiça Fiscal da América Latina e Caribe, Grazielle David, analisou as premissas da reforma que estaria sendo proposta pelo governo. Segundo ela, mantidos os pontos anunciados até agora, a reforma não toca no principal problema da carga tributária brasileira, que é a regressividade – quem ganha menos, é mais onerado.
O ideal é que a carga tributária seja progressiva, ou seja, quem tem mais contribui com mais. No Brasil, no entanto, a tributação incide principalmente sobre o consumo (quase 50% da arrecadação do país), enquanto a média nos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) não passa de 32%. Já a tributação sobre a renda está na faixa de 20% no Brasil e chega a 40% na OCDE. Como todos consomem bens e serviços, tributar o consumo em detrimento da renda acaba pesando sobre o poder de compra de quem ganha menos.
“A priori, o governo pretende juntar alguns tributos federais no formato de imposto e juntar o que hoje são contribuições no formato de contribuição. Em si isso não é ruim. Mas vai deixar a estrutura tributária menos regressiva? Não. Ainda mais porque o governo pretende reduzir os tributos sobre folha [de pagamento] e transferir para esse outro tributo. Para garantir progressividade mesmo tem que mudar a composição da carga, sair dos tributos regressivos e ir para os progressivos”, afirma.
Segundo David, a maneira de fazer isso é reduzir as alíquotas dos tributos regressivos e aumentar os tributos diretos sobre renda e patrimônio. Ela ressalta, no entanto, que é interessante a intenção de manter uma fonte de financiamento para a seguridade social – no caso, a CBS.
Com relação à possibilidade de criar um imposto sobre serviços digitais, que incida sobre pagamentos eletrônicos – nos moldes, portanto, da extinta Contribuição Provisória sobre Movimentações Financeiras (CPMF) – ela ressalta que a tributação da economia digital é um assunto que vem sendo discutido em todo o mundo.
“As empresas digitais são empresas que estão lucrando muito, principalmente nesses tempos de pandemia, em que as pessoas estão fazendo mais compras online. Mas a tributação não tem que vir sobre o consumo, penalizando os consumidores mais uma vez e mantendo a estrutura regressiva”, defende. Segundo a assessora, os lucros dessas empresas também deve ser tributado.
Tudo indica, no entanto, o imposto sobre pagamentos eletrônicos proposto por Guedes deve sim atingir consumidores. “Nesse molde que está sendo dito, quem vai ser tributado é o consumidor. Já que [o imposto] é sobre transações financeiras e o pagamento para esses serviços digitais é feito com cartão de crédito online, eles devem fazer as tributações em cima do pagamento”, acredita.
Grazielle David destaca que para tributar o lucro das empresas digitais, o governo precisa primeiro regular a economia digital no país. “Essa pauta de tributação internacional, mecanismos de tributação de empresas digitais e multinacionais, é muito importante. O mundo está debatendo e, no Brasil, o debate da economia digital está vindo através do consumo, que é só uma parte”, diz.