EUA querem barrar membros do PC da China. Quem são eles?

Texto de Paul Mozur no New York Times procura rastrear quem seriam os 90 milhões de membros do Partido Comunista da China, a partir dos estereótipos dos próprios americanos sobre comunismo.

Os delegados participantes do 13º Congresso Nacional do Povo, no Grande Salão do Povo, em Pequim, em maio.

Com mais de 90 milhões de membros e liderado por Xi Jinping, o partido engloba pessoas no alto do poder chinês e funcionários públicos da vida cotidiana.

Em mais uma bravata meio inconsequente, o governo Trump anunciou uma proibição de viagem contra os membros do Partido Comunista chinês e seus parentes, o que significaria cortar um vasto setor da sociedade chinesa – 92 milhões de pessoas – que frequentemente desafiam estereótipos, incluindo aqueles que andam pelos corredores do poder em Pequim, supervisionam as escolas da China e administram grandes empresas.

Excetuá-los mudaria a topografia do relacionamento EUA-China da maneira mais prosaica: cortaria um grande número de chineses comuns que, nos tempos de pandemia pré-coronavírus, viajavam aos Estados Unidos aos milhões para fazer negócios, visitar lugares, fazer compras em lojas de departamento sofisticadas e estudar em algumas das universidades de elite do país.

Bloquear os membros do partido não apenas desativaria uma torneira econômica para os Estados Unidos, mas também mergulharia o relacionamento entre as duas maiores economias do mundo em uma nova fase de isolamento mais profundo. 

Quem são os membros do Partido Comunista? O correspondente na Ásia tenta estabelecer alguns parâmetros para descrevê-los. Alguns realistas, outros típicos de mentalidade de guerra fria, que não entende o modelo de socialismo implantado pelo Partido naquele país, nem sua evolução histórica.

Alguns membros do Partido Comunista seriam os apparatchiks obstinados do estereótipo comunista; outros não. Mozur imagina membros dos altos cargos governamentais conspirando contra a paz mundial e maquinando maldades inimagináveis contra a liberdade e o livre pensamento.

Ele também menciona o que chama de “dissidentes” que vieram do partido. Li Wenliang, que teria denunciado um vírus misterioso surgido na China e acabou morrendo de covid-19. Ele imagina a polícia política interrogando-o. O economista uigur Ilham Tohti, vencedor do prêmio Sakharov, também seria um desses nobres dissidentes do partido.

Ele cita estatísticas recentes que mostraram que 12,3 milhões dos membros do Partido têm 30 anos ou menos, cerca da metade tem diploma de faculdade ou universidade e 27,9% são do sexo feminino. Muitos membros do partido também oferecem serviços de assistência à infância, administram escolas, gerenciam empresas de tecnologia, organizam limpezas na praia, atuam em filmes de grande sucesso e fazem contato com cidadãos chineses mais velhos. Ao lado deles, acadêmicos, cientistas e empresários – botes salva-vidas para uma relação econômica EUA-China que persistiu, apesar dos laços azedos.

Para aqueles que não estão no topo do poder, o escritor do NYTimes considera que sua participação no Partido tem motivações carreiristas. Uma maneira de alimentar a carreira, fazendo as conexões certas. Durante os anos de expansão, entre os anos 1980 e o início de 2010, muitos chineses teriam se juntado ao Partido para obter uma vantagem nos negócios, nos estudos e nas artes.

Fundado em 1921, o Partido Comunista comanda a política na China desde que venceu uma guerra civil contra os nacionalistas da República da China em 1949. Apesar da orientação ideológica marxista clara e enfatizada pelo governo, Mozur imagina que, nas últimas décadas, o Partido teria emergido como um bastião de tecnocratas que exercem políticas industriais e estreitam os laços com os negócios para enfatizar o crescimento econômico. Além de continuar seu domínio totalitário, naturalmente. 

Para o NYTimes, o Partido Comunista nada mais seria que um grupo de negócios disfarçado de marxistas. “Os membros devem participar de sessões de estudo de alta teoria, às vezes com o poder de rastreamento de aplicativos para monitorar seus hábitos de leitura”, delira o jornalista.

A reportagem também aponta Xi como um líder que desestimulou a adesão ao partido ao promover uma repressão feroz à corrupção. Ele também tornou o processo de seleção mais rigoroso: o que antes era uma formalidade monótona se tornou mais difícil e seletivo. Os candidatos seriam submetidos a uma investigação e uma bateria de testes e entrevistas, antes de anos de espera pela associação plena.

O poder e os símbolos do Partido Comunista da China pairam dentro de empresas e outras organizações, e novas e mais brilhantes placas de foice e martelo surgiram em centros comunitários em vilas e cidades de todo o país.

Dentro das multiplicidades do Partido, há livros e playgrounds para crianças. Mas, segundo a reportagem, a “vigilância” permeia a sociedade, com autoridades monitorando cuidadosamente os acontecimentos locais, relatando problemas políticos através de bancos de dados.

Os comitês do partido, antes cerimoniais e inativos em empresas privadas, segundo Mozur, ganharam novos poderes. Muitos altos executivos, como Jack Ma, co-fundador do Alibaba, são membros. No exterior, a estrutura do partido ajudou a unir instituições que realizam campanhas de influência para angariar apoio à China.

Com os membros do partido formando uma enorme parte da sociedade na China, Mozur avalia que o partido perdeu os registros de seus membros. Xi, ao tentar revitalizar o partido, foi atrás de inúmeros membros que não pagam contribuem há anos.

Se até Pequim está lutando para rastrear os 92 milhões de membros do partido e suas famílias, diz o correspondente, não está claro que os Estados Unidos poderiam fazer um trabalho muito melhor se decidir executar sua proibição de viajar. Especialistas alertaram que o projeto de proibição seria praticamente impossível de aplicar em larga escala.

Mesmo assim, os Estados Unidos poderiam estabelecer novos mecanismos pelos quais o Departamento de Estado e o Departamento de Segurança Interna pudessem acompanhar mais de perto os membros do partido. Vários cidadãos chineses que viajaram recentemente para os Estados Unidos disseram que não se lembravam de ter sido questionados sobre a afiliação partidária. Embora alguns pedidos de viagem do Departamento de Estado perguntem explicitamente.

Qualquer nova regra também seria mais fácil de aplicar a líderes políticos chineses mais proeminentes e suas famílias. Filhos dos principais líderes podem ter dificuldade para entrar nos Estados Unidos se o pedido for assinado. A filha do presidente, Xi Mingze, por exemplo, frequentou Harvard sob um pseudônimo há vários anos.

No entanto, se for rigorosamente aplicada, a proibição de vistos poderá dificultar a vida de muitos outros. Estudiosos e empresários que visitam regularmente os Estados Unidos podem ter que divulgar sua associação ou correr o risco de entrar em conflito com leis que punem a falsificação de pedidos de visto.

Uma porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Hua Chunying, chamou a possível ação do governo Trump de “muito patética”.

“O que resta dos Estados Unidos, como o país mais poderoso? Que tipo de impressão ele deseja deixar para o mundo? Esperamos que os Estados Unidos parem de fazer coisas que não respeitem as normas básicas das relações internacionais. ”

Mozur conclui dizendo que a ameaça dos EUA sozinha poderia impedir que muitos viessem para o país, mas faria muito para promover conferências de negócios e outros eventos que incluem americanos e chineses em outros países – como o Canadá.

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