Leilão do 5G é questão nacional, não dos Estados Unidos

A questão nacional não pode ser uma bandeira que poucos seguram. Sua defesa não pode ser feita por um exército de poucos soldados.

A ameaça do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman, sobre a participação da empresa chinesa Huawei no leilão do 5G, que deve acontecer no ano que vem, mereceria uma dura resposta. Segundo ele, em entrevista ao jornal O Globo, a participação da gigante chinesa de telecomunicações deve fazer com que empresas “baseadas na propriedade intelectual” evitem investir no Brasil.

A acusação de que a China pretende usar a empresa, que é privada, para espionagem foi rebatida pelo cônsul chinês no Rio de Janeiro, Li Yang. Segundo ele, os Estados Unidos estão contra a Huawei porque ficaram para trás no setor, no qual as demais companhias de peso são europeias e sul-coreanas. Na verdade, o pano de fundo é a guerra comercial e tecnológica movida pelo governo do presidente Donald Trump contra a China.

Além do desrespeito à soberania nacional, as declarações do embaixador põem o Brasil numa intriga internacional de graves consequências. Uma análise intitulada “A Loucura da dissociação da China” – escrita por Henry Farrell, professor em ciência política e assuntos internacionais na Universidade George Washington; e Abraham Newman, professor da Escola de Serviço Estrangeiro Edmund A. Walsh e do Departamento de Governo da Universidade Georgetown – mostrou a verdadeira natureza dessa guerra movida pelos Estados Unidos.

Sistemas de inovação

O texto, segundo a agência de notícias chinesa Xinhua, mostra que será impossível separar completamente as economias das duas potências. A suposta dissociação restringiria as relações econômicas norte-americanas não apenas com a China, mas com o resto do mundo. “Os esforços descuidados para suspender as dependências arriscadas da China podem acabar cortando relações econômicas importantes e saudáveis não apenas com esse país, mas com o resto do mundo”, disseram eles no artigo.

De acordo com os dois professores, a economia chinesa “não é um organismo discreto que pode ser facilmente separado da economia global, mas sim um gêmeo siamês, conectado por tecido nervoso, órgãos comuns e um sistema circulatório compartilhado”. Segundo os autores, o bloqueio ao acesso da Huawei à tecnologia dos Estados Unidos pode apenas incentivar as empresas estrangeiras a redesenhar suas cadeias de suprimentos em torno de tecnologias não norte-americanas.

Empresas e países estrangeiros “podem decidir que eles podem minimizar melhor os riscos por meio de limitar seus contatos com a economia dos Estados Unidos”, acrescentaram. “Tirar a China do sistema de inovação dos Estados Unidos, em outras palavras, provavelmente levará a China a tirar os Estados Unidos do seu sistema de inovação e poderá fazer com que aquele país também percam o acesso a outros sistemas de inovação”, disseram eles.

Problema do Estado

Para o Brasil, esses alertas têm grande importância. Como uma das principais economias do mundo, o acesso à tecnologia deveria ser tratado como questão nacional. Essa é a régua essencial que mede o progresso de um país, ao contrário das patetices panfletárias do bolsonarismo sobre sua diplomacia subordinada aos interesses do regime da Casa Branca.

A verdade é que por trás das falácias de Bolsonaro e seus asseclas estão entreguismos desbragados. E isso impõe a ênfase na defesa de um projeto nacional capaz de reunir as forças políticas necessárias para a sua concretização. Mudança, em política, implica numa busca pela hegemonia no processo de governar. A tática, vale a pena insistir, tem de ter como centro a questão nacional — que deve determinar todo o espectro da intervenção progressista no processo político brasileiro.

E isso nos remete ao problema do Estado, que deve ser visto como instrumento para atender aos interesses da nação, e não atentar contra eles, fato que indica claramente que uma política de alianças para essa hegemonia só pode ser ampla e diversificada — cuja forma seja capaz de atender o objetivo a ser atingido em cada momento.

Exército de poucos soldados

A extensão que a crise adquiriu, com o agravamento das condições sociais, já chegou a impasses políticos. Esse quadro requer, portanto, alternativas realistas, um pacto político-social capaz de mobilizar a esperança que levará à mudança de rumo. É, sem dúvida, uma engenharia de grande envergadura, que exige flexibilidade tática para fazer os objetivos encadear sempre na perspectiva da solução preconizada, acompanhando a vida e suas nuances.

O dilema do Brasil hoje, por exemplo, tem forte inflexão econômica. É impensável um país aberto comercialmente ao chamado Primeiro Mundo se este continua fechado ao Brasil. A busca de uma saída para a crise, portanto, torna possível um primeiro passo em direção a esse pacto nacional de forças amplas e diversificadas. Ou seja: a questão nacional não pode ser uma bandeira que poucos seguram. Sua defesa não pode ser feita por um exército de poucos soldados.

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