A saída é pela indústria, por Alex Custodio

A história mostra que só temos a ganhar quando governantes, parlamentares, empresários, trabalhadores e o conjunto da sociedade civil se unem para trabalhar na mesma direção

Fábrica da Fiat, em Betim: marco da descentralização

Betim viveu uma mudança histórica a partir da década de 1970. De região rural e pobre, com 40 mil habitantes e empregos precários, a cidade se projetou como um dos principais centros industriais da América Latina. No auge, em 2010, seu PIB (Produto Interno Bruto) figurou entre os 15 maiores do Brasil. O setor metalúrgico, sozinho, chegou a empregar 50 mil trabalhadores. A população betinense cresceu 11 vezes, beirando a marca de 440 mil moradores em 2019, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

A trajetória vitoriosa de Betim, impulsionada pelo sucesso de seu projeto urbano-industrial, é farta em exemplos e ensinamentos. Não teríamos ido tão longe sem o envolvimento de tantos segmentos da sociedade – o Poder Público, a iniciativa privada, as universidades e as escolas técnicas, os sindicatos, a imprensa e outros. Todos desafiaram o senso comum, miraram no progresso e revolucionaram Betim.

O sonho de atrair o setor automotivo à cidade esbarrava em desconfianças. Em artigo publicado em 2006 na revista Quatro Rodas, Anderson Netto Vieira lembra que, nos anos 70, Minas Gerais estava completamente fora do radar da indústria automobilística. “O impulso óbvio era ir para o ABC, em São Paulo, que abrigava 11 das 12 fabricantes de carros e 90% da indústria de autopeças. Além disso, a 70 quilômetros da capital paulista está o porto de Santos, fundamental para escoar a produção”, escreve Anderson. Como Betim e Minas conseguiram, então, vencer as resistências e ganhar a confiança de uma das maiores montadoras do mundo?

A exemplo do que ocorreu nas negociações para viabilizar uma refinaria da Petrobras, a Recap, em Betim, o Poder Público teve de se envolver direta e decisivamente. Após anos de conversas e tratativas, o presidente da Fiat, Giovanni Agnelli, e o governador mineiro, Rondon Pacheco, assinaram em 14 de março de 1973, o Acordo de Comunhão de Interesses entre Fiat e Governo do Estado. Era uma espécie de “certidão de nascimento” da indústria automobilística em Minas.

Para desembarcar no País, a Fiat recebeu um apoio público sem precedentes. Os governos estadual e municipal ofereceram incentivos fiscais, além da infraestrutura urbana necessária, como redes de água, energia e telefonia, a abertura de ruas e rodovias, etc. O estado foi além e virou sócio do projeto, com mais de 40% de participação. O governo federal, sob o autoritário regime militar, também deu carta branca. Firmada a parceria da Fiat com União, estado e município, a construção da planta se estendeu por dois anos, até a inauguração da fábrica, em 9 de julho de 1976.

Se antes a falta de oportunidades levava muitos betinenses a procurarem empregos até em outras cidades, tudo mudou com a chegada do setor automotivo. “Foram trabalhar em Betim pessoas do Brasil inteiro. A preferência era para quem tivesse curso técnico. Como muitos eram de fora, centenas de ônibus levavam e traziam os funcionários”, relatou Anderson Netto Vieira na Quatro Rodas. Segundo a matéria, “era preciso mão-de-obra especializada, que não havia em Minas. O jeito foi qualificar o pessoal. Dos 9 mil empregados iniciais, boa parte foi treinada nas fábricas da Argentina e da Itália”.

Do ponto de vista empresarial, a Fiat não teve motivo para se arrepender da aposta. Da fabricação inicial do Fiat 147 à recente produção da Nova Strada 2021, a planta de Minas se tornou, entre todas as fábricas da montadora, a que mais produz automóveis no mundo. Depois da Fiat, Betim passou a abrigar uma cadeia quase completa de autopeças, com dezenas de fabricantes – as chamadas “empresas fornecedoras”. Mais do que nunca, a indústria virou o motor do crescimento e do desenvolvimento da cidade.

A crescente demanda por operários qualificados estimulou a criação de cursos técnicos e universitários. Ao mesmo tempo, esses trabalhadores passaram a se organizar mais e a cobrar melhores condições de trabalho nas fábricas. Em 1976, no rastro da inauguração da Fiat e do grande crescimento da base de trabalhadores, a categoria transformou a Associação dos Metalúrgicos de Betim numa entidade sindical. Assim nasceu o Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Metalúrgica, Mecânica e de Material Elétrico de Betim (atual Sindicato dos Metalúrgicos de Betim e Região).

Peça-chave para entendermos o progresso da cidade, o Sindicato trilhou uma história singular de lutas em defesa dos trabalhadores. A Fiat, apesar dos incentivos e dos lucros, falhou com seus funcionários e abusou das práticas antissindicais. Esteve sempre entre as líderes de produção e vendas de automóveis no Brasil – e, mesmo assim, pagava um dos piores salários do segmento das montadoras, bem como uma PLR (Participação nos Lucros e Resultados) abaixo da média nacional. Em permanente desrespeito à Constituição e às leis trabalhistas, atacou o Sindicato de diversas formas – dificultando as negociações, perseguindo e demitindo dirigentes sindicais, proibido trabalhadores de se sindicalizarem e até de receberem o boletim da entidade.

Na saga da indústria em Betim, os metalúrgicos tinham tudo para ser o elo ignorado, marginalizado, entregue à própria sorte. A fundação do Sindicato dos Metalúrgicos foi, portanto, essencial para responder a essa injustiça, conquistar direitos e melhorar, ano após ano, as condições de trabalho. Um dos frutos de nossa combativa atuação foi a Convenção Coletiva do Trabalho, uma das mais amplas do Brasil, com 95 cláusulas. Os direitos e benefícios adquiridos pelos metalúrgicos da região superam patamares determinados pela legislação.

Contra o histórico de práticas antitrabalhistas e antissindicais da Fiat, o Sindicato ajudou a indústria em Betim a ser uma referência daquilo que a OIT (Organização Internacional do Trabalho) chama de “trabalho decente”. Sem contar os serviços que o própria Sindicato oferece – na área jurídica, na saúde, no esporte, no lazer, em convênios e parcerias. A presença da representação dos trabalhadores é a garantia de que o ciclo virtuoso da indústria se complete.

Atualmente, a exemplo de Minas e do Brasil, Betim sofre com a pior das crises econômicas – e a indústria é um dos setores mais atingidos. É preciso enfrentar e superar o longo processo de desindustrialização, o desmonte de áreas estratégicas da economia brasileira (como o setor naval e a engenharia), a política ultraliberal, anti-industrial e antitrabalhador do governo Jair Bolsonaro, a perda de competitividade da nossa indústria no mercado global, a crise de crédito e, claro, a pandemia do novo coronavírus.

A história mostra que só temos a ganhar quando governantes, parlamentares, empresários, trabalhadores e o conjunto da sociedade civil se unem para trabalhar na mesma direção. A indústria em Betim, subestimada lá no início, é um exemplo de proeza que foi fruto da convergência de vários interesses. Necessitamos de um grande pacto, uma grande frente, por mais indústria e mais empregos.

Não sairemos da crise – nem retomaremos o rumo do crescimento, da geração de emprego e do desenvolvimento – se continuarmos a fugir de nossa responsabilidade. A saída é pela indústria. Vamos honrar a história de Betim!

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