“Eu avisei”: ascensão e queda de Wilson Witzel

Azarão no pleito, Witzel venceu com o discurso contra a corrupção e o crime, mas perdeu a credibilidade com más escolhas na segurança.

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Quando saiu o resultado do primeiro turno das eleições de 2018 no Rio de Janeiro, muitos se perguntavam: quem é Wilson Witzel? Aqueles que acompanharam a apuração ao lado de Eduardo Paes, tido como favorito no pleito, contaram que ele estava incrédulo – e não só ele.

Entre tiros na cabecinha e cosplay de polícia, Witzel foi eleito governador do Rio e celebrado. Mas agora, na metade do mandato, a mesa virou. Abandonado por aliados e investigado por desvios na saúde em meio à pandemia, ele luta contra seu impeachment. Um dos seus apoiadores bem que avisou.

Witzel, fuzileiro de primeira viagem que prometeu lutar contra a corrupção e abater “bandidos“, está com a corda no pescoço. A demissão da subsecretária de Gestão da Atenção Integral à Saúde e de seu chefe de gabinete, em abril, acendeu o pavio da crise. Eles divergiam da conduta do então subsecretário de Saúde, Gabriell Neves, nas compras sem licitação para enfrentar o coronavírus.

Em poucos meses, a coisa descambou de tal forma que o agora ex-secretário estadual de Saúde e chefe de Neves, o policial militar Edmar Santos, está preso e já fechou delação premiada. O cenário parece especialmente delicado quando vemos que Flávio Bolsonaro, um ex-aliado decisivo para a vitória de WW, também está no fio da navalha.

O governador foi perdendo o apoio não só da base política, mas de quem votou nele e fez campanha por acreditar que um ex-juiz federal não faria mais do mesmo. “Eu acreditei que ele promoveria a ruptura com o amadorismo e a improbidade, mas…”, me disse o coronel da reserva Wanderby Braga de Medeiros, que articulou a campanha de Witzel junto ao oficialato da Polícia Militar do Rio. “Achei até mais vigorosa a proposta do que na época da Denise Frossard”, disse ele, se referindo à primeira juíza a enquadrar o jogo do bicho como crime organizado e a condenar grandes bicheiros à prisão.

A decepção veio a galope

“O primeiro estalo veio com a mudança abrupta e inesperada na escolha do nome para o Comando da PM”, disse Medeiros, sem esconder o desapontamento, inclusive com si próprio, por ter acreditado no candidato.

Witzel já tinha feito o convite ao coronel Victor Yunes para o cargo. A indicação caiu nos 45 do segundo tempo. A bola ficou com Rogério Figueredo de Lacerda, ex-comandante do 18º Batalhão, em Jacarepaguá. Durante a gestão de Figueiredo de Lacerda no 18º, as mortes cometidas por policiais triplicaram na área.

“Ele não colocou nada em prática”, reclama Medeiros. De fato, a recriação da Secretaria de Polícia Militar foi a única das oito demandas da carta de intenções endereçada por oficiais da PM à Witzel que foi atendida. O documento, que obtive com exclusividade, foi assinado pelo coronel Marlon Jorge Teza, presidente da Feneme e pelo coronel Carlos Fernando Ferreira Belo, presidente da AME-RJ, e foi entregue ao então candidato Wilson Witzel, na tarde do dia 24 de outubro de 2018, em uma reunião que aconteceu no centro do Rio, em clima para lá de amistoso.

 “Apostei nesse candidato e empenhei minha palavra com a oficialidade para lotarmos nossa Associação para recebê-lo e, aos poucos, fui percebendo que ele não só não resolveria os problemas herdados, mas poderia agravá-los”, lembra Medeiros, que apresentou Witzel a Teza, presidente da Federação Nacional de Oficiais e que organizou a entrega da carta. Medeiros é vice-diretor regional da Federação.

Ainda em 2019, Witzel enfrentou uma crise no setor militar, que é tão caro a Medeiros – e aos fluminenses. Em novembro, uma operação prendeu cinco policiais do setor de inteligência da PM. De acordo com a investigação, eles extorquiam comerciantes, roubavam lojas e recebiam propina para fazer vista grossa à pirataria. O coronel que comandava o setor, Rubens Castro Peixoto Júnior, caiu.

Naquele dia, Witzel recebeu uma mensagem enxuta de Medeiros, às 8h56 da manhã: “Avisei.” Não houve resposta.

Cerca de dois meses antes, Medeiros, incansável, havia enviado para o governador uma matéria do jornal O Dia, que mostrava o coronel Rubens Castro Peixoto Júnior no camarote do bicheiro João Carlos Martins Maia, conhecido como Joãozinho King, na Sapucaí, com a esposa. Peixoto fora indicado pelo secretário de Polícia Militar, Figueredo de Lacerda, ao cargo de subsecretário de Inteligência da PM. Ambos comandaram o mesmo batalhão, o 18º. Joãozinho King e o agente penitenciário Antonio Carlos de Oliveira Júnior foram acusados de matar o policial civil Marcelo Bittencourt Luz, em 2011. O bicheiro e seu segurança foram absolvidos dois anos depois.

“Espero, sinceramente, que o sr. promova em sua gestão medidas que imprimam incontestáveis marcas de probidade e austeridade à minha corporação”, dizia a mensagem, que também ficou sem resposta.

A amizade acabou

Até então muito próximos, as comunicações entre Witzel e Medeiros pelo WhatsApp foram ficando escassas. O tom de cobrança não agradava Witzel. Em março, o coronel disse à Witzel que ações iguais não poderiam ter resultados diferentes. Medeiros se referia à operação que resultou na morte do soldado Venerando, na Rocinha, no início daquele mês. Uma ação como outras, realizada sem muito planejamento ou inteligência. Witzel chegou a ir no enterro do militar.

As cobranças sobre as promessas de campanha se tornaram insuportáveis para Witzel. Medeiros recebeu um chega para lá em 30 de abril, depois de mandar uma mensagem para o governador, na qual dizia que a gestão de Witzel tinha uma “mescla de más escolhas, alianças suspeitas e improbidade”. Apesar do desânimo, Medeiros disse que ainda acreditava numa mudança, que ainda haveria tempo.

Nunca mais se falaram, e a mudança que Medeiros achou que poderia surgir não veio.

A perda de Medeiros como aliado é um exemplo de como Witzel foi minando sua base de apoio com decisões políticas destoantes de suas propostas. O ex-juiz federal, que diz nunca ter desviado do caminho da lei, cercou-se de gente como Allan Turnowski, ex-chefe de polícia acusado de corrupção e de envolvimento com bicheiros e milicianos que hoje chefia o Departamento Geral de Polícia da Capital.

O depoimento de Orlando Oliveira Araújo, o Orlando Curicica, miliciano que chegou a ser acusado de mandar matar Marielle Franco, coloca mais pedras no caminho de Witzel. No depoimento revelado pela revista Piauí, Curicica conta que conheceu e fez negócios com a cúpula da segurança pública no Rio, dentre eles Turnowski, Marcus Vinicius Braga, secretário de Polícia Civil, e Figueredo de Lacerda. Curicica também é o nome do bairro da zona oeste do Rio, coberto pelo 18º Batalhão de Polícia, outrora chefiado por Figueredo de Lacerda e Castro. Em junho do ano passado, o MP achou mensagens no celular de Orlando Curicica que revelam elo da milícia e o batalhão de Jacarepaguá.

Figueredo segue no cargo, bem como Turnowski. Braga, rodou. Abandonado, o governador já enfrenta dez pedidos de impeachment, e os deputados estão com pressa. Inicialmente impedidos pelo STF de seguir com o processo, criaram uma nova comissão, como exige a Justiça, para analisar os gastos da pandemia.

Os ritos do impeachment foram analisados pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, e não pelo STJ, responsável pelos processos criminais envolvendo governadores. O PGR deu parecer favorável à retomada do processo pela Assembleia Legislativa do Rio.

O Rio de Janeiro é muito pequeno.

Publicado originalmente no The Intercept Brasil

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