Masculinidade branca autoritária como estratégia de debate de Trump

Embora Pence tenha parecido o oposto sereno do Trump valentão, o sentido dominante e autoritário contra a vice de Biden permaneceu para enfatizar a autoridade do patriarca branco sobre a mulher negra.

Trump em debate com Biden

Após o debate entre a senadora Kamala Harris e o vice-presidente Mike Pence, os comentaristas compararam a atitude reservada de Pence com a beligerância que o presidente Donald Trump exibiu em seu debate com o ex-vice-presidente Joe Biden na semana anterior.

Deirdre Walsh, editora da rede NPR Congresso, afirmou que o estilo de debate de Pence era um “quase polo oposto ao do presidente”. O colunista conservador do New York Times, Christopher Buskirk, chamou Pence de “calmo, profissional, competente e focado”, alegando que ele era “em certo sentido, a resposta a todas as críticas dirigidas a Trump após o último debate”. Anthony Zurcher, da BBC, afirmou que o “estilo tipicamente calmo e metódico de Pence serviu como um contraponto estável à agressão anterior de Trump.”

Esses estilos aparentemente díspares, no entanto, são os dois lados da mesma moeda – manifestações de uma versão particular da masculinidade branca autoritária que assumiu o governo do Partido Republicano, desde que se tornou o partido de Trump.

Esses estilos não apenas perpetuam suposições sexistas sobre liderança, mas também são fundamentalmente antidemocráticos, porque tentam silenciar a dissidência, encerrar o debate e restringir a participação de qualquer pessoa com quem discordem em nossa democracia.

Os estilos de debate aparentemente díspares de Trump e Pence ocultam abordagens e agendas semelhantes.

Um sistema injusto

A masculinidade branca autoritária é uma versão da autoridade patriarcal que se afirmou na política dos Estados Unidos em conjunto com a ascensão de Donald Trump. Ele assume que os homens brancos heterossexuais são mais adequados para a liderança e classifica a liderança política de mulheres e pessoas de cor como inautêntica – por exemplo, o “movimento birther” (que questionava a nacionalidade de Barak Obama) – ou ameaçando – por exemplo, “encurralá-la”.

A presidência de Trump é, em parte, uma reação à eleição do primeiro presidente negro do país e à indicação de Hillary Clinton em 2016 como a primeira mulher a liderar uma chapa presidencial de um partido importante. Esta reafirmação da autoridade patriarcal branca é apresentada como necessária para a estabilidade e o progresso da nação. É uma maneira de Trump cumprir sua promessa de “tornar a América grande novamente.”

A masculinidade branca autoritária ressurgiu porque não agrada apenas aos homens. Pessoas de todos os gêneros podem ser socializadas em sistemas patriarcais, e as mulheres brancas, em particular, às vezes se beneficiam de sua proximidade e participação na masculinidade branca autoritária.

Onde o poder político progressista visa expandir a cidadania, o voto e a participação, o autoritarismo conservador visa restringi-lo. Como resultado, mulheres progressistas e candidatas negras enfrentam um conjunto complexo de estereótipos e restrições ao desafiar o patriarcado branco sobre o qual o sistema político dos EUA é construído.

Como uma estudiosa de comunicação política que estudou gênero e a presidência dos EUA por 25 anos, observei como mulheres talentosas e motivadas têm sido impedidas de alcançar os cargos mais altos da nação por uma cultura que recompensa a masculinidade autoritária.

Mas também estudo a engenhosidade retórica de candidatos como Harris, cuja capacidade de navegar em um sistema político injusto os torna formidáveis.

Masculinidade branca autoritária como estratégia de debate

A abordagem de Trump para o debate em 29 de setembro foi estabelecer-se como alguém que lidera por meio da dominância.

A CNN relatou que ele “dominou a discussão, falou sobre a fala do seu rival e foi um rolo compressor sobre o moderador – muitas vezes sem qualquer interrupção”. Trump caracterizou Biden como alguém que poderia ser facilmente “dominado” pelo que chamou de “socialistas” no Partido Democrata.

Trump não foi restringido por expectativas de civilidade ou pelas regras do debate. Quanto mais disruptivo, melhor. Dragado pelas provocações de Trump, Biden pediu a Trump “cala a boca, cara” e o chamou de “palhaço”. Os observadores do debate compararam o evento a uma briga no pátio da escola ou no bar.

Embora alguns comentaristas tenham aplaudido a ostensiva civilidade de Pence durante o debate do vice-presidente, Pence persistentemente ignorou as regras com as quais sua campanha havia consentido, falando além de seu limite de tempo, recusando-se a responder muitas das perguntas da moderadora Susan Page e suplantando a autoridade da moderadora para que pudesse fazer suas próprias perguntas a Harris.

A masculinidade autoritária de Pence é a versão gentil favorecida nas comunidades religiosas patriarcais e regionais que compõem a base mais leal de Trump: conservadores do sul e cristãos evangélicos brancos. Durante o debate, Pence disse que era um “privilégio estar no palco” com Harris e agradeceu repetidamente a moderadora, ignorando sua autoridade.

Quando Page mudou para um novo tópico, Pence disse: “Bem, obrigado, mas gostaria de voltar ao tópico anterior”. Quando ela o informou que seu tempo havia acabado, ele continuou falando como se ninguém tivesse dito nada. Quando ele quis interromper Harris, insistiu placidamente: “Eu tenho que ponderar.”

Harris: “Estou falando

Harris recusou-se a ser esmagada pelo rolo. Seu gênero a isolou de ser atraída para uma exibição competitiva de masculinidade, como Biden estava em seu debate com Trump. Mas isso não significa que sua tarefa foi fácil.

Conforme observado pelo jornal Politico, Harris teve que “navegar pelos estereótipos que classificam as mulheres negras como raivosas e agressivas, e menos qualificadas que os homens brancos”.

A estratégia de Harris era encontrar a masculinidade autoritária de Pence com uma afirmação autoritária de sua autoria: “Estou falando.”

Sem apelar ao moderador para intervir em seu nome, ela fez o que os homens costumam fazer: ocupou espaço. Ela reivindicou tempo. Ela articulou suas qualificações. Mas ela teve o cuidado de fazer tudo com um sorriso.

O Twitter se iluminou quando as mulheres viram Harris contornando obstáculos familiares que elas rotineiramente encontram em suas próprias vidas.

Dominância ou democracia?

A estratégia de “dominância” não funcionou bem para Trump ou Pence, a não ser para angariar o esperado elogio partidário. Mas nenhum dos dois vai abandoná-lo. Mais do que uma tática de campanha, a masculinidade autoritária parece estar embutida em suas visões de mundo.

À medida que as perspectivas eleitorais de Trump diminuem, sua crença em seu direito inerente à autoridade parece estar promovendo uma série de práticas antidemocráticas: contestar procedimentos eleitorais para reduzir a participação dos eleitores; recusando-se a se comprometer a aceitar os resultados da eleição se perder; sabotar ou boicotar debates.

Quando Trump disse a Maria Bartiromo, na Fox News, que planejava organizar um comício em vez de debater com Biden em um formato virtual seguro para Covid-19, foi revelador. Os debates são rituais de democracia, que remontam à ágora grega clássica, floresceram no Congresso Continental que deu origem aos Estados Unidos e se mantiveram como a forma ideal de comunicação de campanha depois das que ficaram famosas por Abraham Lincoln e Stephen A. Douglas.

Já os comícios são teatro político autoritário popularizado por demagogos e ditadores.

E a atração da masculinidade autoritária parece ser compartilhada por outros políticos republicanos. Na noite do debate sobre a vice-presidência, o senador Mike Lee postou um tweet que insinuava que algo diferente do governo democrático pode ser necessário para que “a condição humana floresça”.

Os ciclos de campanha presidencial apresentam aos eleitores a oportunidade de pensar sobre as expectativas que têm dos líderes políticos, quem esses padrões beneficiam e restringem e como eles promovem ou impedem o engajamento democrático. Como tal, a comunicação da campanha e os debates presidenciais envolvem muito mais do que estratégia política. Eles constroem – ou quebram – a democracia americana.

Karrin Vasby Anderson é professora de Estudos de Comunicação na Universidade do Estado do Colorado.

Traduzido por Cezar Xavier

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