“Pandemia Educacional” em Campinas-SP e a Narrativa Eleitoral

Por Julio Cesar Nascimento* Em 2020, uma crise sanitária em âmbito internacional causada pelo Coronavírus colocou em xeque a “normalidade” […]

Por Julio Cesar Nascimento*

Em 2020, uma crise sanitária em âmbito internacional causada pelo Coronavírus colocou em xeque a “normalidade” da vida em sociedade até então vigente. A característica da crise causada pelo COVID-19 é uma infecção que tem elevada transmissão pelo contato. Assim, a proposta da Organização Mundial da Saúde (OMS) e de diversos países, em um cenário sem medicamentos e sem vacinas, foi tratar o isolamento social como política de saúde pública com objetivo de evitar o rápido número de transmissões, não sobrecarregar o sistema de saúde e evitar óbitos.

Nesse cenário, há diversos impactos econômicos e sociais que já são visíveis em âmbito internacional, como a previsão de recessão econômica global, paralisação de diversas atividades econômicas, demissões dentre outros. No Brasil, os efeitos dessa pandemia foram diversos e a gestão da crise ineficaz quando comparado com outros países que lograram maior sucesso. O caso brasileiro se torna mais emblemático por causa das desigualdades no acesso ao emprego, renda, saúde e educação.

            A educação, um serviço importante ofertado para a sociedade, a necessidade de isolamento social colocou em “xeque” a garantia do direito humano à educação, a saída encontrada foi paralisar as atividades educacionais e, como alternativa, retomada posterior no formato remoto/online. Essa estratégia revelou ainda mais a problemática das desigualdades sociais no Brasil, na qual, a população mais pobre, que estão nas escolas públicas, tiveram dificuldades de acompanhamento seja pelos problemas estruturais (falta de equipamentos como computadores e acesso à internet) e/ou pelos problemas conjunturais (dificuldade de uso e adaptação as tecnologias) dentre outros.

            Em Campinas SP, uma pesquisa realizada durante a pandemia do Covid-19 com 131 profissionais da educação básica do município, em formulário disponibilizado em grupos de whatsapp onde estão concentrados esses profissionais, aponta alguns problemas decorrentes dessa modalidade de ensino. A pesquisa foi realizada com ampla diversidade em relação ao nível educacional que atua, diversidade de sexo, raça, formação, idade e local que trabalha.

            Os resultados apontam as dificuldades dos profissionais nessa modalidade de ensino (remota/online) durante a pandemia, 90,8% dos profissionais responderam que tiveram algum nível de dificuldade com a educação remota/online. As principais dificuldades foram com a tecnologia (57,3%), internet (44,3%) e estrutura (35,9%), mas mesmo com essas dificuldades os profissionais são contra o retorno das aulas presenciais antes da vacina (90,8%), o que faz sentido já que as escolas são superlotadas, o vírus é altamente contagioso e pode levar a problemas respiratórios grave, inclusive ao óbito.

Além disso, na opinião dos profissionais da educação, os alunos tiveram dificuldades nesse processo, para 66,4% dos profissionais que responderam à pesquisa disseram que ocorreu evasões de alunos durante a pandemia. Para os profissionais, os principais problemas para a evasão estão ligados a problemas estruturais para acompanhamento da educação (58,8%), dificuldade de adaptação a educação online (38,9%), problemas psicológicos (30,5%) e necessidade de trabalhar (11,5%).

            Além disso, para os profissionais que responderam à pesquisa, há diversos outros problemas que necessitam ser pautas nas questões educacionais, para os profissionais, o orçamento não é adequado para o desenvolvimento das atividades na escola (59,2%), para 53,4% a valorização profissional é inadequada, para 85,5% há necessidade de reforma na infraestrutura das escolas e, 80,6% responderam que já faltaram recursos nas escolas onde trabalharam.

Para esses profissionais, os problemas vão além e há necessidade de discutir questões sociais importantes, como raça (75,6%), gênero e sexualidade (72,5%), Bullying (69,5%) e religião (46,6%). Quanto a temas polêmicos da atualidade, esses profissionais responderam que são contra o projeto Escola sem Partido (59,5%) e contra as escolas cívico militares (77,1%). Esses temas nos últimos anos ganharam destaque com a ascensão de pautas conservadoras no país e virou uma narrativa política eleitoral.

            Os dados apontam para uma pandemia educacional (disseminação dos problemas educacionais que afetam, principalmente, os mais vulneráveis, ou seja, a maior parte da população brasileira). Como mostram os dados, há diversos problemas na educação básica em Campinas, desde básicos (infraestrutura escolar e problemas estruturais no ensino remoto) até problemas complexos (pautas sociais como raça, gênero e religião). Essas questões em um país com amplas desigualdades e dificuldade de acesso a renda, educação, saúde e emprego potencializa esses problemas, ou seja, contribuindo para o aumento das desigualdades educacionais e sociais.

            Essas questões devem ser pautas da disputa eleitoral em 2020, principalmente porque educação é um serviço ofertado principalmente pelos municípios, em conjunto com os Estados, e por ser importante para disseminação de conhecimento na formação da população. Pois, é nesse cenário que irá aparecer pautas conservadores afirmando que a educação remota funciona com objetivo de oferecer para a população serviço educacional de baixo custo com objetivos conteudistas, assim, precarizando a educação na sua formação ampla e o acesso da população mais vulnerável.

Nesse cenário, a ala progressista precisa incluir o debate da educação de qualidade com profissionais valorizados, ouvir mais a demanda da sociedade e antenado como deve seguir a educação como um direito humano, inclusive se utilizando de normativas de pactos que o Brasil é signatário como a Declaração Internacional dos Direitos Humanos (DUDH) e o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), inclusive a própria Constituição Federal de 1988 (CF88).

Nesse ambiente propício a dilemas educacionais, é necessário vencer a narrativa e convencer a população da importância de uma educação baseada nos direitos humanos com orçamento adequado, profissionais valorizados e com garantia de educação com qualidade. Caso contrário, a educação poderá entrar em declínio nos próximos anos e, avanços conquistados nas últimas décadas podem ser questionados e retrocedidos em um curto espaço de tempo, deixando a população mais vulnerável sem um direito humano básico, a educação.

*Julio Cesar Nascimento é Doutorando em Desenvolvimento Econômico IE/UNICAMP