Bolívia se junta à China contra crise da economia “ocidental”

Os prognósticos sombrios do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial para a chamada economia “ocidental”, enquanto a China apresenta números positivos, são elementos essenciais para a compreensão de uma época histórica. A crise global que se estende desde o seu epicentro de 2007-2208 se agravou muito com a pandemia do coronavírus, mas a sua base tem raízes mais profundas.

Desde que Francis Fukuyama, conhecido guru do neoliberalismo, proclamou o fim da história após a derrocada do bloco soviético e o ex-presidente dos Estados Unidos George Bush – pai de outro ex-presidente, George Walker Bush – anunciou o advento de uma “nova ordem mundial”, os picos da crise econômica global se sucederam numa proporção inédita na história do capitalismo. A propaganda “ocidental” dizia que o mundo havia entrado numa era “pós-moderna” de “globalização” e liberalismo renovado.

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Fukuyama havia publicado, em 1989, o artigo O fim da história? na revista The National Interest argumentado que a difusão mundial das “democracias liberais” e do “livre capitalismo de mercado” indicavam o fim da evolução sociocultural da humanidade. Três anos mais tarde, ele publicaria o livro O fim da história e o último homem, expandindo suas ideias.

Dizia-se também que essa nova fase privaria os Estados Unidos de um inimigo definido, que negociava conflitos localizados e equilibrava as ações bélicas de largo espectro. Na prática, as tensões do jogo internacional prosseguiram e foram reduzidas à pura expressão militar. Novos inimigos de Washington, reais ou forjados, entraram em cena e passaram a ser considerados pela estratégia da Casa Branca como alvos.

Os Estados Unidos reforçaram a tática belicosa fundada basicamente num imaginário “choque de civilizações” — ideia expressa por Samuel Huntington em seu livro homônimo. Segundo o autor, a conjunção da “civilização confuciana com a islâmica” seria a maior ameaça ao “ocidente”. A ideia de ocidente contra o oriente surgiu com a configuração mundial moldada por duas guerras mundiais — e algumas guerras locais — ao longo do século XX.

Especulação financeira

Os termos não traduzem posições geográficas e culturais, mas conformações econômicas. No chamado “ocidente” estão os países alinhados aos interesses econômicos norte-americanos. Fazem parte desse universo economias como a japonesa, a primeira a se industrializar e a se desenvolver economicamente fora da “civilização europeia”, a da Coreia do Sul. O Japão puxou a fila dos países asiáticos que se “ocidentalizaram”.

Essa geografia ficou bem demarcada no final dos anos 1990 quando a crise global abateu os chamados “tigres asiáticos” e alcançou com força também pontos distantes como Rússia e Brasil. Ali, a “globalização” financeira costurada por  instituições como o FMI e o Banco Mundial viu, pela primeira vez, seu edifício balançar estrepitosamente.

Aquelas economias “ocidentalizadas” têm um crédito monumental em títulos do Tesouro dos Estados Unidos — recursos que financiam os gigantescos déficits do império. Foi o repatriamento de uma parte dessas aplicações que provocou a “crise asiática”. Com a ofensiva da “globalização”, aquelas nações externamente vulneráveis, dependentes de mercados e de fontes de matérias-primas externos, beijaram a lona.

É um quadro que tem tudo a ver com a dinâmica da especulação financeira internacional. A “bolha especulativa” chegou ao seu limite com o esgotamento da capacidade mundial de financiamento do alucinado endividamento público norte-americano pelo agravamento da crise de seus principais financiadores. Assim, os Estados Unidos também passaram a enfrentar o problema da vulnerabilidade externa.

Edifício capitalista

Esse fator talvez seja o maior motivo para a decisão dos brutamontes da Casa Branca, liderados pelo presidente Donald Trump, de forçar um confronto com a China. A presença militar norte-americana nas vizinhanças da China e da Rússia — e da sua rica região siberiana — faz o mundo coçar a cabeça, mas as razões fundamentais para essa hostilidade devem ser procuradas no quadro de crise profunda da economia “ocidental”.

As hostilidades do governo Trump à China são apenas mais um passo da estratégia de exportar a crise econômica dos Estados Unidos para o restante do mundo. Já há bem uns 50 anos que a economia norte-americana patina, mesmo havendo crescimentos cíclicos e até períodos longos de expansão. Pode-se dizer que após o fim da chamada “era de ouro” que se seguiu à Segunda Guerra Mundial, o capitalismo adquiriu uma nova face – marcada por um crescimento econômico lento, por excesso de capital e por uma montanha de dívidas.

Como os Estados Unidos são a viga-mestra do edifício capitalista erguido após a Segunda Guerra Mundial – desde a Conferência de Bretton Woods, realizada em 1944, os norte-americanos têm a rédea da economia “ocidental” nas mãos –, é natural que a manifestação da crise seja mais sentida, do ponto de vista político, pelos dirigentes daquele país. A irracionalidade econômica desse sistema manifesta-se também na política.

Além das hostilidades à China, a presença constante de representantes do governo Trump na América Latina – em especial no Brasil, após a chegada de Jair Bolsonaro à Presidência da República, um vassalo da Casa Branca que agride sistematicamente a China e as forças progressistas da América Latina – revela que o prosseguimento da política intervencionista deflagrada pela recente cadeia de golpes é imprescindível.

Grupo de Puebla

A vitória eleitoral na Bolívia do ex-ministro do governo Evo Morales, Luis Arce, do Movimento ao Socialismo (MAS), contudo, pode ser um ponto importante de resistência a essa política. A derrota do golpe pró-Estados Unidos tem grande significado. E contou com a influência do processo de resistência à ingerência da Casa Branca na região.

Como disse Evo Morales, além do povo os presidentes argentino (Alberto Fernández), mexicano (Andrés Manuel López Obrador), cubano (Miguel Díaz-Canel) e venezuelano (Nicolás Maduro) salvaram-lhe a vida. E, ao salvá-la – o ex-presidente boliviano correu sério risco de morte e foi salvo pelo exílio primeiro no México e depois na Argentina –, resgataram a democracia na Bolívia.

Evo Morales agradeceu também o ex-chefe do Governo espanhol José Luis Rodríguez Zapatero – ativo participante do Grupo de Puebla, fórum político e acadêmico composto por representantes políticos de esquerda do mundo, fundado em 12 de Julho de 2019 na cidade mexicana de Puebla –, ao ex-presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva, ao ex-presidente do Equador Rafael Correa e ao ex-presidente da Colômbia, Ernesto Samper. Todos denunciaram com veemência a atuação da Organização dos Estados Americanos (OEA) e seu secretário-geral, Luis Almagro, a favor do golpe pró-Estados Unidos na Bolívia.

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