Plebiscito Constitucional Chileno: Triunfo de milhares nas ruas

Por trás da consulta popular sobre a Carta Magna está a voz de milhares de pessoas que exigiam, em muitos dias de manifestações populares, o retorno à democracia.

Neste domingo, 25 de outubro, o Chile irá às urnas em meio a um cenário caracterizado pela nova pandemia do coronavírus e manifestações sociais. O caminho para o plebiscito constitucional, originalmente previsto para abril, passou por uma série de adiamentos, protestos, mobilizações e reivindicações.

Para muitos, a nova Constituição chilena pode corrigir as falhas de um modelo que deixava espaço para a desproteção social. Mas, qual foi o caminho para chegar a esse plebiscito?

Segundo o prefeito da comuna chilena de Recoleta, Daniel Jadue, membro do Partido Comunista do Chile, o “plebiscito sobre a nova Constituição e seu mecanismo de redação é o triunfo de milhares nas ruas”.

O início da mudança

No dia 25 de outubro de 2019, mais de 1,2 milhão de pessoas se reuniram na Plaza Italia, na capital chilena, na “maior marcha do Chile” após uma semana de protestos no país. O próprio presidente do país, Sebastián Piñera, que de início declarou “guerra” aos manifestantes, teve que reconhecer na ocasião que “a marcha massiva, alegre e pacífica de hoje, onde os chilenos pedem um Chile mais justo e solidário, abre grandes caminhos para o futuro e a esperança”.

Os protestos anteriores que haviam sido registrados em todo o Chile, começaram devido ao aumento dos serviços básicos por parte do Governo, especialmente o aumento da passagem do Metrô de Santiago. Apenas uma semana foi o suficiente para que os protestos aumentassem, enquanto as autoridades declaravam estado de emergência e toque de recolher em várias áreas do país.

Por sua vez, a polícia chilena começou a reprimir os manifestantes, em sua maioria jovens estudantes, com gás lacrimogêneo, enquanto o presidente Piñera considerava que o país estava em uma “guerra contra um inimigo poderoso e implacável que não respeita nada nem ninguém”.

No entanto, de acordo com relatórios do Instituto Nacional de Direitos Humanos (INDH), divulgados em novembro de 2019, as violações de protocolos para o uso da força pelos Carabineros geraram dezenas de mortes e o uso de balas de borracha como ferramenta antimotim, atiradas nos rostos dos manifestantes, causaram ferimentos nos olhos de pelo menos 460 pessoas, sendo que destas, 375 ficaram cegas de ao menos um olho.

Ativistas de direitos humanos lembram manifestantes feridos nos olhos durante protestos contra o governo do presidente chileno Sebastian Piñera / Foto: Martin Bernetti – AFP

Após 41 dias de protestos e instabilidade social, em 28 de novembro de 2019, o Senado do Chile assinou um acordo pela paz, direitos humanos e ordem pública para “avançar no processo de reunificação social”, enquanto instava o Governo para implementar uma agenda de mudanças estruturais.

O acordo firmado pela maioria dos senadores chilenos continha quatro pontos, entre os quais a implementação de “uma agenda social profunda com mudanças estruturais para enfrentar as desigualdades em nosso país”; bem como avançar na agenda de segurança para “reformar a força policial, inteligência e fortalecer os poderes do Estado para enfrentar saques, barricadas e ações violentas de criminosos”.

Mais cedo, na madrugada de 15 de novembro, após dois dias de intensas negociações, o então presidente do Senado, Jaime Quintana, anunciou o acordo para enterrar a Constituição elaborada durante a ditadura de Augusto Pinochet, e convocou para abril de 2020 o plebiscito para que os cidadãos decidissem se queriam alterar o documento de 1980.

Após estes anúncios, várias organizações sociais, movimentos juvenis e o Partido Comunista do Chile criticaram duramente diversos aspectos do “Acordo de Paz e Nova Constituição” ou mesmo o acordo como um todo, porque alegaram que o referido acordo não atendia às demandas da população.

Segundo o Colégio de Professores do país, “o pacto é feito pelos atores políticos mais deslegitimados de toda a sociedade, eles se atribuem uma representação que não têm e determinam uma saída pelo alto, pelas costas do povo mobilizado”.

Um ano depois, plebiscito e constituição

Nos meses de manifestações no Chile durante 2019, houve graves violações dos direitos humanos por parte dos Carabineros. De acordo com o diretor do INDH, mais de 2.520 denúncias foram protocoladas desde então por violações de direitos humanos, como tortura, abuso sexual, uso indiscriminado de força, ferimentos por arma de fogo, mortes e pessoas com lesões oculares.

Um ano após a eclosão social, o clima no Chile é mais uma vez de manifestação e é nesse cenário complexo que acontecerá o plebiscito, que em decorrência da crise sanitária provocada pela pandemia Covi-19 chega seis meses após a data prevista originalmente.

O plebiscito deste domingo entregará duas cédulas aos eleitores, na primeira, eles escolherão se aprovam ou rejeitam a mudança constitucional, enquanto no segundo decidirão qual órgão deverá conduzir o processo, se por uma comissão mista composta por 50% de parlamentares e 50% de cidadãos eleitos ou se será uma comissão inteiramente composta por cidadãos eleitos.

Se a opção de rejeição a uma constituinte for bem-sucedida, a Constituição de 1980 permanecerá em vigor. Se a opção de aprovação vencer, independentemente da forma de comissão constituinte escolhida, no prazo de nove meses a um ano a nova Carta Magna deve ser elaborada e aprovada por uma maioria de dois terços. A nova Constituição será, neste caso, escrita em uma “folha em branco”, sem tomar como base a constituição em vigor.

Segundo a pesquisadora chilena Marta Lagos, “a demanda central por trás da aspiração a uma nova constituição é a dispersão do poder. As pessoas esperam que se governe para a maioria. Há uma percepção de que se governa guiado pelo interesse de poucos“, e acrescenta que uma “redistribuição de renda também será necessária. 80% do país diz que a renda é mal distribuída.”

Daniel Jadue

O prefeito comunista Daniel Jadue, que aparece em primeiro lugar nas pesquisas para presidente do Chile, fez um chamamento ao povo no último dia de campanha: “esse sistema econômico, político e social, imposto a sangue e fogo na ditadura, gera desigualdades impossíveis de superar sem profundas transformações, que garantam direitos essenciais e uma vida digna para todos. Por um Chile onde ninguém precisa se endividar para comer, se vestir, ter acesso a benefícios de saúde e nem mesmo para se educar. Neste dia 25 de outubro, quero convidá-los a iniciar o caminho de superação do neoliberalismo.”

Pesquisas apontam que o plebiscito deve aprovar a necessidade de uma nova Constituição por larga margem.

Com informações da Telesur e da página do PC do Chile no facebook