A alcateia machista contra Manuela D’Ávila

“É a oitava eleição que disputo e sempre fui vítima de ataques misóginos, machistas”, diz Manu

Bastou o anúncio dos primeiros resultados de pesquisas eleitorais na eleição à prefeitura de Porto Alegre (RS) – onde a candidata pela coligação PCdoB e PT, Manuela D’Ávila, lidera com mais de dez pontos de vantagens sobre o segundo colocado – para ter início um verdadeiro massacre de fake news e agressões pelas redes sociais. A história, como farsa, se repete. Em 2018, quando disputou a vice-presidência da República na chapa do petista Fernando Haddad, Manuela também foi vítima de ataques misóginos que acabaram beneficiando e contribuindo para a vitória de Jair Bolsonaro.

À época, postagens mostravam a candidata usando uma camiseta onde se lia “Jesus é travesti”. Noutra, com os braços à mostra e uma réplica da faixa presidencial, apareciam tatuagens de Che Guevara e Lenin. Como rastilho de pólvora, as redes sociais replicavam notícias que ela teria recebido ligações telefônicas de Adélio Bispo dos Santos, autor do suposto atentado sofrido pelo ex-capitão em Juiz de Fora, MG. Todas foram desmentidas pela Agência Lupa, empresa especializada em fact-checking. Eram inverdades, fake news, a principal ferramenta de campanha utilizada pela direita raivosa.

Agora, nada é diferente. Uma enxurrada de mentiras sórdidas, que vão desde o anonimato de robôs eletrônicos a Olavo de Carvalho; do deputado Eduardo Bolsonaro, PSL, a Bibo Nunes, PSL, inexpressivo parlamentar gaúcho do baixíssimo clero, tem entupido as redes sociais. Com linguajar rasteiro, Carvalho escreveu em sua página no Twitter “Alô gaúcho! Vote na Manuela. Mostre a essa putada o quanto aguenta um c… de macho”. Bibo Nunes, o colega de 03, publicou “se a Manuela comunista vencer a eleição em Porto Alegre, em pouco tempo a população estará brigando para ver quem come o cachorro do vizinho, igual a Venezuela comunista. Votar em comunista é apoiar o genocídio de Stalin”.

Dona de um currículo político meteórico, Manuela foi eleita, em 2004, vereadora em Porto Alegre, aos 23 anos, pelo PCdoB. Dois anos depois chega a Brasília como deputada federal. Foi reeleita em 2010, com mais de 482 mil votos, a maior votação na história do Rio Grande do Sul.  Em 2014, deixa a Câmara dos Deputados e retorna ao seu estado para disputar e se eleger deputada estadual. Em 2018, compõe a chapa majoritária com Haddad para a disputa presidencial.

Seu grande desafio é vencer a corrida à prefeitura de Porto Alegre. Candidata derrotada em 2008 e 2012, Manuela tenta pela terceira vez chegar ao Paço dos Açorianos. “É a oitava eleição que disputo e sempre fui vítima de ataques misóginos, machistas”, diz.

Ela conta que, desde o início de seu primeiro mandato, como vereadora, é vítima de ameaças. “Elementos armados faziam intimidações físicas em eventos que participava. Minha filha, com menos de 2 meses, foi agredida. Carros do exército já fora de uso, mas mantidas as características militares, eram estacionados em frente à minha casa para amedrontar”. A partir de 2015, os ataques massivos se intensificaram.

Embora resista, Manu confessa que sempre temeu pela sua vida e dos familiares. “Mesmo assim resolvi ficar no Brasil. Fiz um pacto com minha família. Vou permanecer enquanto achar que é possível.” Nos últimos dois anos, sem mandato parlamentar, escreveu três livros e manteve-se à frente do Instituto “E se Fosse Você”, no qual, por meio de palestras em escolas e instituições, procura conscientizar sobre a profundidade e os impactos que as chamadas “redes de ódio” têm provocado no País.

Para a filósofa Marcia Tiburi, a violência contra as mulheres é uma constância cultural que permanece no tempo histórico e em todos os espaços geopolíticos. Diz ainda que ataques misóginos, machistas são cada vez maiores quando se trata de mulheres que despontam e ocupam posições desejadas pelos homens. “A Manuela é o protótipo dessa situação. Uma carreira política vitoriosa, de sucesso e respeito popular, inclusive admirada pela inteligência e beleza. São qualidades que esses homens não têm.”

Suelen Aires Gonçalves, socióloga gaúcha, acredita que o preconceito é responsável pela reforma dos papéis de gênero, nos quais os homens estão para a vida pública, para as ruas, para a política, enquanto as mulheres são reservadas à vida privada, à casa, aos cuidados dos filhos e dos mais velhos. “Trata-se de uma questão cultural arraigada em nossa experiência capitalista, em que tais desigualdades estruturais contribuem para a manutenção de um sistema opressor, como é o caso do machismo.”

No Rio de Janeiro, a deputada federal Benedita da Silva, candidata a prefeita pelo PT, sofre ataques racistas e preconceituosos nas redes. Um dos posts que mais geraram revolta foi publicado pela deputada federal Carla Zambelli (do PSL) em sua página no Instagram. Noutro, a candidata registrou queixa na Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) quando foi chamada de “preta ridícula, beiçuda, nariz de tomada” e “negra idiota”. “Nas redes sociais há um aumento substancial de crimes de ódio como racismo e injúria racial. A deputada Benedita foi mais uma vítima dessa onda”, afirmou seu advogado, Rodrigo Mondengo.

No Recife, a poeta e escritora Cida Pedrosa (PCdoB), candidata a vereadora, promovia a live de lançamento de seu livro, Estesia, quando teve a página invadida por um grupo de hackers bolsonaristas. Os invasores lançaram xingamentos, ofensas e palavras de baixo calão contra a escritora. “Foi uma operação orquestrada. Conseguiram desativar todos os nossos microfones e controlar a live ao som de disparos de metralhadoras e do hino do Exército brasileiro, enquanto uma voz exclamava ‘Aqui é Bolsonaro ou não é?’.”

Em Olinda, na região metropolitana do Recife, Eugênia Lima, candidata a vereadora pelo PSOL, também foi vítima de hackers durante uma plenária para discutir sua proposta sobre cultura. “De repente, um ataque com agressões verbais, sons e imagens de pornografia explícita, do mais baixo nível, tomou conta do cenário. Fomos pegos de surpresa. Não esperávamos por tudo aquilo.”

Em mais uma tentativa de conter o avanço dessa histeria reacionária, a deputada federal Maria do Rosário (PT) lidera o movimento “Basta de Violência Política contra as Mulheres”. “De todos os espaços públicos, o exercício do poder é o mais hostil às mulheres, à medida que a violência se torna mais explícita. Violência que só contribui para diminuí-la, estereotipá-la e isolá-la. Isso representa sua morte política”, afirmou.

Um manifesto recém-lançado, com assinatura de mais de mil feministas engajadas na causa, traça uma espécie de roteiro na luta das mulheres contra a violência política de gênero, para mostrar o quanto ela, a violência, é contrária à ética e à democracia: “Estamos indignadas com o que vem acontecendo com a Manuela em Porto Alegre, a Benedita no Rio e tantas outras companheiras. No Brasil, ser candidata ou parlamentar de esquerda, mulher – e ainda sendo negra – é estar na linha de risco. Somos sobreviventes e, se quisermos continuar vivas e atuantes na política, teremos de lutar”.

Fonte: CartaCapital