Cesar Benjamin: O Natal em um porão da ditadura

Quando a pesada porta maciça da minha cela se abriu, estavam lá uns dez militares, entre soldados, cabos, sargentos e o oficial de dia

Nos anos em que fiquei em cela solitária, durante o regime militar, eu fazia grande esforço para me manter situado no tempo. Precisava saber, ou tentar saber, o dia em que estava, um esforço quase sempre inútil. Sem referências de fora, me perdia com facilidade. Era uma sensação muito ruim.

Duas datas eram especialmente importantes: meu aniversário e o Natal. Ficava deprimido quando percebia que elas haviam passado.

Numa noite já bem avançada, ouvi gente se aproximando da minha cela no Batalhão de Manutenção de Armamentos, na Vila Militar – na verdade, uma espécie de cofre, totalmente vedado, pequeno, sem vista para fora, com luz ligada 24 horas por dia.

Três grandes portas de ferro, difíceis de abrir, precisavam ser transpostas para chegar onde eu estava. Fiquei ouvindo a movimentação. Quem seria? Por quê?

Quando a pesada porta maciça da minha cela se abriu, estavam lá uns dez militares, entre soldados, cabos, sargentos e o oficial de dia. “Hoje é Natal. Estamos de serviço, e o quartel nos ofereceu uma ceia. Viemos dividi-la com você.”

Deixaram uma bandeja cheia das coisas que nossas famílias fazem quando somos crianças.

Eu nunca soube quem eram aquelas pessoas, e elas não poderiam esperar nenhuma retribuição minha. Mas nunca as esqueci.

Esperei que saíssem para me permitir chorar.

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