Diálogos no Purgatório, por Sergio Ferolla

O presidente externa sentimentos insanos, ao imaginar teatros de terra arrasada e vislumbrar inimigos por toda parte.

Foto: Alan Santos/PR

Desestabilizado por embates agressivos na ante sala do maligno, onde seus frequentadores priorizam vantajosas pretensões, nosso país vai sendo conduzido ao temível reino das trevas e registrando perdas de milhares de vítimas da amaldiçoada pandemia. Estimulando tanta desarmonia nos Três Poderes da República, o governo tornou o Brasil pária internacional, além de destacada ameaça política e sanitária no contexto das nações. Retratado pelas colocações quixotescas de um psicótico Presidente, é comparado ao cenário criado por Miguel de Cervantes, no qual um pretenso cavaleiro pensava poder salvar sua pátria brandindo armas primitivas, em plena modernIdade.

Para enlamear a comparação, enquanto o impetuoso personagem agia de forma estapafúrdia por reconhecida debilidade mental,nosso Dom Quixote caipira não passa de premeditado ator de picadeiro, a provocar contestações radicais num circo mambembe na Esplanada dos Ministérios. De forma insana, para a satisfação de asseclas e seguidores de suas ações idiotas e demagógicas, manifesta-se e gesticula como o personagem criado pelo escritor espanhol.Mas não é justo desmerecer o histórico Dom Quixote, símbolo de “um personagem que, cem anos antes, teria sido um herói nas crônicas ou romances de cavalaria”. Sabiamente colocado em ação um século após, sua loucura visava refletir o anacronismo de uma época e seu   criador se valeu da imagem para  satirizar os novos tempos, “retratando uma Espanha que, após um século de glórias, começava a duvidar de si mesma.

Como válido ensinamento para nossos dias, merece ser salientado o episódio em que Dom Quixote, “ao vislumbrar cerca de trinta moinhos de vento, os confunde com gigantes e decide enfrentá-los sozinho. Sancho, seu escudeiro, ainda tenta alertá-lo da ilusão, mas Quixote insiste e partindo para o ataque a um dos moinhos, acaba derrubado por uma das pás, juntamente com seu cavalo. Ao socorrer o mestre, Sancho Pança o questiona sobre como pôde cometer tamanho engano?Quixote responde, insistindo na ilusão de que aquilo era obra de um mago, que transformara gigantes em moinhos para impedir sua glória”.

Tal cena deu origem à expressão “lutar contra moinhos de vento”, no sentido de atacar inimigos imaginários ou realizar esforços em vão. Na tragicomédia brasileira, a “imaginária batalha contra moinhos de vento” reflete o descompasso entre um fanfarrão populista, que busca arregimentar seguidores e a realidade sobre a qual se exibe como exemplar renovador. Como na criação de Cervantes, nosso insano combatente também se encontra acompanhado por diversos Sancho, submissos e fiéis escudeiros. Esses senhores, que no passado realizaram boas ações, acabaram por merecer a classificação do escritor, de “dotados de pouco sal na molerinhadevido os comportamentos do momento.

Trágicos acontecimentos se acentuam a cada dia, enquanto da privilegiada posição em Brasília, o Presidente externa sentimentos insanos, ao imaginar teatros de terra arrasada e vislumbrar inimigos por toda parte. Repudiando a manifesta rejeição ideológica, ambiental e geopolítica internacional, no ambiente doméstico vê ameaças de opositores dispostos a solapar suas ambições eleitoreiras. Não tendo logrado iludir populações da Amazônia e nordestinos, muitas vezes tratados com menosprezo, os considera infiéis associados a defensores do meio ambiente e da hileia que planeja devastar. Nos estados mais populosos e com significativo peso político, sua insanidade cria a visão de governadores liderando combatentes com vestes brancas, portando mascaras e agulhas apontadas tipo baionetas, para impor a vacinação obrigatória da população.

Transtornado pela oposição de inimigos do negacionismo ideológico e da gloriosa vitória sobre uma desprezível “gripezinha”, não atenta para o colapso do Sistema de Saúde, as filas de doentes graves aguardando leitos hospitalares e o sepultamento de milhares de inocentes. Numa manobra derradeira para tentar mascarar seu comportamento execrável, indica um médico vinculado às raízes políticas, tão logo retorna ao país, muda e cabisbaixa, a trupe de medíocres que, em Israel, buscava milagroso “spray nasal” capaz de realizar o milagre não alcançado pelas panacéias das “fake news”. Para aplicação nasal, talvez tenham ouvido falar em algo capaz de minorar o odor de cadáveres e do pantanal político em que convivem.

Por essas e outras, a pesarosa situação sanitária se estenderá por mais tempo, já que o problema não está no Ministro da Saúde e sim no Presidente da República. Mas a continuidade de tantos desacertos ficou abalada, ao sentirem os apoiadores das pretensões continuístas o surgimento de um “anti-mito Lula” no palanque circense, devido vaidades na Suprema Corte.

Pelas repercussões no mundo político, analistas levantaram hipóteses de fundamentado embasamento jurídico, ou jurisprudência de deuses do Olimpo. Como caberá ao futuro mostrar a verdade, também lhes pareceu justo supor que a ousada decisão do relator da Lava Jato, originada entre homens responsáveis, teria objetivado neutralizar considerações capazes de arruinar todos os processos de Curitiba. Dessa forma, um novo magistrado trabalhará para dirimir possíveis pendências processuais, levando os que prezam a ética a aguardar isenta apreciação pelo Poder Judiciário.

 Com a inesperada novidade estremecendo a tenda circense, súbitas e antagônicas mudanças de comportamento surgiram entre os atores da ópera bufa brasileira. De imediato, cultivadores do negacionismo e supremacismo radical apareceram em cena usando máscaras e falando dos milagres da vacinação coletiva. Em contraposição, seguidores do “lulopetismo sindical” passaram a sonhar com a aglutinação das mini siglas, normalmente desunidas pelos interesses políticos e corporativos.

Em tal ambiente de jogadas escusas e falsas vocações patrióticas, o purgatório transformou-se numa verdadeira sala de espelhos, onde os atores centrais, a cada movimento, como zumbis no mundo das sombras, vêm suas feições refletidas sob múltiplas e interesseiras facetas. Nesse emaranhado de interesses, como os extremos à esquerda e à direita se mesclam na hipocrisia da política, o imprevisível futuro deixa os volúveis do centro indecisos sobre como atender suas pretensões pessoais e partidárias.  Suas opções exercerão considerável influência nas eleições de 2022 e na própria vida dos políticos, além de solapar os acordos que, no momento, asseguram tênue suporte parlamentar ao presidente.

 Mas por algum tempo, se algo mais grave não ocorrer, nosso país conviverá com lamentos pela perda de milhares de vidas, desempregados e enfermos carentes de dinheiro e limitada assistência hospitalar. Por isso, atenção especial precisará estar voltada para os agentes de saúde, verdadeiros heróis em defesa da vida, cada dia mais exaustos pela luta diuturna em enfermarias e nas Unidades de Tratamento Intensivo. Além da falta dos produtos de consumo rotineiro e equipamentos de proteção individual, são testemunhas do drama dos mais graves, já só alguns merecerão a esperança de sobreviver.  Apesar desse quadro dramático, num país que não merece o arrogante e desumano comportamento dos detentores de poder, públicas contestações no ambiente político farão brotar opções para o porvir. Daí a necessidade de críticos e construtivos debates sobre a realidade nacional para, na busca das alternativas, trazer das sombras para a luz da vida e da fraternidade, aqueles que valorizem nobres sentimentos e sadio interesse pela agregação dos esforços capazes de abreviar o sofrimento da população brasileira. 

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