Demissão de presidente da Capes preocupa gestores da pós-graduação
Pesquisadores temem impacto na avaliação de programas e possível viés ideológico na condução do órgão, que perdeu um terço do seu orçamento em 2021
Publicado 14/04/2021 12:08 | Editado 14/04/2021 12:09
Mudanças inesperadas no comando da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) do Ministério da Educação (MEC) deixaram lideranças acadêmicas e científicas apreensivas sobre o futuro da agência e do processo quadrienal de avaliação dos programas de pós-graduação (PPGs) das universidades, previsto para ser concluído neste ano, mas cujo calendário já está atrasado em função da pandemia.
O presidente da Capes, Benedito Guimarães Aguiar Neto, foi exonerado sem aviso prévio (e sem justificativa oficial) na segunda-feira, 12 de abril, pelo ministro Milton Ribeiro. A demissão surpreendeu a comunidade acadêmica. Ex-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, ele estava no cargo há 14 meses.
Independentemente de quem vier a substituí-lo, uma troca do comando nesse contexto é preocupante, em função da falta de justificativa, dos cortes orçamentários e das dificuldades já impostas pela pandemia ao processo de avaliação dos PPGs, que é fundamental para a formação de recursos humanos e para a produção de ciência e tecnologia no País. “Já tínhamos problemas suficientes para trabalhar; e essa mudança, agora, pode atrapalhar ainda mais a avaliação”, diz o pró-reitor de Pós-Graduação da USP, Carlos Gilberto Carlotti Júnior. “Fico imaginando o que motivou o MEC a fazer uma mudança dessas num momento tão inoportuno.”
O prazo para que os PPGs enviem suas informações à Capes termina em 23 de abril. “Se houver uma modificação brusca nessa etapa do processo pode ser muito ruim; talvez até inviabilizar a avaliação”, afirma Carlotti. Ele torce para que pelo menos o chefe da Diretoria de Avaliação, o agrônomo Flávio Camargo, seja mantido no cargo, para evitar uma ruptura ainda maior. Camargo tomou posse há apenas seis meses e, antes dele, o cargo chegou a ficar vago por cinco meses, após o pedido de demissão da ex-diretora Sônia Báo, em abril de 2020.
Nessa avaliação, feita de quatro em quatro anos, todos os programas de pós-graduação do País (tanto de universidades públicas quanto privadas) recebem uma nota de 3 a 7, que representa o nível de excelência do programa. A análise é baseada numa série de critérios, como número de alunos formados e de trabalhos científicos publicados em revistas especializadas. O processo permite aferir e monitorar periodicamente a qualidade da pós-graduação brasileira como um todo, enquanto que as notas influenciam de forma decisiva a capacidade dos programas de atrair alunos, bolsas, parcerias e recursos financeiros para seus projetos.
O prazo inicial para submissão das informações era 31 de março, mas foi estendido em função da pandemia. Ainda assim, muitos programas estão tendo dificuldades para enviar as informações a tempo. Uma carta aberta enviada à Capes nesta semana, assinada por mais de 2,2 mil pesquisadores, pede novo adiamento.
“A pandemia também impôs grandes dificuldades ao fazer acadêmico, tornando as atividades de ensino, pesquisa e extensão mais complexas do que o que estávamos acostumados”, diz a carta. “O atendimento das demandas burocráticas com vistas à avaliação da pós- graduação passou a impor um desafio praticamente intransponível para muitos Programas e Instituições, no momento em que a defesa da vida passa a ser tarefa prioritária dos acadêmicos e pesquisadores brasileiros.”
Sem plano e sem conselho
Outra preocupação da comunidade científica diz respeito ao Conselho Superior da Capes, que fez sua última reunião em 28 de novembro e até agora não retomou suas atividades nem nomeou novos membros para substituir aqueles cujos mandatos venceram em 2020.
A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) enviaram uma carta conjunta ao presidente da Capes no dia 9 de abril, expressando sua preocupação sobre o assunto.
“Diante da discussão orçamentária atual, onde há restrição de recursos, e da grave crise sanitária e econômica que assola o país com sérios impactos para a pós-graduação e, além disso, considerando as competências do Conselho Superior da Capes (…), torna-se imperiosa a recomposição e a nomeação do novo Conselho Superior, para o exercício pleno de suas estratégicas e importantes obrigações”, diz o documento.
Aguiar Neto redigiu uma resposta no mesmo dia, com uma justificativa que surpreendeu as entidades. Segundo ele, a recomposição do Conselho Superior estaria condicionada a uma “atualização” no estatuto da Capes, “que tramita nas esferas governamentais, a mais ou menos dois anos (sic)”. “Esse documento está sob análise do Ministério da Educação, desde janeiro deste ano e, após sua aprovação, por aquele ministério, será enviado ao Ministério da Economia, para análise de adequação estrutural e orçamentária e, somente após, encaminhado à Casa Civil da Presidência da República, para submissão à aprovação da máxima autoridade administrativa do país”, diz a carta.
O fato do novo estatuto ter que ser aprovado pelo Ministério da Economia sugere que ele implicará mudanças significativas na estrutura administrativa da Capes.
“A justificativa gerou ainda mais preocupação”, disse ao Jornal da USP o físico Luiz Davidovich, presidente da ABC e ex-conselheiro da Capes (um dos membros cujo mandato expirou no ano passado). Segundo ele, essa revisão do estatuto — que, segundo Aguiar Neto, já estaria sendo planejada há dois anos — não foi debatida nem com o conselho nem com a comunidade acadêmica em geral.
Davidovich espera que o novo presidente da Capes seja alguém com bom conhecimento da pós-graduação brasileira, que privilegie o mérito, defenda a independência institucional da Capes e “não misture ideologia com ciência”.
“Só vejo problemas nessas mudanças”, diz o pró-reitor Carlotti. Outra preocupação, segundo ele, diz respeito ao Plano Nacional de Pós-Graduação (PNPG), que venceu em 2020 e até agora não foi iniciada a elaboração de um novo plano para substituí-lo. “Já estamos sem plano nacional; se, além disso, perdermos o processo de avaliação, vamos ficar sem diretriz nenhuma para a pós-graduação nacional, e isso é muito ruim para o sistema”, diz.
Colapso orçamentário
A situação financeira da Capes também é crítica. O orçamento da agência encolheu mais de 60% desde 2015 (sem contar folha de pagamento), e os recursos previstos no orçamento deste ano (um terço menores que os de 2020) são insuficientes para a manutenção integral das bolsas, tanto de pós-graduação quanto da educação básica. Situação semelhante à do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), agência de fomento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, que também sofreu cortes orçamentários profundos e não tem recursos minimamente suficientes para este ano, nem para bolsas nem para projetos de pesquisa.
Levando tudo isso em consideração, o “fantasma” de uma possível fusão Capes-CNPq começa a assombrar novamente a comunidade científica. A proposta ganhou força no início da gestão do presidente Jair Bolsonaro, em 2019, mas foi rechaçada pela comunidade científica e acadêmica, já que as duas agências, apesar de terem algumas semelhanças, exercem funções bastante distintas — com o CNPq focado em pesquisa científica e a Capes, em formação de recursos humanos.
O ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, levantou espontaneamente a questão durante uma audiência pública na Câmara dos Deputados, no início deste mês. Ele se colocou contra a fusão, mas pediu ajuda dos parlamentares para “proteger o CNPq” contra essa e outras “ideias malucas” que “volta e meia aparecem”.
Do Jornal da USP