Bolsonarismo e pandemia agravam a desigualdade no Brasil

Em 2020, renda dos 10% mais ricos representava 39 vezes o ganho dos 40% mais pobres. Um ano antes, a diferença era de 29 vezes.

A distância entre ricos e pobres disparou no Brasil devido à combinação entre o bolsonarismo e a pandemia de Covid-19.  Segundo o boletim “Desigualdade nas Metrópoles”, a desigualdade na renda do trabalho nas regiões metropolitanas brasileiras atingiu patamares recordes em 2020. Na média dos quatro trimestres do ano passado, a renda dos 10% mais ricos representava 39 vezes o ganho dos 40% mais pobres. Um ano antes, essa diferença era de 29 vezes.

A terceira edição do estudo “Desigualdade nas Metrópoles” foi desenvolvida pela PUC-RS, em parceria com o Observatório das Metrópoles e o RedODSAL (Observatório da Dívida Social na América Latina). Foram utilizados dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua, do IBGE, cuja série começa em 2012.

O levantamento considera a renda do trabalho, sem incluir inclui benefícios como o auxílio emergencial, que foi pago de maio a dezembro de 2020. A divisão da renda dos 10% mais ricos pelos 40% mais pobres para medir a desigualdade é conhecida internacionalmente como Índice Palma.

O aumento da diferença de 2019 para 2020 é explicado por uma queda maior nos ganhos daqueles com menores rendimentos. Considerando apenas a média do último trimestre de cada ano, a renda do trabalho para os mais pobres recuou 34,2% – de R$ 237,18 por mês no final de 2019 para apenas R$ 155,95 nos últimos três meses de 2020. Entre os 10% mais ricos, o recuo foi de 6,9%, para R$ 6.356. Para o grupo intermediário, que representa 50% da população, caiu 8,6%, para R$ 1.195.

As maiores diferenças de ganho entre os mais ricos e os mais pobres foram verificadas nas regiões metropolitanas de João Pessoa (88,3 vezes) e do Rio de Janeiro (59,7). O Rio mostra, historicamente, níveis de desigualdade semelhantes aos dos estados do Norte e Nordeste, os mais pobres do país. Na região metropolitana de São Paulo, ficou pouco acima da média (40,2 vezes). As menores diferenças estão nas regiões de Curitiba e Goiânia, ambas com 23,2 vezes.

Os pesquisadores também calcularam o índice de Gini, que mede a desigualdade de rendimentos do trabalho. O indicador também atingiu patamar recorde de 0,631 no último trimestre de 2020, de acordo com a média móvel de quatro trimestres. Um ano antes, estava em 0,609. Quanto maior o valor, maior a desigualdade. Índices acima de 0,5 (em uma escala de 0 a 1) já são considerados bastante elevados. Historicamente, o Brasil tem um dos maiores índices do planeta – e nenhuma região metropolitana do País está abaixo da metade da escala.

Considerando o Gini apenas do trimestre, o recorde foi alcançado no período julho-setembro (0,644), com ligeiro recuo nos três últimos meses do ano (0,631). A melhora é atribuída pelos pesquisadores à sazonalidade do mercado de trabalho, com mais oferta de vagas nas festas de final de ano, ao aumento da demanda por emprego e ao arrefecimento temporário da pandemia no período.

Segundo Marcelo Ribeiro, pesquisador do Observatório das Metrópoles e coordenador do estudo, o retorno da desigualdade da renda para patamares mais baixos dependerá de uma recuperação da economia que resulte na melhora do mercado de trabalho. É preciso olhar, sobretudo, para aqueles que foram mais afetados pela crise, como trabalhadores informais, em ocupações de baixa remuneração e com restrições ao trabalho remoto.

Vale lembrar que, mesmo que a situação das regiões metropolitanas retorne ao patamar pré-crise, será para um nível de desigualdade bem superior ao que era verificado até a recessão de 2014-2016. “A perspectiva de retomada do crescimento econômico no pós-pandemia contribuiria para a redução da desigualdade, mas contribuiria mantendo a desigualdade em patamar ainda elevado, como sempre foi característica da nossa sociedade”, afirma Ribeiro.

Andre Salata, professor de Ciências Sociais da PUC-RS e também coordenador do estudo, afirma que o auxílio emergencial foi relevante para compensar as perdas do mercado de trabalho registradas no ano passado. A retomada dos pagamentos pode melhorar os indicadores sociais, mas precisa ter valores maiores. Porém, o governo Jair Bolsonaro apostou que o auxílio não seria mais necessário diante de uma recuperação da renda do trabalho a partir de 2021 – o que que não se confirmou.

“No final de 2020, a renda dos mais pobres não havia se recuperado – era muito menor do que no final do ano anterior. E foi nesse momento que o governo federal decidiu interromper o pagamento do auxílio emergencial”, afirma. “Com a interrupção do auxílio, no começo de 2021, há imediatamente um aumento da pobreza, porque essas pessoas não contam mais com aquela compensação.”

O estudo também traz uma parte dedicada à questão da desigualdade de oportunidade. Segundo o trabalho, entre os 40% mais pobres, 8,8% das pessoas com idade correspondente ao ensino fundamental e 26,9% daqueles com idade para o ensino médio apresentavam anos de escolaridade abaixo do esperado. Nos 10% mais ricos, esses valores eram de 2,7% e 4,4%, respectivamente.

Além disso, no estrato dos mais pobres, 16,8% dos jovens entre 18 e 24 anos haviam ingressado no ensino superior na média dos últimos quatro trimestres. Entre os mais ricos, eram 66,4%.

Com informações da Folha de S.Paulo