Teatro da Boca Rica: Uma possível cronologia dos afetos criativos

Rejane Reinado escreve sobre a trajetória do Grupo de Teatro Boca Rica que já tem mais de quatro décadas reunindo tradições e traduções no Ceará.

Por Rejane Reinaldo*

Em 1973 o GRITA – Grupo Independente de Teatro Amador foi criado pelo teatrólogo e filósofo José Carlos Matos (diretor de 1973-1982), posteriormente liderado pelo  teatrólogo Oswald Barroso (diretor de 1982-2006) inicialmente sob o nome GRAPO – Grupo de Arte Popular e no dia 6 de março de 1998 encerrou seu CNPJ de 1973 (GRITA), mudando para uma nova feição jurídica, de Grupo para Associação: Associação Educativa Cultural Teatro da Boca Rica, doravante denominada Teatro da Boca Rica, cujo nome é uma homenagem a Pedro Boca Rica, grande mestre e influente no grupo, com quem conviveu por mais de uma década, até sua morte em 1991. É uma Associação de fins não econômicos e sem caráter político e partidário, constituída por prazo indeterminado, regendo-se pela legislação competente e por seu Estatuto. Declarada de Utilidade Pública Municipal em 25/06/14 publicada no DOM No. 15.305.LEI Nº 10.212, de 6 de junho de 2014, Fortaleza, Ceará. Desde 2006 está sob a direção de Rejane Reinaldo.

Nas décadas de 1970 e 1980 esse grupo teatral compôs o movimento cultural Nação Cariri, cuja produção consta de filmes, recitais de poesia, peças teatrais, textos dramáticos, revistas, livros, pesquisas estéticas e antropológicas, discos, shows musicais, dissertações e teses acadêmicas, exposições, seminários, colaborações e intercâmbios com grupos, artistas e intelectuais do Brasil e do mundo. Partindo do teatro, num trabalho compartilhado, juntou em seu núcleo, intelectuais e artistas de diferentes linguagens, entre tantos outros, Rosemberg Cariri e Firmino Holanda (cinema), José Carlos Matos, Oswald Barroso, Tereza Tavares, Joana Borges, Jô Abreu, Deugiolino Lucas, Neusa Gonçalves, Fernando Neri, Marquinhos Moura, Rejane Reinaldo, Teta Maia, Silvana Garcia, Myreika Falcão, Pedro Xavier (in memoriam), Antonio Rodrigues, João Antonio, Pedro Gonçalves, Marcus Maia (música), Karin Virgínia, Elza Ferreira, Paulo Ess (que criou a Cia Dyonisios), Edvar Costa, Olga Paiva, Lana Soraya, Aida Marsipe,  Costa Sena, Andre das Areias, Erivan Carneiro, Ricardo Black, Angela Linhares, Joca Andrade, Ari Sherlock, Erotilde Honorio, Ricardo Guilherme (que criou o Teatro Radical), Olimpia Rocha, Dora de Paula Gonçalves, Selma Montenegro, Omar Rocha (que criou o Circo Tupiniquim), Chico Alves (in memoriam) e Graça Freitas (que criaram o Grupo Formosura). E demais participantes, de gerações as mais diversas, que em algum momento vivenciaram um processo criativo ou participaram do GRITA/ GRAPO/Teatro da Boca Rica.

Desde a sua origem reúne de forma criativa atores, atrizes, diretores, artistas plásticos, escritores, músicos, bailarinos, com mestres da cultura popular tradicional, como Patativa do Assaré, Mestre Pedro Boca Rica, Mestre Vicente Chagas, Mestre José Augusto, Mestre Antonio Ferreira, Mestre Aldenir Calour. Movendo uma teia de articulações que junta num mesmo esforço, artistas tradicionais e modernos, ligando gerações e propostas singulares, a ação desenvolvida nessa caminhada engendrou uma produção artístico-cultural, experimental e de ponta, com preocupações estéticas e sociais, que por seu volume e sua qualidade marcou definitivamente o cenário da cultura no Ceará, com repercussões nacionais e internacionais.

Defende que não há dicotomia, hegemonia ou hierarquia entre os saberes e fazeres criativos, partindo do princípio que tudo é criação. Assim, realizou processos criativos, espetáculos, ações formativas com Lino Vilaventura (figurinos), Carlos Newton Júnior (crítico teatral), Antônio Nóbrega e Roseane Almeida (Brincante), Gilmar de Carvalho, Daniel Lins (CE), Roberto Machado (in memoriam), Charles Feitosa (RJ), Peregrina Cavalcante (CE), Rose Marie Muraro (RJ), Lina Prosa (Itália),Anna Barbera(Itália), Antonino Giannotti (Itália),Miriam Palma (Italia), Jean Paul Manganaro (França/Italia), Camille Dumoulié (França), Francesca Manzari (Italia/França), Carlos Simioni (Lume), Elisa Toledo (Venezuela/MG), Gloria Paris (Italia/França), Carla Pollastrelli (Italia), Cleise Mendes(UFBA), Hebe Alves (UFBA), Adelice Souza(UFBA), Armindo Bião(UFBA), Carlos Cajaiba (UFBA), Gunther Blamberger (Alemanha), Laymert dos Santos(UNICAMP), Regina Melo (Amazonas), Francilene Rodrigues (Universidade Federal de Roraima), José Guedes, Descartes Gadelha, Ronaldo Cavalcante, Aderson Medeiros (cenários, cartazes, adereços, figurinos), Ronaldo Lopes, Zezé Fonteles, Caio e Graco, Liduíno Pitombeira (música), Elismário, Jabuti Fonteles, Aroldo Araujo, Nilton Fiori,  Adriano Espínola (Dramaturgia), Diana Denis Penalver (Venezuela), Veronica Velez (Argentina), Eduardo Gilio (Argentina), Maria Thais (SP),Maria Esmeraldo Forte (RJ).

No Teatro da Boca Rica estão reunidas criação artística, pesquisa, produção, gestão, tradição popular, juventude, transversalidade da cultura e saúde, patrimônio, e diversas expressões culturais e artísticas, exaltando a pluralidade da criação, tradição e tradução, numa renovação da linguagem, acentuando suas referências matriciais, introduzindo-lhe contemporaneidade. Alimenta-se de trocas e vivências múltiplas, num ritual que marca, ao mesmo tempo, reencontro e partida, sempre. Feito a vida. O Teatro da Boca Rica é uma Escola Livre, um Instituto Internacional de Culturas e Artes, um teatro (espaço), um grupo de teatro, um Ponto de Cultura. Estatutariamente tem por finalidade contribuir com a cultura, as artes e a sociedade em suas relações fortalecidas pelo desejo de construção cotidiana de um planeta mais belo, justo e feliz. Concentra suas ações na formação cultural, educacional, gestão, artística, de ofícios e técnicas, na transversalidade da cultura com a saúde, patrimônio, economia criativa, através de cursos, oficinas, encontros, seminários, palestras, residências, intercâmbios, conferências, multiresidências, experimentos cênicos e demais, de âmbito internacional, nacional, local, compreendendo que o Nordeste é o mundo. E o mundo é aqui.

A sua sede na Praia de Iracema por vinte e dois anos acolheu e divulgou a produção da juventude da periferia de Fortaleza e interior do Ceará, do movimento hip hop com Preto Rap, Preto Zezé, Cufa e demais, com shows históricos dos grandes nomes nacionais e internacionais dessa população, por mais de dez anos. Criou e fortaleceu naquele lugar a divulgação do movimento de Rock de garagem, realizando as mostras de Rock do Teatro da Boca Rica, por mais de uma década, realizando além de shows, encontros, a gravação de videoclipes, programas de televisão, lançamentos de CD de grande porte, por exemplo do grupo musical encabeçado por Fernando Catatau, o Cidadão Instigado e da banda 2fuzz, uma expressiva referência da cena rock grunge até os anos 2000. Trouxe aos seus palcos da Praia de Iracema os reisados, bois, dramas do interior cearense e assentamentos de reforma agrária. Estabeleceu-se como espaço do pensar-criar e trouxe ao Ceara grupos e artistas da importância de Fernando Arrabal (Espanha/França), Gloria Paris (Itália/França), Inno Sursy(Ghanna/Inglaterra), Teatro Brincante (SP), Lume (SP). A trajetória de mais de 48 anos da reunião de artistas e intelectuais que fazem a história do Grupo Independente de Teatro Amador – GRITA/ GRAPO – Grupo de Arte Popular e atualmente TEATRO DA BOCA RICA, envolvendo várias gerações, é a saga de um projeto de construção artístico-cultural referenciado no diálogo vigoroso e permanente entre a vanguarda e as tradições populares, no que elas têm de mais representativo do espírito mágico e criativo do ser humano.

*Rejane Reinado –  Atua no Ceará desde 1980 no campo artístico, gestão cultural e acadêmico, como atriz/diretora / professora universitária, pesquisadora / gestora / produtora/ curadora/ parecerista; Doutora em Artes Cênicas-Teatro – Universidade Federal da Bahia – UFBA (2015); Mestre em Sociologia – Universidade Federal do Ceará – UFC (2003); Bacharel em Serviço Social pela Universidade Estadual do Ceará (UECE); Curso Técnico Canto Lírico – Universidade Federal do Ceará – UFC (1987); Curso Técnico Em Rádio e Televisão – Universidade Federal do Ceará – UFC/ ACERT/ FUNTELC (1983);  Concebeu e realiza o Festival Internacional Mestre Pedro Boca Rica de Teatro de Boneco – FIBCE (Fortaleza e Ocara), a Bienal Internacional de Teatro do Ceara – BITCE (Fortaleza, Sobral, Juazeiro do Norte), o Projeto Amazonas (Teatro,Mito,Ciência) na luta contra o câncer de mama (Fortaleza); o Programa de Formação em Artes Cênicas, parceria Funarte/Secult (Fortaleza, Sobral, Russas) e a Rede Internacional Afetos, Autismos e Artes no Ponto de Cultura Escola Livre Teatro da Boca Rica.