Pesquisa expõe o racismo estrutural nas instituições de saúde

Estudo realizado em Ribeirão Preto com 182 pessoas revelou que 71,54% delas perceberam, em algumas situações, ter sofrido discriminação racial em serviços de saúde

O racismo está bastante enraizado na cultura brasileira, tanto que as medidas para combater a discriminação racial, adotadas pelo governo federal, utilizaram pela primeira vez, em 2005, a expressão “racismo institucional” para explicar que ele se manifesta nas estruturas de organização da sociedade e nas instituições, o que inclui o Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), feita em 2015, 23,3% das pessoas negras e pardas já se sentiram discriminadas em serviços de saúde.

A pesquisa de mestrado Análise do racismo institucional na assistência em saúde sexual e reprodutiva no município de Ribeirão Preto-SP, do enfermeiro Marcelo Vinicius Domingos Rodrigues dos Santos, da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP, revela que esse problema é tão “comum” a ponto de poucas pessoas identificarem que sofreram discriminação racial.

O intuito do estudo era identificar com que frequência pacientes negros e pardos sofriam discriminação e violência racial em instituições de saúde na cidade de Ribeirão Preto, interior de São Paulo, e quais tipos de violência os entrevistados identificaram.

“Uma das entrevistadas descreveu uma situação que presenciou: no relato, a pessoa diz ter visto uma gestante negra ser ignorada por uma funcionária por algumas horas na sala de espera e, quando a gestante foi atendida, foi tratada como uma paciente comum”, comenta o pesquisador.

Campanha do Ministério da Saúde contra o racismo no SUS, divulgada em 2014 – Foto: Ministério da Saúde

Santos também conta que, além da cor de pele, instituições de saúde levam em consideração a classe socioeconômica do indivíduo para definir, por exemplo, a ordem de atendimento dos pacientes. “Os entrevistados relataram comportamentos discriminatórios, por parte dos funcionários de saúde, em decorrência do status social e da cor de pele, algo totalmente contrário ao que está determinado na Política Nacional de Humanização do SUS”, diz.

Entretanto, segundo a pesquisa, poucas pessoas percebem quando sofrem discriminação durante o atendimento. Usando o questionário Escalas de Percepção de Discriminação Racial em Saúde, Santos identificou que, das 182 pessoas entrevistadas, 71,54% delas não perceberam, em algumas situações, terem sofrido discriminação racial em serviços de saúde. Já dentre os outros 28% dos entrevistados, 81,82% constataram ter visto ou sofrido discriminação racial por parte de médicos e enfermeiros.

Essa dificuldade está relacionada com o fato do racismo ser institucionalizado. O pesquisador exemplifica com a explicação dos membros do partido dos Panteras Negras, nos EUA, em que situações individualizadas e localizadas de ataque a pessoas negras por pessoas brancas é considerada racismo, enquanto a discriminação em larga escala de negros, por instituições do estado, não é vista como racismo. É o caso da precariedade de atendimento em saúde às populações negras, que pode levar a altos números de mortalidade, mas é uma versão mais sofisticada de racismo.

Por isso, Santos classificou como violência racial estes episódios mais diretos de ataque por razões fenotípicas do entrevistado, e de racismo institucional a qualidade ruim de serviços públicos direcionados para essas populações.

Diante dessa percepção social, ele considera importante uma mudança de mentalidade em relação aos níveis de racismo, para que as pessoas saibam quando estão sendo discriminadas e denunciar a prática.

Santos considera que medidas paliativas pode ser tomadas no curto prazo. São medidas ligadas à educação em saúde, educação dos profissionais de saúde, a aplicação da lei de saúde integral da população negra, a conscientização do usuário do SUS em saber identificar a discriminação racial e nomear os canais de denúncia. Mudanças mais profundas demandam maior participação da sociedade e do estado para isso, na opinião dele.

Combater o racismo

“Sendo a discriminação racial um problema cultural tão antigo, é difícil combatê-lo”, afirma Santos. “Mas isso não significa que não devamos tentar mudar o cenário atual”, diz. O pesquisador afirma ser necessário conscientizar as pessoas para que não tenham medo de acessar canais de denúncia do SUS quando presenciarem atos discriminatórios por parte dos funcionários.

“Também devemos lutar por um sistema de saúde igualitário, promovendo a reeducação de profissionais da saúde quanto ao atendimento ao paciente e educar melhor os futuros profissionais enquanto ainda estão na faculdade”, afirma o pesquisador. “Além disso, mesmo que tenhamos um longo trabalho pela frente, é necessário educar a sociedade com o intuito de reduzir ações discriminatórias vistas diariamente.”

O mestrado Análise do racismo institucional na assistência em saúde sexual e reprodutiva no município de Ribeirão Preto-SP foi apresentado no final de 2020

Edição de entrevista à Rádio USP

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