Privatização da Eletrobras: conta de luz pode ficar até 25% mais cara
Segundo o governo, pode haver uma redução de 6,3% da conta de luz. Mas especialistas discordam dessa previsão
Publicado 23/06/2021 13:26 | Editado 23/06/2021 15:36
Depois dos alimentos e dos combustíveis, a inflação que atormenta o bolso dos brasileiros sob o governo Jair Bolsonaro terá um novo vilão: a conta de luz. Ao contrário do que promete o governo Jair Bolsonaro, essa conta deve encarecer – e não baratear – com a privatização da Eletrobras.
A Medida Provisória 1.031/2021, que entrega a empresa à iniciativa privada,foi aprovada pelo Congresso e agora segue para sanção do presidente. Segundo o governo, pode haver uma redução de 6,3% da conta de luz. Mas especialistas discordam dessa previsão.
“A privatização da Eletrobras deve resultar num aumento do custo da energia elétrica para o consumidor de até 25%”, diz o ex-presidente da estatal Luiz Pinguelli Rosa, mestre em Engenharia Nuclear, doutor em Física, ex-secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças do Clima e professor de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ. Segundo ele, “esse aumento deve ser da ordem de uns 20% a 25%. Não é imediato, não é no dia seguinte ao da privatização. Esse aumento será progressivo”.
Para Pinguelli Rosa, se comparar com o que aconteceu com a década de 1990 – quando Fernando Henrique privatizou as grandes distribuidoras –, haverá aumento de tarifa. Ele cita os chamados “jabutis”, que são as imposições inseridas na MP por razões regionais de fazer uma usina térmica aqui ou acolá, que também vão ter um efeito no aumento da tarifa.
Ikaro Chaves, diretor da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (Aesel), é um dos autores de um estudo que avalia os impactos tarifários da privatização para os brasileiros. Segundo ele, a venda da estatal pode significar um aumento de tarifa para o consumidor cativo de até 14%.
Chaves alerta, porém, que esse estudo foi feito com base na MP original: “Com todos os jabutis que foram colocados depois na votação do Senado, pelos meus cálculos a conta de luz vai aumentar para 22% no mínimo.”
“Hoje a Eletrobras pratica os menores preços do mercado de geração de energia via usinas no regime de cotas. Se acrescentarmos o risco hidrológico (risco de falta de água, como estamos passando no momento), a tarifa passaria a R$ 93 por megawatt/hora. A MP prevê que esses preços seriam elevados para R$ 155/MWh entre os anos de 2022 e 2029 e para R$ 167/MWh a partir de 2030 até o ano de 2051. Dessa forma, o valor da energia comercializada pela Eletrobras teria aumentos de 67% e 80%”, diz.
Ele explica que quem compra a energia diretamente da Eletrobras não é o consumidor, mas, sim, as distribuidoras. O pequeno consumidor não tem a possibilidade de comprar diretamente dos geradores e por isso é chamado de consumidor cativo, obrigatoriamente tem de comprar energia da distribuidora da sua região.
Para Chaves, a privatização da Eletrobras, detentora de 30% da geração e 45% da transmissão do país, vai resultar na formação de oligopólio no setor elétrico brasileiro. “Isso é extremamente prejudicial para o país, pois concede o poder de formação de preços para poucas empresas com interesses exclusivos de lucratividade para seus acionistas”, conclui o estudo.
Para o doutor em Economia e pesquisador da FGV Ceri (Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutrura) Diogo Lisbona, a aprovação da MP tem um resultado muito ruim para os consumidores, o contribuinte e o próprio setor elétrico. “Só quem ganha foi quem conseguiu uma reserva de mercado; de resto, todos perdem”, afirma.
“O que aconteceu com a medida provisória no Congresso foi muito ruim – o saldo foi muito negativo”, agrega. “Se conseguiu uma proeza de não atender aos interesses dos consumidores, não atender aos interesses dos contribuintes, que estão alienando um bem que é da União de uma forma que não agregou valor, e não atendeu aos interesses do setor elétrico, que está há um bom tempo discutindo formas de modernização do setor.”
Para Lisbona, o que se viu na tramitação na Câmara e depois no Senado foram medidas completamente contrárias, na direção oposta da modernização do sistema: reserva de mercado para várias fontes, como térmicas a gás, com determinação do montante e localização das usinas. “Foram colocados penduricalhos estranhos à discussão da privatização e que são completamente contra a modernização e competitividade”, diz.
Para o pesquisador, essas medidas vão encarecer a conta lá na frente para o consumidor. “Essas térmicas ainda serão construídas e o Congresso está determinando a fonte, a quantidade e a localização. Isso tudo em lugares onde não tem gasoduto, então vai ter que construir o gasoduto e depois trazer a energia, fazer linhas de transmissão.”
A rigor, a inflação da energia já tem data para começar. Segundo a Folha de S.Paulo, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) deve aprovar, na próxima semana, um reajuste das bandeiras tarifárias – um valor adicional que encarece as contas sempre que o custo de geração da energia sofre alta.
Na estimativa de técnicos que participam das discussões com o governo, a tendência é a de que o conselho diretor da agência aprove um aumento de 40% a 60% das bandeiras – o que acarretará um aumento entre 15% e 20% na conta de luz. Os números ainda estão sendo fechados pelos técnicos da agência, mas já devem vigorar a partir de julho. A expectativa é que permaneçam nesse patamar até o final do ano.
O sistema de bandeiras reflete o “apagão de Bolsonaro”, como vem sendo chamada a crise do sistema elétrico brasileiro, ainda muito dependente das hidrelétricas. Na bandeira verde, não há adicional para cada quilowatt-hora consumido. Na amarela, esse extra é R$ 1,34 por kWh (quilowatt-hora). Na bandeira vermelha, há dois patamares —R$ 4,16 (nível 1) e R$ 6,24 (nível 2).
Diante da mais grave crise hídrica dos últimos 91 anos, a Aneel impôs a bandeira vermelha 2 em junho. Caso o aumento se confirme, o preço a mais do kWh passaria dos atuais R$ 6,24 para cerca de R$ 10. Esse movimento exercerá mais pressão sobre a inflação medida pelo IPCA que, no acumulado dos últimos doze meses, atingiu 8%. Dessa alta, cinco pontos percentuais foram provenientes dos preços da energia.
O aumento se deve, sobretudo, à autorização pelo Ministério de Minas e Energia para que usinas termelétricas sejam acionadas a fim de injetar energia no sistema. O problema é que essas usinas geram energia a cerca de R$ 1.200 o MWh (megawatt-hora), quase nove vezes mais do que a média do mercado. Esse gasto adicional já encareceu a conta do consumidor em quase R$ 9 bilhões.
Com informações do R7 e da Folha de S.Paulo