O caso Simone Biles: como a pressão pode derrubar até os supercampeões

“Há vida além da ginástica. Infelizmente, aconteceu nesse palco”, declarou a ginasta norte-americana

A maior ginasta da história dos Estados Unidos não vai mais competir na final individual geral da Olimpíada. Aos 24 anos, Simone Biles – que estava cotada para sair dos Jogos de Tóquio com várias medalhas de ouro – abriu mão de mais uma provável glória olímpica. A razão, segundo a federação norte-americana de ginástica, é que a atleta precisa cuidar de sua saúde mental.

Biles já vinha demonstrando sinais de que não estava bem. Na véspera, ela se retirou da competição. Antes de desistir, chegou a se apresentar em grupo e marcou 13.766 – nota considerada muito baixa para seus padrões. Ao justificar seu desempenho, a ginasta afastou boatos de que ela havia se machucado nos saltos e afirmou que tinha de priorizar seu bem-estar.

“Há vida além da ginástica. Infelizmente, aconteceu nesse palco”, declarou Biles, corajosamente, na coletiva de imprensa realizada logo após a competição. “Esses Jogos Olímpicos têm sido muito estressantes… Uma longa semana, um longo ciclo olímpico e um longo ano”, desabafou.

Biles é quatro vezes medalhista de ouro nas Olimpíadas e a ginasta mais vitoriosa na história dos Estados Unidos em campeonatos mundiais. Ela está classificada para outras provas individuais nos Jogos, mas a própria federação norte-americana admite que o estado de saúde mental da ginasta terá de ser avaliado dia a dia.

O “caso Simone Biles” evidencia como a pressão e o stress podem levar atletas à exaustão mental, derrubando até supercampeões. “O problema não é a pressão em si, mas sua intensidade”, explica o psiquiatra Daniel Barros.

Segundo ele, a própria motivação é um tipo de pressão – mas as pessoas tendem a ver pressão e motivação como fatores distintos, sendo um positivo e o outro negativo. Porém, não é a pressão que faz mal – mas, sim, a intensidade com que ela se manifesta “A gente precisa da pressão para ter resultado. Caso contrário, a gente não performa em nada, seja no esporte ou no trabalho”, aponta Barros.

O também psiquiatra Henrique Bottura, diretor clínico do Instituto de Psiquiatria Paulista e mestre em Psicologia do Esporte pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), concorda. Sem pressão, diz ele, não há aperfeiçoamento constante. “A pressão faz parte da natureza do esporte de alto rendimento. A competição é o espírito do atleta”, afirma. “Via de regra, o atleta é alguém competitivo que precisa dessas exigências para manter seu nível de resultado e empenho.”

Ainda assim, num ambiente esportivo, não é possível dosar a pressão sobre os atletas, muito menos em megaeventos do porte das Olimpíadas. “São todos excelentes atletas competindo por um mesmo lugar no pódio. Um atleta sempre vai querer ir um pouco mais além do seu próprio limite para ganhar uma medalha – e é aí que pode estar o problema”, lembra Barros.

As contingências impostas pela pandemia de Covid-19 – que forçou o aidmaneto dos Jogos de Tóquio em um ano – agravam a situação. “É um ambiente que exige muito mais de você do que você pode dar – e isso pode acontecer tanto em uma competição de alto rendimento como no seu trabalho”, diz Bottura.

Durante sua coletiva de imprensa, Biles revelou que estava muito estressada, a ponto de não sentir prazer em estar na competição. “Acho que estamos todos muito estressados. Deveríamos estar nos divertindo, e esse não é o caso”, afirmou a ginasta.

Conforme Christian Dunker, psicanalista e professor do Instituto de Psicologia da Universida de São Paulo (USP), um primeiro sinal de exaustão ocorre justamente quando o indivíduo não consegue mais se divertir fazendo algo em que, antes, se satisfazia. “Quando não há mais satisfação, seja no trabalho ou no esporte, é o momento para se pensar.”

A pressão exacerbada pode provocar sintomas físicos ou psíquicos, como alterações no sono e no apetite, cansaço extremo, explosões de raiva e disfunções sexuais. No caso específico de atletas, um dos sinais de que o profissional não está lidando bem com a pressão é quando ele passa a ter melhor rendimento em treinos ou amistosos do que nas competições.

Para Dunker, a atitude de Simone Biles serve de exemplo para que as pessoas passem a identificar os próprios limites. “Assim como um músculo, que pode sofrer luxações, a mente também tem suas vulnerabilidades. O ato dela foi um imprevisto para o time, mas tem essa conotação de como alguém pode e deve respeitar seus limites – assim como, quando possível, esse alguém também pode superar seus limites”, explica o especialista.

Segundo Dunker, a atitude pode apontar para um melhor aproveitamento da atleta durante a competição, uma vez que ela se livrou da pressão de ser perfeita em todas as modalidades que competisse. “Eventualmente, a atitude da Simone reflete uma situação muito comum que é a expectativa dos outros – o peso de ganhar”, diz. “Forçar uma saída talvez seja uma forma de ela competir melhor nas outras modalidades em que ela ainda compete porque ela já tirou o peso de ser perfeita.”

Com informações do G1