Mulheres exigem #ForaBolsonaro, por Lídice Leão

Nunca é demais recordar que as mulheres estiveram à frente de grandes revoluções mundiais, desde a francesa até a revolução russa

O país chegou a um ponto em que ou se é mulher e a favor de todas as pautas em defesa das mulheres, ou se é a favor de um governante autoritário, de arroubos golpistas, com discurso ditatorial e cheio de ódio.

Ser mulher e apoiar Bolsonaro sempre foi algo incongruente. Basta lembrar da ofensa disferida pelo então deputado do baixíssimo clero à parlamentar Maria do Rosário, em 2014: “jamais iria estuprar você porque você não merece”. As imagens estão na internet para quem tiver estômago para (re)ver. Eu fui lá assistir novamente ao vídeo. Como se não bastassem as ofensas verbais, Bolsonaro agride fisicamente a deputada, com empurrões, coloca o dedo em riste diante da “colega”, em uma clara ameaça, a xinga de “vagabunda” duas vezes, até ser retirado pelo segurança da Câmara Federal. Na cena, nenhum respeito, nenhuma educação, nenhum controle emocional.

O comportamento abjeto de Jair Bolsonaro contra as mulheres não parou ali. Em 2016, novamente o deputado do baixíssimo clero vota pelo impeachment da então presidenta, “pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff”. Logo atrás dele, o filho, com sorriso orgulhoso, também pronuncia, junto com o pai, o nome do torturador, como se aquilo fosse um fetiche entre pai e filho.

Como no Brasil os militares não foram julgados e condenados pelos assassinatos e crimes de tortura cometidos durante a ditatura, o espaço ficou aberto e livre para este tipo de declaração. Em plena casa legislativa. É bom lembrar que a tortura, pelo direito internacional, é considerada crime contra a humanidade. No entanto, aqui, ao contrário de Chile, Uruguai e Argentina, a Lei da Anistia foi usada como escudo para os criminosos da ditadura militar. E continuou a servir de proteção para discursos como o de Bolsonaro em 2016.

É esse o homem que ocupa a presidência hoje. Homem eleito pelos mesmos homens que colocavam nos carros adesivos de Dilma Rousseff em pose ofensiva contra todas as mulheres e hoje se conformam com a gasolina à beira de sete reais o litro. Os mesmos homens que xingaram Dilma Rousseff em coro durante a abertura da Copa do Mundo em 2014 – detalhe: o mesmo ano em que Bolsonaro agrediu a deputada Maria do Rosário, em fato citado no início deste texto.

Ora, quando um homem com este tipo de comportamento contra as mulheres está no poder, ele legitima outros homens – aqueles que votaram nele, principalmente – a agredir, violentar, estuprar e matar mulheres. Não pode ser considerado mera coincidência o fato de que, em 2019, 33,3% do total das mortes violentas de mulheres registradas ocorreram dentro de casa, de acordo com o Atlas da Violência, divulgado pelo IPEA e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O dado aponta para um aumento da violência doméstica. Vale destacar, ainda, que de todas as mulheres assassinadas no Brasil em 2019, 66% eram negras. Sintoma de um cenário político fundado no preconceito de gênero, de classe e de raça.

Por tudo isso, que não começou hoje, mas chegou ao ponto de fervura máxima, é que na manifestação de 7 de setembro havia tantas mulheres. Mulheres de todas as idades, raças e classes sociais. Mulheres que não aceitam mais que a presidência do país seja ocupada pelo homem que cometeu e legitimou tanta violência contra elas.

Nunca é demais recordar que as mulheres estiveram à frente de grandes revoluções mundiais, desde a francesa – elas foram as primeiras a se unir e marchar sobre Versalhes e chegaram e ser proibidas pelos parlamentares de saírem em grupos pelas ruas, como escreve Maria Rita Kehl no livro “Deslocamentos do feminino” – até a revolução russa, quando mulheres tecelãs iniciaram uma greve e várias manifestações por melhores condições de vida e trabalho, de acordo com historiadores e historiadoras que pesquisam o período.

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