20 milhões ficaram mais de 24 horas sem comer em 2020, revela pesquisa

Mais da metade (55%) dos brasileiros sofriam de algum tipo de insegurança alimentar (grave, moderada ou leve) em dezembro de 2020, de acordo com o levantamento feito pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan)

(Foto: Arquivo/Agência Brasil)

Uma pesquisa revelou que 20 milhões de brasileiros declararam ter passado fome, ficando mais de 24 horas sem comer, em 2020. O levantamento mostra também que mais 24,5 milhões afirmaram não ter certeza de como se alimentarão durante o dia a dia, assim como já reduziram a quantidade e a qualidade do que comem e outros 74 milhões vivem insegurança se terão comida na mesa.

No total, mais da metade (55%) dos brasileiros sofriam de algum tipo de insegurança alimentar (grave, moderada ou leve) em dezembro de 2020, de acordo com o levantamento feito pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan),

O estudo, que procurou dar sequência às pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), feito a cada quatro anos, como anexo da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) e Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), foi realizado em 1.662 domicílios urbanos e 518 rurais.

De acordo com as informações colhidas no final do primeiro ano da pandemia, 116,2 milhões de pessoas viviam algum grau de insegurança alimentar. O conceito de insegurança foi medido em três diferentes graus: leve, quando há preocupações futuras com a renda que comprometem a qualidade da alimentação; moderada, quando a família passa a viver com restrições de alimentos; e grave, quando há privação e fome.

Contudo, a pesquisa foi desenvolvida antes da escalada inflacionária dos últimos meses – que agrava o quadro. A inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor (IPCA) de setembro bateu recorde e atingiu 10,25%, a maior taxa desde 1994. O índice de difusão do IPCA para alimentos, que mostra o percentual de itens com aumentos, chegou em 64%.

De acordo com os dados do IBGE, a insegurança alimentar voltou a subir a partir de 2014, se intensificando a partir da recessão dos anos de 2015 e 2016.

Menos comida na mesa

Com o povo brasileiro precisando enfrentar uma crise econômica, pandemia extremamente agravada pelo governo Bolsonaro, deteriorando as condições de vida do povo com o desemprego em massa que aflige cerca de 20 milhões de pessoas (entre desocupados e desalentados), muitos brasileiros estão passando a comer com menos qualidade e em menor quantidade.

Nesse cenário, a criação de empregos informais e pior remunerados representa 80% das vagas criadas no último período, arrochando ainda mais a renda dos mais pobres. Em seus domicílios, quase toda a renda é gasta em alimentos, transporte e moradia.

A pesquisa Datafolha para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor apontou que desde o início da pandemia os brasileiros vêm comendo mais alimentos ultraprocessados e baratos. Houve aumento no consumo destes alimentos principalmente entre os adultos na faixa dos 45 a 55 anos, passando de 9% para 16%.

“Antes mesmo da pesquisa, esperávamos o agravamento do quadro. Mas não que fosse tão profundo”, diz Renato Mafuf, coordenador da Rede Penssan, que repetirá o levantamento neste ano, ampliando-o para quase 7.000 domicílios.

Renato diz que se por um lado os números relativos à pandemia estão decrescendo – graças à vacinação -, permitindo a volta do trabalho informal, melhorando um pouco a renda, a inflação acelera desde o final de 2020, impedindo avanço significativo nas condições alimentares dos pobres.

O impacto disso é que, no início do governo Bolsonaro, o valor da cesta básica em São Paulo – calculado pelo Procon-SP e o Dieese – representava 71% do salário-mínimo. No fim de agosto deste ano, chegou a 98% do mínimo. Os produtos da cesta aumentaram 52%, enquanto o salário-mínimo, 10,2% – sem qualquer aumento real no salário desde o início do governo Bolsonaro.

De acordo com Marcelo Neri, diretor da FGV Social, a insegurança alimentar é um elemento que tem acompanhado de perto a variação crescente da extrema pobreza e o enxugamento do gasto social. A extrema pobreza tem aumentado todos os anos desde 2014 e atinge, hoje, 27,4 milhões de pessoas. A FGV Social considera como extrema pobreza o rendimento domiciliar per capita inferior a R$ 261.

Número de favelas

A junção do desemprego em massa, o aumento da inflação sobre a cesta básica e a consequente queda de renda fez subir não só a insegurança alimentar nos últimos anos como fez explodir o número de favelas no Brasil. Em dez anos, elas mais que dobraram em número e presença nas cidades brasileiras.

Segundo estimativa do IBGE, o total de “aglomerados subnormais” (favelas, palafitas, etc.) saltou de 6.329 em 323 municípios para 13.151 em 734 cidades de 2010 a 2019. São moradias que padecem de saneamento básico e que aumentaram de 3,2 milhões para 5,1 milhões no período.

De acordo com as projeções, uma a cada quatro moradias precárias fica nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro; mas a proporção é bem maior em capitais como Belém (55,5% do total de residências), Manaus (53%) e Salvador (42%). Os dados de 2010 são do Censo e os de 2019 foram estimados pelo IBGE para subsidiar a operação do próximo Censo, em 2022, e distribuir o trabalho aos recenseadores, e podem ser revistos após a aplicação do Censo.

Há ainda outro elemento que pode influenciar o crescimento das favelas: o aumento do preço do aluguel. O Índice Geral de Preços ao Mercado (IGP-M) – utilizado para reajustar os preços do aluguel – acumulou altas de 16,75%, até 30 de agosto, e de 31,12% em 12 meses, segundo cálculos da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Fruto da política econômica do governo Bolsonaro, o IGP-M desde meados do ano passado vem apresentando seguidas altas, descolando assim da realidade dos consumidores brasileiros, já pressionados pela carestia dos preços dos alimentos e dos demais preços que são administrados pelo governo federal, como energia, gás de cozinha, gasolina etc.

“O Brasil está se tornando um país margeado por favelas. O que não podemos é chegar numa situação de não reversão, embora isso não esteja distante”, afirma Edu Lyra, ex-favelado e fundador do Instituto Gerando Falcões, ONG voltada à promoção social de crianças e adolescentes.

Se as favelas cresciam até 2019, com o impacto da crise sanitária e a sabotagem do governo Bolsonaro, esse crescimento foi potencializado com mais pessoas precisando escolher entre pagar aluguel e colocar comida na mesa.

Fonte: Hora do Povo