Boa noite, cinderela, por Anderson Pereira

Com falsas promessas de gerar empregos, a reforma Trabalhista completa quatro anos de vigência. O mesmo golpe retorna com a reforma Administrativa

Parlamentares se manifestam contra a PEC (Foto: Liderança da Minoria)

O sujeito sentou num bar e pediu uma cerveja. Uma bela mulher o observava do outro lado do balcão. Após algumas doses, os dois já estavam juntos. Ao acordar, o susto: a sua carteira tinha desaparecido.

Há quatro anos, os trabalhadores brasileiros também caíram num golpe parecido. Dormiram com direitos trabalhistas e acordaram sem eles. Foi em novembro de 2017. Naquele ano, a reforma Trabalhista passou a vigorar após ser aprovada pelos deputados Federais por 296 votos a favor e 177 contra.

As promessas eram a de gerar mais empregos no país e “modernizar” as relações de trabalho. Nesses quatro anos, a projeto aprovado retirou direitos da classe trabalhadora e contribuiu para um desemprego recorde. Hoje, cerca de 14 milhões de brasileiros estão desempregados.

A pandemia acentuou o problema, mas revelou aquilo que as Centrais Sindicais denunciavam na época, ou seja, que reforma Trabalhista seria prejudicial para os trabalhadores.

Ao contrário de “modernizar” as relações de trabalho, por exemplo, a reforma aumentou a informalidade e o fenômeno da contratação por meio de Pessoa Jurídica (PJ), a famosa “pejotização”. Em outras palavras, o trabalhador se vê obrigado a abrir uma empresa para, só assim, ser contratado.

Outro resultado negativo da reforma foi o de intimidar os trabalhadores na busca pelos seus direitos na Justiça do Trabalho. Se um trabalhador perde a ação trabalhista é obrigado a arcar com os custos processuais. Felizmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou essa norma neste mês de outubro. 

A reforma Trabalhista ainda alterou as relações entre os sindicatos de empregados e patrões. Enquanto as entidades patronais seguem com recursos financeiros para defenderem os seus interesses, a reforma reduziu o orçamento dos sindicatos trabalhistas.

Os mesmos deputados que aprovaram a reforma Trabalhista, em 2017, são os mesmos que hoje, em Brasília, defendem a reforma Administrativa. O argumento é o mesmo: “modernizar” o Estado brasileiro.

De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a reforma Administrativa, também conhecida como PEC-32 (Proposta de Emenda Constitucional) vai piorar a prestação dos serviços públicos no Brasil.

Essa medida “reduzirá a estabilidade e mudará a forma de contratação do funcionalismo público. Essas alterações podem resultar na descontinuidade da prestação do serviço público, perda de memória técnica, dificuldade de planejamento em longo prazo, rompimento do fluxo de informações e, não menos importante, estímulo ao “apadrinhamento” político, “cabides” de emprego, o uso indevido do poder político para fins particulares eleitoreiros e não para fins de interesse público e, ainda, aprofundar e facilitar a corrupção em órgãos públicos”, afirma a entidade.

O Dieese conclui: “De forma resumida, pode-se dizer que boa parte da proposta de reforma da Administração Pública contida na PEC 32/2020 consiste em retirar a primazia do concurso público como instrumento de seleção de pessoal, enfraquecer e/ou eliminar a estabilidade dos(as) servidores(as) civis estatutários(as) e reduzir os patamares salariais, além de transferir atividades públicas para a iniciativa privada e dar amplos poderes ao presidente da República para reorganizar o funcionamento do Estado de forma arbitrária e sem qualquer discussão com o Congresso Nacional e com a sociedade”.

Atualmente, o governo Bolsonaro não tem todos os votos necessários para aprovar a PEC-32 no Congresso Nacional. Essa é a avaliação dos deputados da oposição. Porém, todo o cuidado é pouco. O presidente da Câmara dos Deputados, Artur Lira (PP-PI), não descarta votar a proposta. Só não votou ainda porque teme um desgaste político do governo Bolsonaro e dos seus aliados num ano às vésperas das eleições presidenciais.

Caso a PEC-32 seja aprovada, esse será mais um golpe do capital contra o trabalho. O famoso “boa noite, cinderela”.

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