Os Beatles estão de volta em “Get Beck”

Usando 57 horas de filmagens inéditas, o diretor Peter Jackson explora o clima entre os membros da banda em janeiro de 1969, durante as gravações dos álbuns “Abbey Road” e “Let It Be”, em Londres.

Há quem acredite que o que um dia foi raridade hoje pode facilmente ser encontrado na internet. Peter Jackson, no entanto, destoa desse conceito ao editar e lançar materiais únicos de uma banda e de músicos igualmente únicos: os Beatles.

O diretor neozelandês, famoso por colecionar Oscars com a trilogia O Senhor dos Anéis, debruçou-se em 56 horas de filmagens nunca antes vistas – e mais de 150 horas de áudios – gravadas pelo cineasta Michael Lindsay-Hoggs em meio às composições dos álbuns Abbey Road e Let It Be, em janeiro de 1969, em Londres.

O resultado é o documentário “Get Back”, dividido em seis horas e que foi lançado nesta quinta-feira (25), e continua na sexta-feira (26) e no sábado (27), no serviço de streaming Disney+.

Jackson classificou como “alucinante” explorar e descobrir o ambiente da banda inglesa pouco antes da dissolução definitiva, ainda em 1969. As imagens da última apresentação do grupo, no topo do prédio da gravadora Apple, também em Londres, foram retrabalhadas digitalmente em resolução 4K, dando uma aparência moderna a cenas de quase 53 anos, gravadas em 16mm.

A ideia de Jackson é mostrar um quarteto longe dos históricos relatos de desacordos e brigas que remetem à época final dos Beatles. “Espero que isso coloque um sorriso no rosto de cada um que assistir”, diz o diretor.

Já em 2020, um teaser postado por Jackson apresentava os músicos brincando no estúdio, no que parece ser uma grande reunião entre familiares, amigos e crianças.

Yoko Ono e John Lennon se abraçam e se beijam, Ringo Starr banca o palhaço, e Paul McCartney faz piruetas. Até mesmo George Harrison exibe um sorriso. Entre as brincadeiras, eles ensaiam.

O diretor Peter Jackson classificou como “alucinante” trabalhar em 56 horas de filmagens nunca antes exibidas l Foto: Apple Corps Ltd

Os Beatles estavam prestes a acabar

Ainda que as imagens e a intenção de Jackson exibam beatles muito bem-humorados e aparentemente tranquilos, o fim da banda estava, de fato, prestes a acontecer.

A conexão exacerbada entre John e Yoko, sempre ao lado do marido no estúdio, seria um incômodo para o resto da banda.

Harrison estaria sentindo-se frustrado, sem a mínima vontade de permanecer ao lado dos então companheiros de grupo.

E haveria também uma clara divisão a respeito do empresário Allen Klein, cuja contratação era um equívoco para Paul.

Esses fatores, de acordo com muitos fãs, teriam contribuído para a separação da banda.

Durante a produção do White Album, um ano antes, em 1968, era raro que os quatro frequentassem o estúdio ao mesmo tempo durante as gravações. O mesmo ocorreu em Let It Be, que foi lançado depois que os Beatles já haviam se separado.

Os Beatles no famoso show no topo do prédio da Apple Corps, em Londres, em janeiro de 1969 l Foto: Apple Corps Ltd

Uma última vez juntos

Ainda que houvesse uma insatisfação generalizada, Paul tentou reunir a banda para um último álbum com o objetivo de tocar ao vivo – algo que eles não faziam desde 1966, uma vez que as músicas do grupo haviam se tornado muito complexas para execução em shows, e eles, cansados, queriam evitar a gritaria dos fãs durante as apresentações.

Ao fim, Paul McCartney conseguiu persuadir os outros integrantes. Trouxe novamente a bordo o produtor de longa data George Martin. E também outro velho conhecido: Michael Lindsay-Hoggs, que filmou as sessões de estúdio, inicialmente para um documentário de televisão, que depois se tornou um longa-metragem, intitulado “Let It Be”.

E assim, depois de meses de brigas, discussões e distanciamento, os Beatles se reuniram novamente em um estúdio, ainda que por alguns dias, e tocaram ao vivo no topo do prédio da empresa que haviam fundado, a Apple Corps. As filmagens do show são mundialmente famosas, mas o que aconteceu nos bastidores nunca havia sido mostrado – até agora.

Peter Jackson conseguiu editar e finalizar um documentário de seis horas que mostra como quatro músicos, sob imensa pressão e estresse, foram capazes de gravar canções icônicas como “Get Back”, “Let It Be” e “Accross the Universe”. As câmeras, ou as imagens desse filme, capturam justamente os momentos mais íntimos desse processo. Os momentos bobos, de brincadeiras, até os olhares irritados e os xingamentos.

Documentário mostra momentos divertidos e também alguns olhares sérios e palavrões proferidos pelos músicos l Foto: Apple Corps Ltd

Os palavrões

Uma curiosidade a respeito do documentário “Get Back” é que Jackson teve de convencer a Disney, conhecida por se promover como uma empresa pró-família, a não cortar as cenas que mostram os músicos dizendo palavrões.

“Os Beatles são scousers (referindo-se aos habitantes e ao sotaque de Liverpool) e eles falam palavrões o tempo todo livremente, mas não de forma agressiva ou sexual. Conseguimos que a Disney liberasse isso. Acho que é a primeira vez para um canal da Disney. Isso também os faz se sentirem modernos”, declarou Jackson à revista Radio Times.

Paul e Ringo, os dois beatles sobreviventes, foram só elogios a Jackson. À revista online Udiscover, Ringo enalteceu o trabalho do diretor, ao qual ele chamou de “herói”.

Ao jornal alemão Welt am Sonntag, McCartney disse que achou divertido como ele e seus parceiros se tratavam naquela época. E destacou que gostou do filme porque mostra que ele nem sempre estava brigando com John Lennon, o que, para ele, simplesmente não era verdade.

“São quatro amigos tocando em um lugar totalmente louco em Londres, rindo do absurdo da situação. Eram os Beatles, éramos nós”, afirma Paul.

Assista um trecho da gravação no alto de edifício da Apple:

Fonte: DW