81% dos brasileiros creem que crise econômica continuará em 2022

Questionados sobre quais as maiores dificuldades que o Brasil enfrentará em 2022, os entrevistados escolheram três itens ligados à economia em uma lista com seis opções

Arte: Valor Econômico

A imensa maioria dos brasileiros acredita que 2022, o último ano do governo Jair Bolsonaro, será marcado, como o ano passado, pela crise econômica. É o que aponta pesquisa do Instituto Travessia, encomendada pelo jornal Valor Econômico. Conforme o levantamento, 81% temem que os entraves na economia percebidos em 2021 – que resultaram em mais desemprego e inflação – sejam mantidos ou mesmo agravados nos próximos 12 meses.

Esse desalento reduz enormemente a intenção de consumo e amplia as preocupações com trabalho e renda. Guardar dinheiro, nesse cenário, passou a ser não só um desejo – mas um desafio no futuro imediato das pessoas. Para 45%, o desempenho da economia não vai melhorar em 2022, se comparado a um 2021 em que a situação já estava ruim.

O avanço da vacinação anti-Covid-19, apesar do boicote bolsonarista, mudou a opinião majoritária sobre os rumos da pandemia no País: 77% não acreditam em um novo avanço do novo coronavírus neste ano. Esses 77% se dividem em três subgrupos. Há os esperançosos, os comedidos e os confiantes desvairados.

A turma dos esperançosos é formada por 31% dos entrevistados. Para eles, a situação da pandemia vai melhorar em 2022. Os moderados representam 37% do total e consideram que a situação permanecerá igual à registrada no fim de 2021.

“Como o levantamento foi feito na primeira semana de dezembro, num momento em que a variante ômicron estava sob aparente controle, esse ‘permanecer igual’ deve ser entendido como ‘continuar bom’, ou ainda, ‘continuar razoável’”, diz Renato Dorgan Filho, analista e sócio do Instituto Travessia.

Já um grupo de 9% foi mais longe: cravou que a pandemia vai simplesmente terminar neste ano. No outro extremo das expectativas, 15% acreditam que a situação vai se agravar e 11% afirmam que não adotarão nenhum tipo de precaução contra a doença neste ano.

Ainda que a visão panorâmica seja positiva, muita gente mostrou-se disposta a manter os cuidados básicos. A grande maioria (89%) disse que pretende continuar usando máscaras e 76% aceitam observar alguma forma de distanciamento social, sendo que 55% não querem frequentar lugares com a presença de muitas pessoas. Se possível, 34% gostariam de trabalhar em home office.

Carlos Melo, cientista político e professor da escola de negócios Insper, em São Paulo, considera que essa adesão maciça a ações preventivas tem uma leitura política inescapável. “Ela mostra o imenso isolamento da postura adotada pelo governo federal em relação à pandemia, se comparada ao sentimento da população”, diz. “Nove em cada dez brasileiros ainda aceitam usar máscaras, passados quase dois anos desde o início da crise na saúde. Depois de tanto tempo, seria razoável imaginar que esse tipo de medida sofreria algum tipo de desgaste – mas a pesquisa indica o contrário.”

Dorgan Filho, do Travessia, acrescenta: “Esta sondagem confirma levantamentos anteriores nos quais o comportamento ‘negacionista’ diante da Covid não vai além de 15% dos brasileiros. Neste caso, pode-se dizer que ele ficou restrito aos 11% que não pretendem se prevenir de nenhuma maneira”, ressalta. “A aceitação do uso de máscaras, o objetivo de manter o distanciamento e o medo de lugares lotados revelam, sem deixar dúvidas, que ainda existe um grande temor em relação à pandemia, ainda que a expectativa geral sobre um eventual recrudescimento da doença não seja ruim.”

Se é assim no front pandêmico, no econômico qualquer demonstração de confiança se desfaz. Questionados sobre quais as maiores dificuldades que o Brasil enfrentará em 2022, os entrevistados escolheram três itens ligados à economia em uma lista com seis opções.

Em primeiro lugar, apareceu o tema genérico “crise econômica”, mencionado por 25% das pessoas. A seguir, vieram a “inflação”, com 23%, e o “desemprego”, com 20%. Na quarta posição, ocupando um segundo patamar numérico, ficou a “crise política” com 15%. Já as opções ligadas à Covid-19, como o “coronavírus” e a “falta de vacinas”, apareceram numa faixa inferior do espectro das inquietações, com 8% e 3% das escolhas, respectivamente.

Para 45% das pessoas ouvidas, o desempenho da economia não vai melhorar em 2022, se comparado a 2021. E o problema, frisam os analistas, é que a situação já não estava nada boa no ano passado. As mais recentes – e benevolentes – estimativas de crescimento do PIB para os últimos 12 meses giram em torno de 0,5% e, mesmo assim, estão em queda constante.

“Isso quer dizer que, para quase metade dos brasileiros, a situação do país vai continuar ruim”, afirma Bruno Soller, responsável técnico pela pesquisa e sócio do Travessia. Outros 36% mostraram-se ainda mais descrentes. Eles acreditam que a conjuntura vai piorar. Somados, esses dois grupos alcançam 81% da população. Por outro lado, 17% confiam em mudanças positivas nessa seara.

Ao examinar a intenção de consumo dos entrevistados, a pesquisa aponta que 79% das pessoas não pretendem ampliar gastos de nenhuma espécie neste ano. “Estes, que formam uma imensa maioria, vão prender o cinto no último botão”, diz Dorgan Filho. Quando falam em algum tipo de elevação de dispêndios, 9% citam a alimentação, um item básico. Só 4% mencionam o objetivo de adquirir bens duráveis (como carros, geladeiras e máquinas de lavar) e outros 4% em ampliar despesas com o lazer.

Ao trataram das maiores esperanças para este ano, 49% das pessoas escolheram o tópico “conseguir um emprego melhor” em uma lista com quatro alternativas. Acrescente-se que, em outra resposta, 33% dos entrevistados apontaram como prioridade profissional para 2022 obter um “aumento de salário”. Outros 15%, nessa mesma questão, assinalaram que gostariam de “mudar de emprego”.

Ainda sobre as esperanças para 2022, em segundo lugar ficou a opção “guardar dinheiro”, reunindo 32% das escolhas. Dorgan Filho, do Travessia, frisa que esse é um objetivo constantemente mencionado em sondagens qualitativas, realizadas com grupos menores, e nas quais os temas são debatidos em detalhes.

“Em todas as discussões, percebemos uma grande preocupação com a poupança em todas as faixas de renda”, diz o analista. “Essa talvez seja uma lição importante da pandemia, porque todos temem o que pode acontecer mesmo no curto prazo e gostariam de contar com algum tipo de reserva. Hoje, o pé-de-meia parece estar se tornando muito mais importante para os brasileiros.”

O problema é que, apesar das expectativas, não será simples a realização dos desejos relacionados ao trabalho neste ano. Na prática, eles “não são compatíveis com a realidade”, como observa Fernando Veloso, professor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas (FGV), no Rio. “O cenário do emprego já não vinha bem desde a crise de 2014 a 2016, que deixou marcas profundas no mercado de trabalho do país”, diz.

“A pandemia tornou tudo muito mais dramático, pois afetou profundamente os menos escolarizados”, acrescenta ele. “Para este ano, existe uma perspectiva de recuperação, mas a criação de postos de trabalho deve se concentrar nos informais, os mais vulneráveis, com menor proteção social e salários mais baixos.” Ou seja, uma tendência que vai de encontro a tudo o que os brasileiros afirmam almejar para 2022.

No campo político, a maior parte dos entrevistados considerou baixas as chances de a eleição presidencial deste ano melhorar a situação do país. Para quase metade da população (47%), nada vai mudar. O time dos otimistas é formado por 26% dos brasileiros, que atribuem ao pleito um possível impacto positivo.

Quanto às prioridades do próximo presidente, os temas saúde, emprego e educação, nesta ordem, ganharam maior destaque em relação a assuntos como segurança e meio ambiente. Em pesquisas de opinião pública, mesmo antes da pandemia, a questão da saúde sempre ocupou o topo da lista de preocupações dos brasileiros.

Para os analistas, a temática veio para ficar com a Covid-19, cujos desdobramentos ainda estão distantes de cessar. Eles observam que os outros assuntos em evidência na enquete (caso do emprego e da educação) também estão relacionados ao avanço da doença.

Os participantes da pesquisa escolheram ainda uma frase, entre quatro alternativas, com a qual mais se identificaram – todos os enunciados, em tese, estavam relacionados a discursos de possíveis candidatos à eleição presidencial deste ano. Ao final, 35% destacaram a importância do “combate à corrupção”; 27% frisaram a relevância de “valores morais e religiosos”; 26% sublinharam o “combate à pobreza e à desigualdade”; e 12% preferiram a pertinência de princípios como a “livre iniciativa e o livre mercado”.

“Essas respostas mostram o possível respaldo que cada uma dessas manifestações pode ter entre eleitores”, afirma Dorgan Filho. “Chama atenção que quase um terço das pessoas [27% do total] tenha optado pelo item que trata de valores morais e religiosos. Em princípio, isso revela uma postura conservadora até surpreendente do eleitorado.”

Ainda que as respostas estabeleçam uma hierarquia de bandeiras de uso político recorrente, Melo, do Insper, pondera que a adesão a determinada frase não pode ser interpretada como apoio direto a qualquer candidato que a utilize – ainda que com frequência. “Na maior parte das vezes, as pessoas votam com o bolso, ou mesmo com o estômago. Considerando tanto a situação econômica do País como os dados da pesquisa, é justamente isso que pode acontecer neste ano.”

A pesquisa Travessia/Valor ouviu 1.200 pessoas em todo o Brasil, por telefone, entre os dias 4 e 6 de dezembro.

Com informações do Valor Econômico